Microorganismos extremófilos na exploração espacial
De habitats sustentáveis, à procura de vida extraterrestre
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Referência Cortesão, M., Figueiredo, I., Mota, A., (2025) Microorganismos extremófilos na exploração espacial, Rev. Ciência Elem., V13(1):006
DOI http://doi.org/10.24927/rce2025.006
Palavras-chave
Resumo
Desde a chegada dos humanos à Lua, que a área científica da Astrobiologia tem crescido de mãos dadas com a exploração espacial, tanto robótica quanto humana, não só para estabelecer os limites da vida como a conhecemos, mas também para avaliar o potencial de habitabilidade de outros corpos planetários. Cientistas na área da Microbiologia do Espaço exploram soluções para ambos os desafios, através do estudo de microrganismos extremófilos, isto é, organismos que vivem em ambientes extremos. Por um lado, os extremófilos possuem mecanismos celulares e moleculares complexos e eficazes, que são cruciais para estabelecer os limites da vida (como a conhecemos) e informar sobre se a vida poderia, ou não, existir em mundos além da Terra. Por outro lado, é através da utilização de microrganismos extremófilos que se desenvolvem novas biotecnologias sustentáveis, tanto em habitats espaciais como terrestres. Neste artigo, enfatizamos o papel dos microrganismos para combater os dois principais desafios da nova era da exploração espacial: i) na criação de sistemas bioregenerativos de suporte à vida e a obtenção sustentável de recursos in situ; 2) e na procura de exoplanetas habitáveis e a possível deteção de vida extraterrestre.
Astrobiologia e Microbiologia do Espaço.
Uma das questões mais antigas da humanidade “estamos sozinhos no Universo?”, tem tentado ser respondida pela exploração espacial. Começámos por desenvolver telescópios na Terra, e enviar sondas pelo espaço fora, até que, na década de 1960, enviámos humanos numa viagem inédita à Lua. Com a capacidade de ter seres vivos no espaço, surgiu a necessidade de entender como a vida se adaptava ao espaço. Foi nessa altura que foi criada a área científica altamente interdisciplinar que hoje é conhecida como Astrobiologia — que estuda a origem, a evolução e a distribuição da vida no Universo.
A Astrobiologia tem crescido de mãos dadas com a exploração espacial, tanto robótica quanto humana, para entender os limites da vida tal como a conhecemos e avaliar o potencial de habitabilidade de outros corpos planetários. Há 25 anos conseguimos estabelecer uma presença humana permanente no espaço através da Estação Espacial Internacional (EEI ou ISS em inglês). Agora, estamos cada vez mais próximos de entrar numa nova era da exploração espacial, com missões de longa duração à Lua e a Marte. Missões entusiasmantes, como o Programa Artemis1 (liderado pela NASA e pela ESA) com o objetivo de estabelecer uma base na Lua, e as perspetivas para 2040 de levar humanos a Marte2, representam um passo fundamental neste caminho.
Simultaneamente, os avanços em astrofísica conseguiram identificar cerca de 6000 exoplanetas — ou seja, planetas que orbitam uma estrela fora do sistema solar. Tantos exoplanetas expandem significativamente o número de mundos potencialmente habitáveis, para além da Terra. Na próxima década, o telescópio espacial mais poderoso para o estudo de exoplanetas — o James Webb Space Telescope (JWST) — proporcionará um grande salto na caracterização dos ambientes desses mesmos exoplanetas.
À medida que a exploração espacial progride com o objetivo de ter humanos a viver na Lua (e, mais tarde, em Marte), e à medida que os desenvolvimentos em astrofísica permitem a rápida identificação de novos mundos além do nosso sistema solar, a exploração espacial entra numa nova era. Esta nova era da exploração espacial tem dois principais desafios: i) como determinar o potencial de habitabilidade dos planetas fora do nosso sistema solar? e ii) como garantir que os habitats humanos na Lua sejam autossustentáveis e independentes de recursos da Terra?
Na área de investigação da Microbiologia do Espaço — uma subdisciplina da Astrobiologia — os cientistas exploram soluções para ambos os desafios, através do estudo de microrganismos extremófilos, isto é, organismos que vivem em ambientes extremos (FIGURA 1). Existem microrganismos extremófilos em vários domínios da vida, desde arqueas, bactérias, fungos, líquenes e até animais microscópicos. Por um lado, os extremófilos possuem mecanismos celulares e moleculares complexos e eficazes, que são cruciais para estabelecer os limites da vida (como a conhecemos). Ao estudar a capacidade dos diversos extremófilos de sobreviver, crescer e reproduzir-se em ambientes que desafiam as barreiras tanto físico- -químicas como bioquímicas, fornecem informação valiosa sobre se a vida terrestre poderia, ou não, existir em mundos além da Terra. Por outro lado, é através da utilização de microrganismos extremófilos que se desenvolvem novas biotecnologias sustentáveis, tanto em habitats espaciais como terrestres.

Exploração espacial humana: usar microrganismos para habitats sustentáveis.
A Estação Espacial Internacional está equipada com sistemas de suporte de vida para os astronautas, onde é possível reciclar água e oxigénio a partir dos seus resíduos, por exemplo. Contudo, os astronautas a bordo dependem ainda de missões de reabastecimento a partir da Terra para obter uma ampla variedade de recursos, como alimentos, materiais para a estação, fármacos e equipamentos para experiências científicas. Para além disso, o transporte destes recursos envolve custos elevados, ultrapassando frequentemente os 10.000 euros por quilograma3. Assim, é essencial desenvolver sistemas de suporte à vida mais sustentáveis e económicos, que não dependam destes reabastecimentos constantes ou de quaisquer outros recursos da Terra, que permitiriam não só aumentar a autonomia da EEI como também contribuir para o sucesso das futuras missões espaciais tripuladas de longa duração à Lua e a Marte.
Uma solução promissora são os Sistemas de Suporte de Vida Bioregenerativos (BLSS), que têm como principal objetivo reduzir ao máximo a necessidade de recursos externos. Estes sistemas consistem num ecossistema fechado e artificial que tenta mimetizar os ecossistemas naturais da Terra, através da integração de produtores (plantas), consumidores (seres humanos e animais) e decompositores (microrganismos) que interagem entre si com base em princípios ecológicos4. O seu desenvolvimento combina as áreas da biotecnologia e da engenharia, e serão fundamentais para superar os desafios das missões espaciais de longa duração, permitindo reciclar e regenerar componentes essenciais à sobrevivência dos astronautas (oxigénio, água e comida)4.
A Agência Espacial Europeia (ESA) por exemplo, está a desenvolver um projeto cujo principal objetivo é criar um sistema ‘’closed-loop’’ bioregenerativo para reciclar de forma eficiente resíduos sólidos, líquidos e gasosos durante estas missões de longa duração — o projeto MELiSSA (Micro-Ecological Life-Support System Alternative)5. Neste sistema, os astronautas assumem o papel de consumidores finais, os microrganismos funcionam como ‘’agentes de reciclagem’’, e as plantas e cianobactérias desempenham o papel crucial de produtores, todos de forma circular o que facilita a autossustentabilidade do sistema (FIGURA 2).
Estima-se que, para manter a sua saúde, cada astronauta requer cerca de 1,83 kg de comida e 2,50 kg de água por dia. Considerando que nas futuras missões à Lua e a Marte serão enviadas equipas de astronautas, transportar toda esta quantidade de recursos a partir da Terra iria exigir uma grande quantidade de carga para a nave, o que não seria viável e tornaria estas missões bastante dependentes do reabastecimento de bens essenciais a partir da Terra. Assim, mesmo que estes sistemas de suporte de vida bioregenerativos sejam criados aqui na Terra, não seria eficaz transportar todos os recursos necessários para o seu funcionamento a distâncias tão longas. Uma possível solução para este problema envolve a exploração dos recursos In Situ (IRSU). Esta abordagem consiste na utilização dos recursos ‘’locais’’ que encontraremos na Lua e em Marte, como o rególito (solo) da Lua ou a atmosfera de Marte, para produzir os bens essenciais que os astronautas necessitam para a sua sobrevivência. Desta forma, estaremos a contribuir para a redução das constrições de peso e de espaço que estas missões de longa duração impõem.
Atualmente vários grupos de investigação estudam o papel dos microrganismos tanto nos sistemas bioregenerativos de suporte à vida como na obtenção sustentável de recursos in situ. Na Terra, microrganismos como os fungos filamentosos (mais conhecido como bolor) são peças-chave na bioeconomia circular6. Os fungos, como por exemplo do género Aspergillus e Penicillium, são usados na biotecnologia moderna para a produção de uma vasta gama de compostos de alto valor, como enzimas, antibióticos e conservantes alimentares7. Estes fungos são também capazes de biominerar cobre e ferro, assim como extrair metais valiosos de componentes eletrónicos8. Assim, uma das áreas de estudo da Microbiologia do Espaço tenta responder a duas perguntas: Como podemos transferir os processos eficazes de biotecnologia da Terra para o espaço? E como podemos utilizar os fungos para reciclar recursos em habitats espaciais?

Microorganismos na procura de vida extraterrestre: sistema solar e exoplanetas.
Na procura de vida fora da Terra, os cientistas concentram-se essencialmente em dois grandes domínios: o sistema solar e os planetas em órbita de outras estrelas, chamados exoplanetas. Tradicionalmente, a procura de vida centra-se na identificação de exoplanetas situados na chamada “zona habitável” da estrela, ou seja, a distância de um planeta à sua estrela que, supostamente, pode permitir que exista água líquida à superfície9. No entanto, a definição de zona habitável baseia-se somente na Terra — afinal, sabemos que, cá, onde há água, há (quase) sempre vida. No entanto, descobertas feitas ao longo das últimas décadas vieram revelar o caráter simplista desta definição como uma regra rígida para a definição de um local habitável.
Atualmente, sabemos que a definição de habitabilidade envolve uma abordagem interdisciplinar, combinando conceitos da biologia, astronomia, química, entre outras áreas da astrobiologia. Mesmo cá na Terra, têm-se vindo a descobrir cada vez mais microrganismos extremófilos, que desafiam os limites da vida como a conhecemos. Desde cavernas profundas ao topo da atmosfera, há microorganismos adaptados para crescer confortavelmente em zonas vulcânicas, lagos ácidos, desertos áridos, e permafrost que não descongela há milhões de anos, entre muitos outros10. Portanto, se todos estes locais são habitáveis na Terra… então e os outros ambientes lá fora, no espaço?
Comecemos pelo nosso “quintal” — os corpos do sistema solar. Várias missões e sondas espaciais recentes têm proporcionado descobertas fascinantes, como a presença de vastos oceanos de água líquida debaixo das superfícies de várias luas de Júpiter e Saturno11. Em alguns casos, como os de Europa (lua de Júpiter) e Encélado (lua de Saturno), foram até identificadas moléculas orgânicas complexas às suas superfícies. Também em Titã, uma outra lua de Saturno, sabemos que existe uma atmosfera rica em moléculas precursoras da vida, bem como ciclos atmosféricos e geológicos complexos e semelhantes aos da Terra, apesar da temperatura muito menor. Naturalmente, estes corpos situam-se muito fora da tradicional “zona habitável”, e mostram que os ambientes potencialmente habitáveis são mais comuns do que se imaginava. Além disso, missões como Perseverance em Marte procuram diretamente bioassinaturas, isto é, sinais químicos e físicos de que a vida possa ter existido no passado do planeta vermelho, ou possa até persistir na forma de extremófilos.
Saindo do sistema solar, tentamos também procurar sinais de habitabilidade em exoplanetas usando telescópios. Em particular, o telescópio espacial James Webb (JWST) tem revolucionado a investigação ao permitir a caracterização detalhada das atmosferas planetárias. Recentes deteções de compostos como vapor de água e dióxido de carbono nas atmosferas de exoplanetas próximos representam um avanço crucial na compreensão das suas condições de habitabilidade. Estes dados são fundamentais para avaliar a composição atmosférica e o potencial para suportar ambientes habitáveis nestes planetas.
Para ultrapassar as limitações atuais e avançar significativamente na procura de vida extraterrestre, é fundamental a integração de diferentes disciplinas e tecnologias emergentes. O futuro da exploração espacial e da astrobiologia requerem projetos internacionais e interdisciplinares que consigam fazer a ponte entre a microbiologia e a astrofísica, integrando o conhecimento da biodiversidade e os limites da vida na Terra na definição de parâmetros de habitabilidade universais, e na identificação de possíveis bioassinaturas para a deteção de vida noutros planetas. O uso de inteligência artificial vai também ter um papel importante, especialmente na análise de dados astronómicos e nos modelos preditivos de habitabilidade.
Através da Astrobiologia, uma área científica interdisciplinar, vibrante e inovadora, podemos aproximar-nos da resposta a uma das maiores perguntas da humanidade: Estaremos sozinhos no Universo?
Referências
- 1 CREECH, S. et al., Artemis: An Overview of NASA’s Activities to Return Humans to the Moon. 2022.
- 2 European Space Agency (2024), Explore 2024.
- 3 VERBEELEN, T. et al., Development of Nitrogen Recycling Strategies for Bioregenerative Life Support Systems in Space, Frontiers in Microbiology, 12. Frontiers Media S.A. 2021.
- 4 LIU, H. et al., Review of research into bioregenerative life support system(s) which can support humans living in space, Life Sciences in Space Research, 31, 113–120. 2021.
- 5 WALKER, J. & GRANJOU, C., MELiSSA the minimal biosphere: human life, waste andrefuge in deep space, Futures, 92, 59–69. 2017.
- 6 MEYER, V. et al., Growing a circular economy withfungal biotechnology: a white paper, Fungal Biol Biotechnol, 7, 5. 2020.
- 7 CAIRNS, T. C. et al., Turning Inside Out:Filamentous Fungal Secretion and Its Applications in Biotechnology, Agriculture, andthe Clinic. J. Fungi, 7, 535. 2021.
- 8 SANTOMARTINO, R. et al., The smallest space miners: principlesof space biomining, Extremophiles, 26, 7 1–19. 2022.
- 9 KASTING, J. et al., Habitable zones around main sequence stars, Icarus, 101.1, 108-128. doi:10.1006/icar.1993.1010. 1993.
- 10 HARRISON, J. P. et al., The limits for life under multiple extremes, Trends in microbiology, 21(4), 204-212. doi:10.1016/j.tim.2013.01.006. 2013.
- 11 COCKELL, C. S. et al., Habitability: a review, Astrobiology, 16(1), 89-117. doi:10.1089/ast.2015.1295. 2016.
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