Nesta perspetiva, uma prova cega de águas é uma inovadora estratégia de educação e comunicação de ciência sobre as águas subterrâneas que oferece uma oportunidade única para os participantes compararem diferentes tipos de água, através de uma experiência sensorial acompanhada pela exploração dos processos hidrogeológicos subjacentes.


Introdução.

Cerca de dois terços da superfície terrestre consistem em água, principalmente salgada, armazenada nos mares e oceanos, onde as primeiras formas de vida surgiram há mais de 3800 milhões de anos. Indubitavelmente, a água é também o elemento essencial para a integridade dos ecossistemas e para a vida, constituindo, em média, cerca de 65% do corpo humano. Além disso, a água desempenha um papel crucial como agente de meteorização e erosão, sendo responsável pela alteração de rochas e pela modelação da superfície terrestre e da paisagem. A sua gestão sustentável emerge, assim, como um desafio crítico de dimensão global, exigindo a constante busca por estratégias inovadoras.

No entanto, a tomada de consciência sobre os processos da água subterrânea e a sua importância no ciclo hidrológico é muitas vezes subestimada, se se considerar que é nos aquíferos que a água subterrânea se encontra resguardada de agressões externas, constituindo recursos inestimáveis e extremamente preciosos que urge preservar.

Ora, a água, nas suas variadas dimensões, é um tema que atravessa currículos, sendo constante ao longo dos programas de várias áreas disciplinares e níveis de ensino, desde as Ciências Naturais até à Geografia, passando pelas Ciências Físico-químicas e até mesmo pela Literatura e História. Assim, a água ocupa uma posição transversal, interligada com os temas ambientais, sociais e culturais.

Neste contexto, uma experiência de provas de águas representa uma abordagem inovadora na educação e comunicação de ciência sobre as águas subterrâneas que permite a ponte entre uma análise sensorial, os processos hidrogeológicos por detrás da sua formação, assim como os desafios associados à sua gestão sustentável, como adiante se discutirá.


A água e os desafios de sustentabilidade do planeta.

A gestão sustentável da água é um dos desafios mais prementes que o nosso planeta enfrenta actualmente. Uma série de questões complexas, como a escassez em algumas regiões, a deterioração da qualidade da água devido à poluição e o acesso desigual à água potável, estão no centro de grandes preocupações. Não podemos esquecer que a água é essencial para a sobrevivência de todos os seres vivos e é hoje em dia considerada um recurso ameaçado. Dados recentes ressaltam a gravidade da situação, indicando que aproximadamente 25% da população mundial reside em regiões com um nível extremamente elevado de stress hídrico, situação em que a procura de água ultrapassa consistentemente a sua disponibilidade, uma vez que o consumo excede a capacidade de renovação dos recursos hídricos locais6.

Embora constitua apenas cerca de 0,7% das reservas globais, a água doce facilmente acessível (mais de 40.000 m3) seria suficiente para atender a todas as necessidades humanas. Porém a sua distribuição no planeta é desigual e mais de 600 milhões de habitantes em todo o mundo não têm acesso a água potável1.

Por sua vez, a água é já actualmente fonte de vários conflitos internacionais, onde se compete por recursos hídricos, disputando-se o acesso e o controlo sobre rios e bacias hidrográficas partilhados e aquíferos transfronteiriços.

Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável é um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. O ODS 6 inclui metas específicas para garantir a água como recurso vital, promover equidade no acesso, salvaguardar ecossistemas aquáticos e fortalecer a resiliência das comunidades diante das mudanças climáticas.

Perante a urgência de enfrentar estas disparidades e garantir a gestão sustentável dos recursos hídricos, torna-se imperativo adoptar abordagens inovadoras e implementar medidas concretas para preservar e proteger esse recurso vital para a vida na Terra. É necessário, para isso, aumentar a consciencialização e o envolvimento público, através de estratégias abrangentes de educação e comunicação de ciência, focando especificamente os processos hidrogeológicos das águas subterrâneas, essenciais para dar respostas aos desafios da contaminação ou da sobreexploração.


Debaixo dos nossos pés.

Aprende-se desde cedo e reforça-se ao longo do percurso académico que a água não tem cor, não tem cheiro e não tem sabor. Aprende-se também que a água ocorre naturalmente em três estados físicos (sólido, líquido e gasoso) e, mais à frente, aprendem-se as etapas do ciclo hidrológico. Mais tarde, aprende-se que a água é constituída por oxigénio e hidrogénio e, um pouco depois, que tem grande capacidade de dissolução. Apesar de o tema ser constante ao longo dos currículos, pouca atenção vai sendo dada à parte mais longa e complexa do ciclo hidrológico, que é a sua circulação subterrânea.


Nas veias do planeta.

Dos cerca de 3% de água doce existente no nosso planeta, a maioria encontra-se nos glaciares e icebergs e estima-se que, destes, apenas 3%, uma minoria (aproximadamente 22%), corresponda a água subterrânea, o que significa que somente cerca de 0,6% de toda a água da Terra é naturalmente pura.

Como sabemos, é precisamente nas rochas do subsolo, nos aquíferos, que se alojam as águas subterrâneas, constituindo reservatórios fundamentais de recursos hídricos, e a sua recarga depende do equilíbrio entre infiltração, escoamento e evaporação de água da superfície, o que significa que apenas uma pequena parte da água da chuva se vai infiltrar e recarregar estes reservatórios subterrâneos.

O ciclo subterrâneo pode durar dias, meses, anos ou até milhares de anos, dependendo das características do aquífero, com a água a movimentar-se essencialmente de forma muito lenta à escala humana (FIGURA 1). Ora, para que a água circule é necessário que haja espaços vazios nas rochas, poros e fracturas, onde ela possa permanecer, ou entre os quais se possa mover, numa coreografia lenta e complexa. Ao contrário do que possa parecer inicialmente, a porosidade, que se refere à quantidade de espaços vazios no solo, e a permeabilidade, que indica a capacidade do solo em permitir a passagem da água, não estão directamente interligadas. Isso fica evidente ao considerar-se o exemplo das argilas, que, embora apresentem elevada porosidade, são praticamente impermeáveis. Tal fenómeno ocorre devido ao facto de, apesar de possuírem muitos poros, estes serem pequenos e se encontrarem fechados, limitando a passagem eficiente da água.


FIGURA 1. O ciclo da água é amplamente reconhecido, porém o papel e os processos da fase subterrânea são praticamente desconhecidos pela sociedade.

É precisamente durante este contacto com os materiais geológicos que a água interage com os minerais presentes nas rochas, dissolvendo-os gradualmente e absorvendo os sais correspondentes. Naturalmente, este processo é responsável pela mineralização da água, pela quantidade de elementos químicos em solução, que é influenciada por factores como a duração da interacção água-rocha, pela profundidade alcançada ou pela temperatura a que decorrem as reacções. Daqui se conclui que o contexto geológico, o tipo de materiais e rochas que a água atravessa, imprime uma assinatura única, conferindo-lhe uma identidade distintiva e deixando uma espécie de impressão digital na água. Assim, pode dizer-se que o subsolo corresponde a um verdadeiro “laboratório subterrâneo” onde a percolação da água, a sua passagem através de rochas impermeáveis, contribui não só para a sua mineralização natural, como também para a sua filtração natural, eliminando microrganismos e substâncias em suspensão. Em conclusão, os materiais geológicos que compõem os aquíferos são elementos fundamentais para a protecção das agressões externas e manutenção da qualidade da água em profundidade.

De acordo com a legislação em vigor (Lei n.º 54/2015, de 22 de Junho), considera-se água mineral natural a “água bacteriologicamente própria, de circulação subterrânea, com particularidades físico-químicas estáveis na origem dentro da gama de flutuações naturais, de que podem resultar eventuais propriedades terapêuticas ou efeitos favoráveis à suade”. As águas minerais naturais têm origem em aquíferos localizados em profundidades significativas no subsolo, contendo sais minerais e outros oligoelementos que são benéficos para a saúde humana, podendo inclusivamente apresentar propriedades terapêuticas, e podendo ser usadas para engarrafamento4 e termalismo13. Aliás, as propriedades “curativas” das águas são reconhecidas desde tempos remotos e têm sido valorizadas ao longo da história, desempenhando um significativo papel no desenvolvimento social e económico, não esquecendo que estas águas minerais naturais podem ainda ser usadas para a geotermia.

Por sua vez, as águas de nascente, em contraste com as minerais naturais, manifestam uma variabilidade química sazonal mais pronunciada devido a um menor tempo de circulação no subsolo. No entanto, e conforme estabelecido pela legislação (Lei n.º 54/2015, de 22 de junho), pertencem ao domínio privado, podendo ser exploradas através de licença de exploração, enquanto as águas minerais naturais pertencem ao domínio público, exploradas através de regime de concessão.

Tanto as águas minerais naturais como as de nascente caracterizam-se pela singularidade de manterem a sua pureza natural original e não serem submetidas a quaisquer tratamentos químicos e emprego de aditivos antes de serem consumidas.


Águas minerais naturais em Portugal.

Considerando que a composição das águas minerais naturais é influenciada pelas rochas onde circulam e pelos aquíferos onde residem, é fácil de compreender que a elevada Geodiversidade de Portugal se encontra “diluída” em várias águas, sendo responsável por uma grande diversidade físico-química de águas minerais naturais10, 11, 12, estando identificadas em todo o país mais de 400 nascentes de águas minerais naturais e de águas de nascente8.

No entanto, em Portugal continental, a distribuição de águas minerais é desigual, sendo mais concentrada nas regiões Norte e Centro. Essa disparidade está relacionada com características geológicas e estruturais, principalmente associadas a acidentes tectónicos, como a falha de Penacova-Régua-Verin ou a falha da Vilariça, envolvendo fluidos gerados em profundidade, em processos metamórficos e/ou magmáticos. Nas regiões Centro e Sul e nas Orlas Meso- -Cenozóicas Ocidental e Meridional, dominadas por formações geológicas sedimentares, predominam águas fundamentalmente influenciadas por processos de dissolução das rochas, ligadas a falhas activas ou diapiros salinos. É possível, então, distinguir as seguintes grandes unidades hidrogeológicas, cada uma com características bem distintas: Maciço Antigo, Orlas Meso-cenozóicas Ocidental e Meridional e a Bacia do Tejo-Sado11.

Relativamente aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, as condições hidrogeológicas de cada ilha são determinadas pelo tipo de formações vulcânicas que compõem o substrato das ilhas e pela actividade vulcânica12.

A riqueza hidromineral do país é reconhecida desde o tempo dos Romanos, conforme documentado por Plínio, o Velho, na sua obra “História Natural” (Livro 2 Cap.103; 77-79 d.C.), onde inúmeras águas minero-medicinais e termais são mencionadas. Mas em Portugal, a primeira catalogação sistemática das águas minerais naturais foi publicada na obra “Aquilégio Medicinal” de Francisco da Fonseca Henriques (1726). De referir que esta obra é uma referência, que não apenas representa um marco histórico para o património hidrogeológico do país, como também um valioso inventário que integra importantes ocorrências ainda hoje em utilização.

Segundo a Direcção Geral de Energia e Geologia (2024), existem actualmente 82 águas minerais naturais qualificadas em Portugal Continental, ou seja, águas reconhecidas pelas entidades competentes pelas suas características essenciais e pela sua conformidade com as definições antes apresentadas, usadas para engarrafamento, termalismo e geotermia.


Prova de Águas como experiência educativa.

Todos aprendemos que o ciclo da água é um processo natural contínuo, no qual a água evapora da superfície da Terra, sobe para o céu, forma nuvens e, posteriormente, retorna ao solo como chuva ou neve; parte dela também se infiltra no solo para se tornar água subterrânea, que pode ressurgir mais tarde. No entanto, é comum abordar-se o ciclo da água como uma série regular de fases, negligenciando, na maioria das vezes, a parte subterrânea, um estágio “invisível” e prolongado, que representa a fase mais lenta de todo o ciclo e essencial para a formação da água mais pura do planeta e que dispensa qualquer tratamento químico antes de ser consumida.

A prova de águas em contexto educativo pretende, assim, destacar a importância e os processos envolvidos na formação da água subterrânea, proporcionando uma visão mais abrangente e aprofundada da dinâmica do ciclo. Esta experiência educativa pode ser adaptada aos diferentes níveis e áreas disciplinares em que o tema da água seja explorado.

A prova cega de águas é uma actividade de degustação onde os participantes têm a oportunidade de experimentar e avaliar diferentes tipos de águas, incluindo a observação visual, a análise olfactiva e a avaliação gustativa. Uma vez que não há duas águas minerais naturais iguais, cada uma possui uma identidade única, moldada pelo processo de circulação subterrânea, transformando cada gole numa visita guiada pelo contexto geológico em que se formou.

Apesar de o objetivo da prova não ser a identificação individual de cada água, a escolha e a sequência de degustação são cruciais para o resultado da prova, sendo essencial que entre cada amostra haja uma considerável disparidade, pelo menos num parâmetro específico, como o pH ou a mineralização total, de forma a tornar as nuances de sabor facilmente distinguíveis e comparáveis.

Para a realização da prova cega são necessárias garrafas ou recipientes descaracterizados, de preferência iguais, rótulos de águas engarrafadas, mapas geológicos simplificados, e amostras das rochas mais representativas dos contextos geológicos em causa (FIGURA 2). Sublinhe- se que é importante as águas sejam apresentadas em recipientes iguais e descaracterizados, para que a prova seja realmente cega.


FIGURA 2. Materiais a incluir na prova cega de águas.

Relativamente ao panorama das águas engarrafas portuguesas, destaca-se o elevado pH das de Monchique, o baixo pH da Penacova ou Vitalis, a elevada mineralização total da Vimeiro Original ou a baixa mineralização da Fonte da Fraga ou Vitalis.

Relativamente à sequência, considera-se pertinente comparar o sabor e a textura entre águas gasocarbónicas e gaseificadas, assim como perceber como o gás afeta o sabor, comparando uma água mineral natural com a mesma água à qual foi adicionado gás carbónico (como por exemplo nas águas Carvalhelhos ou Vimeiro). De realçar que é interessante comparar o sabor de águas com quantidades contrastantes de sais dissolvidos, como acontece com a água mineral natural Vimeiro Original e a Vimeiro Lisa, que, passando por um processo de filtração, resultam numa água de muita baixa mineralização. Não esquecer que é importante incorporar amostras de águas não engarrafadas, nomeadamente das termais.

O número de águas utilizadas deve ser determinado de acordo com o público-alvo, os objetivos específicos e o contexto da actividade, podendo variar entre 3 e 15–20 amostras.

Note-se que a prova de águas deverá, sempre, ser acompanhada pela análise dos rótulos correspondes (no caso das aguas engarrafadas), proporcionando informações sobre a origem e composição de cada amostra, o que permitirá uma melhor compreensão das diferenças entre elas, mas também sustentará a sua ligação ao contexto hidrogeológico.

Para faixas etárias mais baixas, a actividade poderá ser integrada numa perspetiva mais transversal e incluir outras actividades práticas complementares3.

A propósito do Dia Mundial da Água, a UNESCO promoveu a campanha “Águas subterrâneas: tornar visível a invisível”, num esforço de combater a invisibilidade das águas subterrâneas, disponibilizando diversos recursos pertinentes sobre o tema.


Exploração metodológica.

A degustação de águas aqui proposta, inspirada nas tradicionais provas de vinhos, visa permitir a análise das principais características distintivas de cada amostra, possibilitando a relação entre o seu sabor, as suas propriedades e o contexto geológico em que foram formadas.

Enquanto algumas das etapas do protocolo sugerido (TABELA 1) podem ser dispensadas, dependendo das águas utilizadas, as avaliações visual e olfactiva são pertinentes quando se trata de águas não engarrafadas, especialmente as termais. Já a análise da temperatura é relevante ao lidar com águas termais provadas directamente na captação.

A primeira a ser degustada deverá ser uma água engarrafada local ou uma marca popular na região da prova. Ao provar a primeira amostra, os participantes não irão conseguir identificar parâmetros específicos, mas serão capazes de reconhecer se a água tem um sabor agradável e se se assemelha à que normalmente consomem. A partir da segunda amostra, será já possível detetar diferenças, com subtis variações de sabor.

É importante salientar que a análise sensorial deve ser acompanhada do registo de alguns parâmetros responsáveis pela variação de sabor e que possam ser relevantes para a análise do contexto geológico (TABELA 2). Estes parâmetros podem ser consultados nos respectivos rótulos ou na bibliografia, no caso de águas não engarrafadas. Encontram-se disponíveis ferramentas online que compilam informação detalhada, como a plataforma “Hidrogenoma” da Direcção Geral de Energia e Geologia, que disponibiliza fichas detalhadas de caracterização das águas minerais naturais portuguesas. O Comparador de Águas da Vimeiro permite a comparação da composição química de uma selecção de águas de mesa comercializadas no mercado português, com base em informação presente nos rótulos de cada marca.


TABELA 1. Protocolo.


TABELA 2. Exemplo de tabela para registo de características físico-químicas.

Prova de Águas – estratégia de comunicação de ciência e interpretação de património geológico.

Falar de águas minerais naturais é contar histórias, uma vez que a natureza transversal da temática da água permite pontes entre a Ciência e a Cultura ou entre o passado e o presente ou entre a saúde e o ambiente. Por exemplo, quando provamos as águas minerais naturais das Termas de Monfortinho, falamos de água que circula em quartzitos, rochas que naquela região se formaram há cerca de 480 milhões de anos pela deposição de sedimentos num fundo marinho repleto de trilobites e outros seres vivos primitivos. Assim, provar a água das Termas de Monfortinho é atravessar vários episódios da história da Terra, e importantes eventos que moldaram o nosso planeta nos últimos milhões de anos; provar águas do Vimeiro é falar da Rainha Santa Isabel e da Infanta Dª Leonor, figuras históricas emblemáticas que reconheceram as virtudes das propriedades terapêuticas das Águas Santas do Vimeiro.

É do senso comum uma pessoa questionar “para que é que estas águas são boas?”, num interesse natural em conhecer os seus potenciais efeitos positivos e os benefícios terapêuticos que determinadas águas minerais podem proporcionar à saúde. Talvez não seja tão óbvia a pergunta “por que motivo esta água tem um cheiro tão forte?”, questão que se levanta perante o odor característico das águas sulfúreas como as de Manteigas, Fadagosa de Nisa, Águas, Caldas da Rainha, entre outras; ou “porque é que a água tem esta cor?”, relativamente a tantas águas de fontes férreas ou ferranhas, enquanto quase raramente surge a questão “como é que estas águas adquirem estas propriedades?”. É precisamente este o objetivo de uma experiência de prova de águas: suscitar a curiosidade e o interesse sobre o circuito das águas subterrâneas.

Nos últimos tempos, tem-se assistido a um aumento de destaque que várias marcas de águas de mesa têm vindo a dar a parâmetros físico-químicos como o pH, cada vez mais destacado nos rótulos e na promoção dessas marcas. É evidente que esta tendência surge como resposta a uma maior exigência dos consumidores, cada vez mais conscientes do papel da água na sua saúde e bem-estar.

Entretanto, muitas destas águas minerais naturais emergem em geossítios, locais de relevância geológica, com reconhecido valor patrimonial, como por exemplo as águas da Fonte das Virtudes ou da Ferraria, locais incluídos no Inventário Nacional de Património Geológico. Outras, também integradas nos Inventários de Património Geológico dos Geoparques Mundiais da UNESCO portugueses, como as nascentes termais da Carapacho (Açores), Unhais da Serra (Estrela), de Monfortinho (Naturtejo) ou Caldas da Rainha (Oeste), para além do seu valor científico, destacam-se também pela sua importância geocultural e histórica, uma vez que as características e qualidades destas águas foram reconhecidas pelas populações e aproveitadas para fins terapêuticos, em alguns casos desde, pelo menos, o período Romano, tendo sido importantes motores de desenvolvimento.

Assim, a partir da mais antiga e vulgar técnica termal de hidropinia, a ingestão de água, desenvolveu-se uma estratégia de prova cega, baseada nos princípios das provas de vinhos, com o objetivo de identificar as propriedades das águas, através dos sentidos, tentando reconstituir o seu percurso subterrâneo individual9. Esta actividade surgiu como estratégia de interpretação do património hidrogeológico do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO, um património materializado em geossítios cujas características representam exigentes desafios de comunicação.


FIGURA 3. A), B) Provas de águas em contextos formais de formação de professores e informais em feira de promoção turística. C) Provas de água em Ciência Viva, no Verão. D) Provas de água na praia fluvial.

Esta abordagem tem sido vastamente implementada em inúmeros contextos formais e não formais, ora educativos, ora turísticos, ora de lazer, ora em contexto termal, para os mais diversos públicos (FIGURA 3). As provas de águas têm sido dinamizadas em acções de promoção turística, de divulgação científica no âmbito da Ciência Viva no Verão ou da Noite Europeia de Investigadores, em visitas turísticas, em contextos menos convencionais como em praias fluviais ou no mercado, na celebração de datas como o Dia Mundial da Água ou o Dia Mundial da Alimentação, pelo que tem sido dada grande ênfase à formação, nomeadamente para profissionais de balneários termais ou de empresas de animação turística, contribuindo para a integração efectiva desta experiência em produtos turísticos disponíveis ao público. Noutra perspetiva, dado o elevado potencial educativo desta actividade, tem sido feita uma grande aposta na formação de professores, nomeadamente na promovida anualmente pela na Casa das Ciências.


Conclusão.

A complexa interacção entre a água e as rochas no subsolo, que se pode estender desde a dezena e os milhares de anos, faz com que cada água seja única e que conte uma história singular. Contar esta história através de uma prova de águas é uma experiência que junta a componente científica à apreciação sensorial.

A prova de águas envolve a análise de várias características físico-químicas que fornecem pistas sobre a sua origem e os processos geológicos pelos quais passou. Além disso, esta experiência permite explorar as nuances sensoriais da água, desde o seu aroma e sabor até à sua textura e sensação na boca, o que permite, sem dúvida, uma abordagem transdisciplinar do tema da água e dos esforços necessários para a sua gestão sustentável.

De um modo geral, a prova de águas, pela sua facilidade de operacionalização, pelo seu caracter inusitado e pertinência pode ser usada nos mais variados contextos, contribuindo para uma compreensão mais profunda e uma apreciação mais ampla da água e dos desafios prementes na sua gestão sustentável.