Madeiras históricas
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- PPGSMA/ PPGPCS/ U. Região de Joinville
Referência Melo-Júnior, J. C. F., (2024) Madeiras históricas, Rev. Ciência Elem., V12(4):038
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.038
Palavras-chave
Resumo
Madeiras históricas, também conhecidas como madeiras de uso cultural, são o lenho (xilema secundário) obtido de árvores em ecossistemas florestais e transformados em matéria prima para a manufatura de artefatos culturais por diferentes sociedades humanas ao longo do tempo histórico. Sua investigação nos permite conhecer aspectos da vida cotidiana, heranças culturais, saberes- fazeres e formas de uso e conservação da biodiversidade.
A vida das diferentes sociedades humanas sempre esteve ligada, de alguma forma, às árvores. As relações estabelecidas entres as pessoas e o ambiente florestal derivam de interações temporalmente longínquas, cujos saberes sobre a biodiversidade são transmitidos, muitas vezes, ao longo de muitas gerações7. Qualquer que seja a cultura humana reportada, a madeira representa o recurso natural mais utilizado9, sendo assim considerada a matéria prima renovável mais importante em todo o mundo3. Os diversificados usos atribuídos à madeira podem ser categorizados em: adornos e indumentárias, artesanias, corantes e pigmentos, objetos rituais e estatuária, objetos de recreação, instrumentos musicais, combustível, armas, estruturas, abrigos e edificações, mobiliário, maquinários e ferramentas, meios de transporte e utensílios domésticos8 (FIGURA 1). Cada categoria de uso reúne um elevado número de espécies de madeira, as quais possuem atributos anatômicos, físicos, químicos e mecânicos diretamente relacionados ao emprego dado à madeira.
Apesar da sociedade contemporânea se utilizar da madeira para produzir tantos objetos usados no dia-a-dia das pessoas, os artefatos produzidos por meio do uso cultural da madeira diferem de outras estruturas existentes por agregar valor histórico e patrimonial1, tornando-se ícones que ganham signficado cultural e identitário das sociedades humanas.
O conhecimento humano sobre as espécies de madeira abarca uma dimensão imaterial (saberes- fazeres) e difere em cada sociedade que a manipula. Pode estar associado a aspectos de ordem simbólica, tecnológica ou até mesmo ser mediada pela abundância da árvore nos seus locais de ocorrência natural. Percebe-se também, em algumas sociedades, a fusão de saberes oriundos de distintas culturas, somando conhecimentos ancestrais tradicionais aos saberes produzidos em comunidades rurais e cidades antigas inauguradas ao longo do desenvolvimento das sociedades históricas em todo o globo.
Estudos sobre madeiras históricas são uma tradição no velho continente e demonstram claramente a importância de certas espécies arbóreas, como o abeto (Abies alba – Pinaceae), o carvalho (Quercus spp. – Fagaceae, o castanheiro (Castanea sativa – Fagaceae), o espruce (Picea abies – Pinaceae) e o pinheiro (Pinus spp. – Pinaceae)2, 5, 10. No Brasil, ainda representa um campo de investigação incipiente apesar do país possuir grande parcela do seu patrimônio histórico constituído em madeira.
Os estudos mais antigos datam da década de 199011, mas somente nos últimos 15 anos têm ganhado maior visibilidade. Dada a megadiversidade de espécie provedoras de madeira nas florestas tropicais, tem-se identificado uma grande variedade de espécies com uso cultural do lenho, com destaque ao angelim (Andira sp. – Fabaceae), à canela (Ocotea spp. – Lauraceae), ao cedro (Cedrela sp. – Meliaceae), ao ipê (Handroanthus sp. – Bignoniaceae), ao jequitibá (Carinana sp. – Lecythidaceae), à peroba (Aspidosperma sp. – Apocynaceae) e ao pinho (Araucaria angustifolia – Araucariaceae)4, 6, 9, 12.
Os estudos sobre as madeiras de uso cultural desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade, uma vez que ao se olhar para um artefato em madeira está se olhando também para a floresta e o aproveitamento histórico de certas espécies ao longo da história. Essa relação, mediada pela ferramenta da anatomia da madeira capaz de identificar as espécies, também se manifesta em outras dimensões, como: i) patrimonial – baseada no registro de heranças, na compreensão de saberes-fazeres que conectam passado e presente cultural, no desenvolvimento de técnicas de conservação e restaturo do patrimônio que garantam seu acesso às futuras gerações; ii) tecnológica – pautada nas características e propriedades da madeira que permitem entender a evolução do uso da madeira, estilos e tipologias adotadas pelos antigos mestres artesãoes até a atualidade; iii) ambiental – capaz de reconstruir paisagens e cenários climáticos do passado com base nos atributos da madeira que marcam eventos naturais; e iv) conservacionista – interessada em relacionar o uso das madeiras ao atual status de conservação biológica das espécies de árvores provedoras de matéria prima e das formas de manejo das florestas, gerando informações úteis à manutenção da biodiversidade13, 14.
Diante do exposto, acredita-se que a ampliação dos conhecimentos científicos acerca das madeiras históricas pode colaborar com a preservação de importantes traços que caracterizam a humanidade por meio da sua expressão cultural, heranças e tradições, mas, principalmente, com a conservação da diversidade de árvores e ecossistemas florestais dos quais a espécie humana prosperou.
Referências
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