A educação e a cultura são dois pilares fundamentais de qualquer regime político. Foi por isso que os regimes ditatoriais não descuraram o enorme potencial doutrinário do ensino. Durante o regímen salazarista, por exemplo, a maior parte dos jovens nem sequer tiveram acesso ao ensino. Apostou-se no analfabetismo medieval, porque um povo culto seria incómodo para o regime. Por outro lado, estes tipos de regímenes selecionaram cuidadosamente as elites, submetendo- as a uma criteriosa doutrinação com ideias nacionalistas, racistas, colonialistas e imperialistas. Tudo isto à custa da exclusão, da coerção da liberdade individual e da aniquilação do indivíduo intelectualmente livre, para que os regímenes se perpetuassem sem oposição.

Em democracia, cujo princípio básico é o respeito pela liberdade individual, na sua plenitude, o ensino foi anunciado como inclusivo, com oportunidades iguais para todos, independentemente do estrato social ou status económico – o tão proclamado “elevador social”.

Mas a realidade desmente dramaticamente estas boas intenções. Para ser inclusivo, apostou- se num ensino que gradualmente se tornou cada vez menos exigente, infantilizado, pobre de conteúdos, e com uma total desresponsabilização dos alunos e encarregados de educação. A profissão docente foi desvalorizada socialmente, e a educação e a cultura tornaram-se pouco (ou nada) reconhecidas como fatores fundamentais de valorização social, cultural e humanística. Os que as valorizam, em geral filhos de famílias com maior poder económico e culturalmente mais apetrechadas, deslocam os seus filhos para escolas privadas de elite.

Desta forma puderam “embelezar-se” resultados, que não correspondem genericamente à fraca qualidade real dos alunos, refletida nas competências mais básicas – escrita manual, leitura e interpretação de um texto, expressão oral, ou cálculos elementares. Falsearam-se resultados e as pressões para aprovações automáticas é enorme por parte dos governos. Complicou- se a avaliação de conhecimentos, criando-se metodologias inócuas e grelhas insuportáveis, de uma complexidade pedante, tudo para mascarar o pobre estado da escola pública.

No entanto, é de elementar justiça reconhecer a enorme dedicação, competência e espírito de sacrifício de uma grande maioria de docentes e dirigentes escolares, e de um número razoável de alunos que, apesar do caos reinante, conseguem à custa do seu mérito e esforço pessoais, superar as dificuldades criadas pela confusão generalizada.

Responsáveis? Há vários, na minha opinião – o poder político, em primeiro lugar, e os representantes das tendências da moda (altamente variável) de certas escolas de psicologia. Com a influência política que têm tido, transformaram a escola pública num imenso laboratório de experimentalismo pedagógico. Com isso degradaram-na, inundando-os com uma burocracia asfixiante e coagindo-os a seguir normativos, muitas vezes ambíguos e contraditórios, indecifráveis na sua linguagem pseudocientífica, dada a variabilidade das suas ideias, sem qualquer rigor ou coerência científica. Criaram uma escola de facilitismo crónico, onde grassa a indisciplina, a desmotivação, o desinteresse, a apatia e a total desvalorização do conhecimento e do esforço individual implícito ao ato de aprendizagem. Uma escola onde não há estratégia, objetivos bem definidos ou obstáculos para vencer. Provas de aferição que nada avaliam, projetos e mais projetos de copy/paste, feitos googlando ou chatbooteando bases de dados, com um acrítico e frenético recurso ao digital e ao “moderno”.

Para agravar esta situação, está em curso um novo assalto à escola pública, que dá pelo nome de “digitalização do ensino”. O que aí vem? Manuais digitais, provas em computador, abolição da escrita manual, substituída por teclados, e da leitura pausada, concentrada e interpretativa, que só o livro clássico permite. Tudo o que está a ser rejeitado em vários países, está em implementação entusiástica, incentivada pelas empresas tecnológicas e afins, para baralhar ainda mais o caos instalado na escola pública. A esta restará a persecução do “grande desígnio” da modernidade – produzir pouco mais do que hábeis plagiadores, pesquisadores acríticos de (des) informação massiva, seres iletrados, fascinados pelos recentes instrumentos da IA.

Só o Professor poderá regular e conter estes novos ataques à escola pública. São eles os garantes de uma escola forte e exigente, que seja uma garantia do fortalecimento da democracia e da lucidez libertadora dos jovens perante os obsessivos apelos e tentações da sociedade contemporânea – apelos à competitividade sem regras, ao empreendedorismo de alto risco, à produtividade à custa da degradação da qualidade de vida, etc.