O título deste editorial é roubado de um livro do economista John Kenneth Galbraith, “The Age of Uncertainty”, publicado em 1977, acompanhado de uma série televisiva na BBC e CBS, com o mesmo nome. Imagine-se: uma série de 15 episódios de uma hora sobre história da Economia em horário nobre de televisão!

Galbraith era um defensor do estado social, da regulação dos mercados e de serviços públicos suportados por impostos fortemente progressivos, e opôs-se às correntes mais favoráveis aos mercados livres, sem regulação, e às visões liberais que a partir dos governos de Thatcher no Reino Unido e Reagan nos EUA ganharam proeminência nas democracias ocidentais.

É verdade que todas as épocas têm a sua dose de incerteza. Em 1977 o mundo estava dividido em dois blocos hostis. O bloco “ocidental” liderado pelos EUA, ao qual estavam aliadas as democracias liberais da Europa, alguns países asiáticos (Japão, Coreia do Sul) e o Canadá e a Austrália. Não era composta apenas pelos vencedores da II guerra. Incluía os vencidos, Itália, Alemanha e Japão. Do outro lado, um dos vencedores, uma autocracia, a União Soviética, um bloco que incluía a maior parte da Europa de Leste. Mas a guerra fria tinha tido o seu auge nos anos sessenta, e no final dos anos setenta, já poucos temiam uma confrontação militar direta entre este dois blocos. Economica e socialmente o bloco ocidental era claramente superior; o bem estar das suas populações tinha tido um progresso notável nos quarenta anos posteriores à guerra. Para quem duvida, espreitem os retratos da Itália do pós-guerra nos filmes do neo realismo italiano.

Quando Galbraith escreve o seu livro as últimas autocracias da Europa Ocidental (Espanha e Portugal) haviam terminado e o sucesso das democracias ocidentais, o posterior colapso da União Soviética e o fim da guerra fria, até levou alguns a anunciar o fim da História.

Pelos vistos, em geopolítica os prognósticos são tão perigosos como no futebol! Hoje assistimos à ascensão de regimes autocráticos, com um poder económico que a União Soviética nunca teve, e a evidentes tentações autocráticas em países ainda democráticos, e que, no início deste século, ninguém ousaria prever. As tensões das autocracias dominantes com o bloco Ocidental estão num máximo de muitos anos e na Europa vivemos nos últimos três anos um conflito em que se estimam já perto de um milhão de baixas! Para quem, como o autor, viveu o notável período de prosperidade que Portugal e a Europa viveram nos últimos 50 anos (com altos e baixos que não põem em causa a tendência geral), nunca a incerteza sobre o futuro foi maior.

É importante constatar que este movimento é acompanhado de uma recusa desconcertante de cada vez mais cidadãos do mundo dos critérios de verdade que informam (informavam?) não só o debate público, como a própria ciência. Ao ponto de os EUA se prepararem para indicar um responsável pela saúde que alimenta teorias de conspiração, em clara negação da evidência científica disponível.

Qual é o caminho? Como cientistas ou professores não podemos deixar de defender que as ideias se debatem sempre com recurso à evidência, que há teses com fundamento na realidade e teses que não passam de fantasia e retórica, sem provas ou evidência que as suporte. Mas quando milhões dos nossos concidadãos se deixam seduzir por estas últimas, não podemos desconsiderá-las, olhá-las com sobranceria, sob o pretexto que são tão absurdas que não merecem a nossa atenção.

Talvez devamos equacionar que ensinar ciência não é suficiente. Temos de enfrentar essas ideias na praça pública e nas escolas, com a certeza nas nossas convicções, mas com respeito por quem as perfilha. Não deverá a educação para a cidadania ir para além das causas sociais, para debater e explicar os métodos com que a ciência constrói o seu conhecimento, respondendo a críticas e justificando por que razão devemos fundamentar a nossa ação nesse conhecimento? Veja-se por exemplo a imagem selecionada para este número da RCE: que boa lição seria explicar por que razão os geólogos creem que se trata de uma formação natural!

Quem sabe, poderemos vir a ter um astrólogo candidato a dirigir a NASA. Não podemos apenas levantar os braços em desespero! Temos de estar preparados para mostrar que isso não é uma boa ideia!