Compramos livros por vários motivos: porque já conhecemos o autor, o tema nos interessa ou temos um amigo de quem gostamos e compramos milhares de exemplares para lhe encher o ego e ajudá-lo nas agruras da vida. Pessoalmente, também compro livros pelas capas e pelos títulos. Foi o que aconteceu com o livro do médico psiquiatra Júlio Machado Vaz, a quem roubei o título – Outonecer – para este texto. O título é fascinante. E o conteúdo também.

Quando este número da revista chegar aos leitores, estaremos em pleno outono, uma estação meio melancólica, perdida entre o verão e o Natal. Para os humanos, outonecer não é fácil, metafórica e literalmente. O outono parece só trazer aborrecimentos: acabam-se as férias, começam os sarilhos com a escola, os dias encolhem, com azar apanha-se mais uma gripe e o frio, vindo no Norte, começa a chegar – primeiro um pouco disfarçado pelo sol e, mais tarde, já pouco discreto, tolhe-nos os movimentos e empurra-nos para a lareira. Metaforicamente, outonecer é, sem dúvida, pior.

Mas, mesmo no outono, um pouco indiferente às idiossincrasias humanas, a natureza segue o seu caminho. É certo que as variações no clima a que vamos assistindo quase nos fazem acreditar que as meias-estações já não existem. No entanto, os sinais estão aí, e nada melhor do que as folhas para nos mostrar o que se avizinha. Primeiro, adquirem um tom verde-amarelado, sinal de que a clorofila começa a desaparecer; depois ganham tons laranja e vermelho, devido à predominância dos carotenoides e à síntese de antocianinas; e, finalmente, um castanho mais ou menos intenso, que anuncia a abscisão foliar. Em algumas zonas do globo, estas modificações na paisagem são tão intensas que motivam a deslocação de um grande número de pessoas, como acontece na costa noroeste dos Estados Unidos da América e no Canadá, onde os bordos (Acer) predominam, e em algumas zonas do Japão, onde as ginkgos e os bordos fazem as delícias dos viajantes e das populações locais. Também em Portugal, em zonas onde as espécies folhosas autóctones predominam e em muitos parques e jardins, é possível maravilharmo-nos com estas alterações outonais. A capa desta edição da revista mostra a beleza de uma ginkgo coberta pelas suas folhas douradas.

Nos climas temperados, o outono é também a época dos frutos. Nas plantas que florescem na primavera e no início do Verão, chamadas plantas de dia-longo (ou de noite-curta), os frutos amadurecem normalmente no outono. É o que acontece com as castanhas, as laranjas e as nozes, só para citar alguns exemplos. Quando o período de luz diário (fotoperíodo) se reduz, as plantas evitam florir, impedindo que as flores sejam danificadas pelas baixas temperaturas e, possivelmente, evitando que o menor número de insetos disponíveis comprometa o sucesso da polinização. No entanto, há exceções. O medronheiro floresce no outono, quando o fotoperíodo é mais reduzido, sendo por isso designado como uma planta de dia-curto (ou de noite- -longa). Outras plantas, como as magnólias e as espécies do género Prunus (amendoeiras, cerejeiras, ginjeiras...), necessitam de um período de frio (vernalização) que estimule a floração.

E falta o vinho, claro. Embora cada vez se realizem mais cedo, as vindimas são, nos países com uma forte tradição vinícola, a fronteira entre o verão, em que chega o pintor (veraison – estas coisas ficam sempre mais bonitas em francês), e o outono, em que Dionísio e Baco fazem o seu trabalho: pelo São Martinho, prova o teu vinho.

Em mais um número da Revista de Ciência Elementar, fazemos uma viagem à Patagónia, onde o outono chega mais cedo; falamos de vinho e plantas (medronheiros incluídos), de bactérias e antibióticos; abordamos problemas ambientais, mostramos como a matemática pode simplificar a química e desvendamos a computação quântica.

Termino com um soneto de Florbela Espanca, apropriadamente chamado...Outonal.


Caem as folhas mortas sobre o lago;

Na penumbra outonal, não sei quem tece

As rendas do silêncio... Olha, anoitece!

– Brumas longínquas do País do Vago...


Veludos a ondear... Mistério mago...

Encantamento... A hora que não esquece,

A luz que a pouco e pouco desfalece,

Que lança em mim a bênção dum afago...


Outono dos crepúsculos doirados,

De púrpuras, damascos e brocados!

– Vestes a terra inteira de esplendor!


Outono das tardinhas silenciosas,

Das magníficas noites voluptuosas

Em que eu soluço a delirar de amor...


Outoneçamos, então.