Utilizar-se das virtudes curativas de certos vegetais foi uma das primeiras manifestações do esforço da espécie humana para compreender e utilizar a natureza. Esse conjunto de conhecimentos evoluiu durante milênios, aprofundando-se e diversificando-se, sem nunca, porém, cair totalmente no esquecimento. Portanto, a história de nossa espécie está intimamente ligada ao uso das plantas. As utilidades variam desde alimentação, construção e ornamentação até o uso da planta inteira, de partes dela ou de extratos vegetais, para fins terapêuticos. Plantas formaram a base da medicina tradicional e muitas delas deram origem a medicamentos e tratamentos utilizados até hoje1. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% da população do planeta faz uso de plantas medicinais, seja de forma esporádica, frequente, complementar ou mesmo como a única fonte de recursos medicamentosos2.

Uma planta é considerada medicinal quando pelo menos uma de suas partes (raiz, caule, folha, flor, fruto ou semente) produz e/ou armazena substâncias com atividade farmacológica3. Essa planta, ou a parte específica dela, pode então ser processada industrialmente de diversas formas (utilizando, por exemplo, diferentes métodos de secagem e extração) para a obtenção do produto final medicamentoso. A droga vegetal ou o derivado de droga (extrato) produzido, sem a adição de substâncias, sejam elas naturais ou sintéticas, são considerados fitoterápicos4. A indústria de fitoterápicos movimenta bilhões de dólares por ano, e grande parte das novas entidades químicas descobertas são de origem natural1. Entre 1940 e 2010, quase metade dos princípios ativos (i.e. por exemplo, substâncias que apresentam efeitos farmacológicos) desenvolvidos para o tratamento do câncer vieram de produtos naturais ou seus derivados5. Por conta da complexidade de seus componentes e da grande diversidade biológica e química ainda pouco explorada, as plantas representam as fontes mais promissoras para o desenvolvimento de novos medicamentos6.

O valor farmacêutico das plantas, assim como o valor como aditivos alimentares, saborizadores e reagentes bioquímicos de relevância industrial, se dá graças à sua capacidade de sintetizar moléculas orgânicas especiais7. Para a manutenção de suas funções biológicas e ecológicas, as plantas produzem uma diversidade de metabólitos derivados de diferentes rotas biossintéticas, que constituem os chamados metabolismo primário e secundário ou especial. São conhecidos como metabólitos primários aqueles associados ao funcionamento de todas as plantas, incluindo carboidratos, proteínas, lipídeos e ácidos nucléicos. Já os metabólitos secundários ou especiais são substâncias de diferentes naturezas químicas, cuja função principal é de defesa da planta contra herbívoros, patógenos e fatores ambientais, embora também estejam envolvidos em processos fisiológicos e de sinalização celular8, 9, 10 (FIGURA 1). Apesar de terem surgido evolutivamente como mecanismo de defesa das plantas11, esses metabólitos são a base para os efeitos clínicos em seres humanos, podendo interagir com nosso organismo de forma negativa — conferindo à planta determinado nível de toxicidade — ou positiva — conferindo às plantas propriedades medicinais12.


FIGURA 1. Exemplos de alguns dos principais tipos de metabólitos secundários encontrados em plantas.

Diferentes espécies de plantas apresentam padrões específicos de produção e acúmulo de metabólitos secundários, que variam de acordo com a parte da planta, com as condições ambientais (temperatura, disponibilidade de água, luz solar, presença de ameaças químicas ou biológicas) e com a idade e fenologia da planta8, 9, 13, 14, 15, 16. A composição, concentração e o método utilizado para extrair as substâncias presentes numa planta medicinal são determinantes para a obtenção do efeito terapêutico desejado (FIGURA 2).

Portanto, é muito importante que tanto os usuários quanto os profissionais de saúde entendam os benefícios e os riscos envolvidos no uso de plantas medicinais e fitoterápicos17. Existe uma tendência a acreditar que alternativas naturais aos medicamentos sintéticos são seguras e livres de toxicidade e efeitos colaterais, mas é importante ressaltar que plantas medicinais também podem ser tóxicas. A toxicidade de uma planta pode variar de acordo com a dosagem, a sensibilidade do indivíduo (que também pode ser influenciada por fatores temporários como a gestação) e a interação com outras substâncias medicamentosas18. Além disso, o uso de espécies identificadas erroneamente, a preparação inadequada ou de partes erradas da planta, pode não ter efeito medicinal, ou pior, pode ser tóxico e até agravar o quadro clínico a ser tratado.


FIGURA 2. Exemplos de plantas medicinais, preparações e efeitos terapêuticos23, 24, 25, 26, 27. O processo de decocção consiste na imersão do material em água fervendo por tempo determinado, enquanto a infusão consiste em despejar água fervente sobre o material e, em seguida, tampar o recipiente por tempo determinado. A maceração envolve apenas o contato do material com a água a temperatura ambiente.

Para garantir que as plantas medicinais sejam utilizadas de forma segura, são indispensáveis:

  • A identificação correta da planta — seja por um botânico especialista ou por um detentor de conhecimento tradicional;
  • A utilização da parte correta da planta (aquela que de fato armazena as substâncias bioativas);
  • A adoção do método de preparação adequado;
  • Conhecimento da posologia adequada (número de vezes e a quantidade de medicamento a ser utilizado). Em caso de dúvida, a consulta à profissional de saúde habilitado é indispensável.

Existem cerca de 350.000 espécies de plantas conhecidas no mundo19, sendo que apenas uma pequena fração teve sua composição química estudada. Muitas espécies ainda não foram descritas pelos taxonomistas e ameaças como desmatamento e mudanças climáticas, podem fazer com que elas desapareçam antes que possamos conhecê-las. Dada a imensa diversidade de espécies vegetais e de substâncias produzidas por elas, nossa capacidade de explorar o poder terapêutico das plantas depende da integração de diferentes áreas do conhecimento, como a botânica, a química e a farmacologia. Nesse cenário, a etnobotânica — ciência que estuda a relação entre os seres humanos e as plantas e o modo como essas plantas são usadas20 — e a biologia da conservação são essenciais, tanto no direcionamento das pesquisas e na valorização dos conhecimentos tradicionais quanto para assegurar a preservação das espécies e suas substâncias com potencial terapêutico21. A retomada de antigos saberes de culturas passadas e a incorporação de novas práticas nos usos de plantas têm alavancado a disciplina de etnobotânica, abrindo caminhos para um aumento na eficiência tanto na bioprospecção quanto na conservação de ecossistemas22.