Plantas e monitoramento da qualidade do ar
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- * PPGSMA/ PPGPCS/ U. Região de Joinville
- ɫ PPGSMA/ PPGPCS/ U. Região de Joinville
- ‡ PPGSMA/ PPGPCS/ U. Região de Joinville
Referência Oliveira, R. L., Costa, F. V., Junior, J. C. F. M., (2024) Plantas e monitoramento da qualidade do ar, Rev. Ciência Elem., V12(4):035
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.035
Palavras-chave
Resumo
A poluição atmosférica representa um desafio à saúde humana, contribuindo anualmente para milhões de mortes prematuras. Neste cenário, as plantas surgem como sentinelas silenciosas, oferecendo uma perspetiva ecológica e economicamente viável para entender, monitorar e combater esse problema. A capacidade das plantas em absorver gases tóxicos e poluentes do ar, bem como seu papel como bioindicadores, torna-as aliadas na luta contra a poluição.
A poluição do ar é um problema global que afeta a saúde de todos, sendo responsável por cerca de 4,2 milhões de mortes prematuras em todo o mundo. É o segundo maior fator de risco para doenças não transmissíveis, com destaque para as doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer de pulmão e problemas respiratórios graves1. Para entender como a poluição do ar afeta a saúde humana, os cientistas geralmente utilizam métodos complexos, que envolvem análises físicas e químicas com o uso de máquinas para filtrar o ar2. No entanto, as plantas também podem fornecer informações importantes sobre a poluição do ar. Quando expostas a poluentes, as plantas podem adoecer, exibir sinais de injúria ou simplesmente acumular os poluentes manifestando macroscopicamente, ou apenas microscopicamente seus efeitos3. Essas alterações são identificáveis e podem ser usadas como ferramentas para sinalizar áreas poluídas. Esta abordagem, conhecida como monitoramento biológico ou biomonitoramento, é mais económica e ecológica, já que as plantas são, de forma geral, extremamente sensíveis e responsivas à poluição4.
As plantas têm a capacidade de absorver gases nocivos, como dióxido de carbono e dióxido de enxofre, além de outros poluentes como os metais pesados. Embora a maioria das plantas seja sensível aos metais pesados, algumas conseguem crescer mesmo em locais muito contaminados, porque desenvolveram maneiras de evitar que esses metais prejudiquem seu crescimento e reprodução. Essas, plantas resistentes aos metais pesados, utilizam estratégias como imobilizar esses metais na parede celular, bloquear a sua entrada nas células ou criar substâncias que os neutralizam. Além disso, as plantas também podem armazenar esses metais em partes específicas de tecidos e células ou expulsá-los ativamente. Esses mecanismos ilustram a sua capacidade de sobrevivência ou resistência, mesmo em ambientes muito poluídos por metais pesados5.
O biomonitoramento com o uso de plantas para avaliar a qualidade do ar, pode ser realizado por dois tipos de métodos: passivo e ativo6. No método passivo observam-se plantas que crescem naturalmente em uma área, sendo este método mais utilizado para observar impactos de longo prazo6. No método ativo, realiza-se o transplante de plantas cultivadas em ambientes controlados, como estufas, para uma determinada área que poderá estar contaminada. Nesse método, é possível padronizar e monitorar os organismos transplantados, controlar o tempo de exposição e a distribuição geográfica das plantas7. Essas características permitem o desenvolvimento de índices atmosféricos com base nas alterações observáveis nas plantas e na concentração de agentes poluentes dentro e fora das plantas4.
Diversas espécies de plantas podem ser utilizadas no biomonitoramento de acordo com suas características, tais como a capacidade de bioacumulação de substâncias químicas e a habilidade de indicar a presença ou ausência de poluentes4. No Brasil, cientistas observaram que plantas nativas da Mata Atlântica apresentam alterações em sua morfoanatomia e fisiologia quando expostas a agentes poluentes, tais como redução da massa e espessura das folhas, perda de tecido fotossintético, alterações estomáticas, diminuição dos níveis de clorofila, entre outros. Essas modificações indicam a presença de agentes poluentes, tornando essas plantas indicadoras de poluentes atmosféricos8. As folhas têm a capacidade de captar e acumular diretamente poluentes do ar (FIGURA 1), incluindo o material particulado9, que é composto por uma mistura de partículas sólidas microscópicas e gotículas líquidas suspensas no ar10.
Em Portugal, também foram conduzidos estudos de biomonitoramento com o uso de plantas, abrangendo a pesquisa dos efeitos de pesticidas em folhas de pinheiros11, da presença de metais pesados em cascas de árvores12 e musgos13, bem como os impactos nas concentrações de dióxido de enxofre (SO2) em líquens e briófitas14. Os líquens podem armazenar metais pesados, como ferro15, coletar microfibras antropogênicas (partículas sintéticas feitas de celulose ou polímeros derivados de petroquímicos)16 e exibem atividade mutagênica em resposta a substâncias poluentes17.
As algas verdes ou clorofíceas, sensíveis à presença de poluentes no ar e na água, são utilizadas para detecção de ozônio e material particulado em ambientes urbanos18, além de serem empregadas em estudos de biomonitoramento de poluição em ambientes marinhos7. Plantas avasculares, tais como musgos e hepáticas, são plantas que não apresentam uma camada cerosa na superfície e não possuem raízes, o que significa que conseguem absorver nutrientes diretamente do ar. Isso as torna capazes de acumular elementos químicos, especialmente metais pesados, em grandes quantidades19.
No geral, as plantas superiores acumulam substâncias químicas e exibem sinais visíveis de danos (FIGURA 2), manifestando lesões e alterações na estrutura, tais como elementos lenhosos mais curtos e estreitos, além de uma redução na frequência de vasos, quando expostas à poluição20.
Segundo as diretrizes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para o biomonitoramento da qualidade do ar por meio de plantas, a escolha das espécies vegetais deve considerar diversos aspectos6. Primeiro, é importante que as plantas sejam fáceis de identificar no campo, para facilitar a sua localização durante as atividades de monitoramento. Também é crucial que elas mostrem uma resposta clara, indicando como a espécie ou o ecossistema vai reagir ao estresse ambiental. As plantas escolhidas devem estar distribuídas em muitas partes da área afetada pela poluição, para representar bem o espectro da poluição. Para lidar com as mudanças ao longo do tempo, é sugerido que elas sejam amostradas várias vezes durante o ano ou que todas as coletas sejam feitas na mesma estação para evitar erros de interpretação, ao passo a sazonalidade é precursora de mudanças na estrutura foliar. Por último, é essencial considerar o custo, garantindo que as plantas escolhidas sejam financeiramente viáveis no projeto de monitoramento6.
Além de seu papel no monitoramento, as plantas destacam a responsabilidade coletiva de preservar o meio ambiente. Ao proteger as plantas e entender como elas alertam sobre a poluição, não apenas em relação à saúde, mas também ao equilíbrio do ecossistema. A colaboração entre a natureza e a ciência fomenta a esperança de um futuro em que a qualidade do ar seja um direito fundamental, assegurado pelas sentinelas silenciosas do nosso planeta: as plantas.
Referências
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