Plantas medicinais
📧 , 📧 , 📧 , 📧 , 📧 , 📧
- * IB/ U. Federal Fluminense
- ɫ IB/ U. Federal Fluminense
- ‡ IB/ U. Federal Fluminense
- + IB/ U. Federal Fluminense
- # IB/ U. Federal Fluminense
- § IB/ U. Federal Fluminense
Referência Hoffmann, A., Lobão, A. Q., Joffily, A., Brandes, A. F. N., Boscolo, O. H., Paiva, S. R., (2024) Plantas medicinais, Rev. Ciência Elem., V12(4):036
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.036
Palavras-chave
Resumo
O hábito de medicar-se com plantas já era disseminado e transmitido entre as mais antigas civilizações. Ainda hoje, a maior parte da população mundial depende de plantas medicinais ou extratos vegetais para o tratamento das mais variadas enfermidades. Embora diferentes culturas ao redor do mundo tenham desenvolvido vasto conhecimento sobre o potencial medicinal das plantas, a ciência ainda está longe de conhecer todos os efeitos e toda a diversidade de substâncias bioativas que elas são capazes de produzir. A adoção de boas práticas com relação às plantas medicinais é essencial, incluindo o uso consciente, a valorização dos conhecimentos tradicionais e a preservação da biodiversidade vegetal.
Utilizar-se das virtudes curativas de certos vegetais foi uma das primeiras manifestações do esforço da espécie humana para compreender e utilizar a natureza. Esse conjunto de conhecimentos evoluiu durante milênios, aprofundando-se e diversificando-se, sem nunca, porém, cair totalmente no esquecimento. Portanto, a história de nossa espécie está intimamente ligada ao uso das plantas. As utilidades variam desde alimentação, construção e ornamentação até o uso da planta inteira, de partes dela ou de extratos vegetais, para fins terapêuticos. Plantas formaram a base da medicina tradicional e muitas delas deram origem a medicamentos e tratamentos utilizados até hoje1. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% da população do planeta faz uso de plantas medicinais, seja de forma esporádica, frequente, complementar ou mesmo como a única fonte de recursos medicamentosos2.
Uma planta é considerada medicinal quando pelo menos uma de suas partes (raiz, caule, folha, flor, fruto ou semente) produz e/ou armazena substâncias com atividade farmacológica3. Essa planta, ou a parte específica dela, pode então ser processada industrialmente de diversas formas (utilizando, por exemplo, diferentes métodos de secagem e extração) para a obtenção do produto final medicamentoso. A droga vegetal ou o derivado de droga (extrato) produzido, sem a adição de substâncias, sejam elas naturais ou sintéticas, são considerados fitoterápicos4. A indústria de fitoterápicos movimenta bilhões de dólares por ano, e grande parte das novas entidades químicas descobertas são de origem natural1. Entre 1940 e 2010, quase metade dos princípios ativos (i.e. por exemplo, substâncias que apresentam efeitos farmacológicos) desenvolvidos para o tratamento do câncer vieram de produtos naturais ou seus derivados5. Por conta da complexidade de seus componentes e da grande diversidade biológica e química ainda pouco explorada, as plantas representam as fontes mais promissoras para o desenvolvimento de novos medicamentos6.
O valor farmacêutico das plantas, assim como o valor como aditivos alimentares, saborizadores e reagentes bioquímicos de relevância industrial, se dá graças à sua capacidade de sintetizar moléculas orgânicas especiais7. Para a manutenção de suas funções biológicas e ecológicas, as plantas produzem uma diversidade de metabólitos derivados de diferentes rotas biossintéticas, que constituem os chamados metabolismo primário e secundário ou especial. São conhecidos como metabólitos primários aqueles associados ao funcionamento de todas as plantas, incluindo carboidratos, proteínas, lipídeos e ácidos nucléicos. Já os metabólitos secundários ou especiais são substâncias de diferentes naturezas químicas, cuja função principal é de defesa da planta contra herbívoros, patógenos e fatores ambientais, embora também estejam envolvidos em processos fisiológicos e de sinalização celular8, 9, 10 (FIGURA 1). Apesar de terem surgido evolutivamente como mecanismo de defesa das plantas11, esses metabólitos são a base para os efeitos clínicos em seres humanos, podendo interagir com nosso organismo de forma negativa — conferindo à planta determinado nível de toxicidade — ou positiva — conferindo às plantas propriedades medicinais12.
Diferentes espécies de plantas apresentam padrões específicos de produção e acúmulo de metabólitos secundários, que variam de acordo com a parte da planta, com as condições ambientais (temperatura, disponibilidade de água, luz solar, presença de ameaças químicas ou biológicas) e com a idade e fenologia da planta8, 9, 13, 14, 15, 16. A composição, concentração e o método utilizado para extrair as substâncias presentes numa planta medicinal são determinantes para a obtenção do efeito terapêutico desejado (FIGURA 2).
Portanto, é muito importante que tanto os usuários quanto os profissionais de saúde entendam os benefícios e os riscos envolvidos no uso de plantas medicinais e fitoterápicos17. Existe uma tendência a acreditar que alternativas naturais aos medicamentos sintéticos são seguras e livres de toxicidade e efeitos colaterais, mas é importante ressaltar que plantas medicinais também podem ser tóxicas. A toxicidade de uma planta pode variar de acordo com a dosagem, a sensibilidade do indivíduo (que também pode ser influenciada por fatores temporários como a gestação) e a interação com outras substâncias medicamentosas18. Além disso, o uso de espécies identificadas erroneamente, a preparação inadequada ou de partes erradas da planta, pode não ter efeito medicinal, ou pior, pode ser tóxico e até agravar o quadro clínico a ser tratado.
Para garantir que as plantas medicinais sejam utilizadas de forma segura, são indispensáveis:
- A identificação correta da planta — seja por um botânico especialista ou por um detentor de conhecimento tradicional;
- A utilização da parte correta da planta (aquela que de fato armazena as substâncias bioativas);
- A adoção do método de preparação adequado;
- Conhecimento da posologia adequada (número de vezes e a quantidade de medicamento a ser utilizado). Em caso de dúvida, a consulta à profissional de saúde habilitado é indispensável.
Existem cerca de 350.000 espécies de plantas conhecidas no mundo19, sendo que apenas uma pequena fração teve sua composição química estudada. Muitas espécies ainda não foram descritas pelos taxonomistas e ameaças como desmatamento e mudanças climáticas, podem fazer com que elas desapareçam antes que possamos conhecê-las. Dada a imensa diversidade de espécies vegetais e de substâncias produzidas por elas, nossa capacidade de explorar o poder terapêutico das plantas depende da integração de diferentes áreas do conhecimento, como a botânica, a química e a farmacologia. Nesse cenário, a etnobotânica — ciência que estuda a relação entre os seres humanos e as plantas e o modo como essas plantas são usadas20 — e a biologia da conservação são essenciais, tanto no direcionamento das pesquisas e na valorização dos conhecimentos tradicionais quanto para assegurar a preservação das espécies e suas substâncias com potencial terapêutico21. A retomada de antigos saberes de culturas passadas e a incorporação de novas práticas nos usos de plantas têm alavancado a disciplina de etnobotânica, abrindo caminhos para um aumento na eficiência tanto na bioprospecção quanto na conservação de ecossistemas22.
Referências
- 1 SEN, T. & SAMANTA, S. K., Advances in Biochemical Engineering/Biotechnology, Springer Berlin, Heidelberg, 147, 59–110. 2014.
- 2 AKERELE, O., Nature’s medicinal bounty: don’t throw it away, World health forum, 14, 4, 390-395. 1993.
- 3 WHO, Programme on Traditional Medicine. Regulatory situation of herbal medicines: a worldwide review, World Health Organization, 1998.
- 4 BRASIL. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RDC, 26/2014.
- 5 NEWMAN, D. J.& CRAGG, G. M., Natural Products as Sources of New Drugs from 1981 to 2014, Journal of Natural Products, 79, 3, 629–61, 2016.
- 6 MA, X. et al., Bioinformatics-Assisted, Integrated Omics Studies on Medicinal Plants, Briefings in Bioinformatics, 21, 6, 1857–74. 2020.
- 7 WAWROSCH, C. & ZOTCHEV, S. B., Production of Bioactive Plant Secondary Metabolites through in Vitro Technologies—Status and Outlook, Applied Microbiology and Biotechnology, 105, 18, 6649–68. 2021.
- 8 ERB, M. & KLIEBENSTEIN, D. J., Plant Secondary Metabolites as Defenses, Regulators, and Primary Metabolites: The Blurred Functional Trichotomy, Plant Physiology, 184, 1, 39–52. 2020.
- 9 DIVEKAR, P. A. et al., Plant Secondary Metabolites as Defense Tools against Herbivores for Sustainable Crop Protection, International Journal of Molecular Sciences, 23, 5, 2690. 2022.
- 10 ZAYNAB, M. et al., Role of Secondary Metabolites in Plant Defense against Pathogens, Microbial Pathogenesis, 124, 198–202. 2018.
- 11 WINK, M., Evolution of Secondary Metabolites from an Ecological and Molecular Phylogenetic Perspective, Phytochemistry, 64, 1, 3–19. 2003.
- 12 VEIGA JUNIOR, V. F. et al., Plantas medicinais: cura segura?, Química Nova, 28, 3, 519–528. 2005.
- 13 AKULA, R. & RAVISHANKAR, G. A., Influence of Abiotic Stress Signals on Secondary Metabolites in Plants, Plant Signaling & Behavior, 6, 11, 1720–1731. 2011.
- 14 LI, Y. et al., The Effect of Developmental and Environmental Factors on Secondary Metabolites in Medicinal Plants, Plant Physiology and Biochemistry, 148, 80–89. 2020.
- 15 POPOVI, Z. et al., Variability of Six Secondary Metabolites in Plant Parts and Developmental Stages in Natural Populations of Rare Gentiana Pneumonanthe, Plant Biosystems, 155, 4, 816–822. 2021.
- 16 GOBBO-NETO, L., & LOPES, N. P., Plantas medicinais: fatores de influência no conteúdo de metabólitos secundários, Química Nova, 30, 2, 374–381. 2007.
- 17 PEDROSO, R. S. et al., Plantas medicinais: uma abordagem sobre o uso seguro e racional, Physis: Revista de Saúde Coletiva, 31, 2, e310218. 2021.
- 18 CAMPOS, S. C. et al., Toxicidade de espécies vegetais, Revista Brasileira De Plantas Medicinais, 18, 1, 373–382. 2016.
- 19 GOVAERTS, R. et al., The World Checklist of Vascular Plants, a continuously updated resource for exploring global plant diversity, Sci Data, 8, 215. 2021.
- 20 ROCHA, J. A. et al., Etnobotânica: um instrumento para valorização e identificação de potenciais de proteção do conhecimento tradicional, Interações (Campo Grande), 16, 1, 67–74. 2015.
- 21 GURIB-FAKIM, A., Medicinal Plants: Traditions of Yesterday and Drugs of Tomorrow, Molecular Aspects of Medicine, 27, 1, 1–93. 2006.
- 22 BUENZ, E. J. et al., The Ethnopharmacologic Contribution to Bioprospecting Natural Products, Annual Review of Pharmacology and Toxicology, 58, 509–530. 2018.
- 23 EL MIHYAOUI, A. et al., Chamomile (Matricaria chamomilla L.): A Review of Ethnomedicinal Use, Phytochemistry and Pharmacological Uses. Life, 12, 479. 2022.
- 24 ALASBAHI, R. H., & MELZIG, M. F., Plectranthus barbatus: a review of phytochemistry, ethnobotanical uses and pharmacology - Part 1, Planta Med., 76, 7, 653–661. 2010.
- 25 SHARA, M., & STOHS, S. J., Efficacy and Safety of White Willow Bark (Salix alba) Extracts, Phytother Res., 29, 8, 1112–1116. 2015.
- 26 PATOKA, J., & JAKL, J., XXX, J Appl Biomed, 8, 1, 11–18. 2010.
- 27 BRASIL, Formulário de fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa. 2011.
Este artigo já foi visualizado 246 vezes.