A uva, o vinho e a saúde
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- * DQB/ FC/ U. Porto
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Referência Borges, F., Sequeira, L., (2025) A uva, o vinho e a saúde, Rev. Ciência Elem., V13(3):024
DOI http://doi.org/10.24927/rce2025.024
Palavras-chave
Resumo
O vinho faz parte da cultura humana há mais de 6000 anos. O deus romano Baco, retratado por Miguel Ângelo, com cabelos encaracolados sob a forma de cachos de uva e o deus grego Dionisio com os seus festivais de bebedeira e orgia foram amplamente referidos ao longo da história. O vinho está omnipresente nas festas, nos provérbios, nas lendas e superstições. Ao longo da história o vinho tornou-se tão nobre que até faz parte do mais místico ritual das igrejas cristãs.
Razões de ordem histórica relacionam o vinho com a saúde e a longevidade, uma relação dominante nos países mediterrâneos (Portugal, Espanha. França, Itália, Grécia). O vinho está integrado nos hábitos normais destes países quer pelo seu consumo nas refeições quer em celebrações. O vinho é assim sinónimo de alegria e com ele se brinda à saúde, ao amor e à felicidade.
A maioria dos consumidores bebe vinho pelo seu paladar complexo e agradável. Nesta última década o benefício do vinho para a Saúde tem sido alvo de diversos estudos os quais de um modo geral demonstraram que beber moderadamente pode ser uma mais-valia para a saúde1.
O interesse científico na uva e no vinho ganhou nova dimensão em 1989, após a divulgação da análise efetuada pela Organização Mundial da Saúde, a qual permitiu apurar que as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares em França eram muito menores que em outros países industrializados, como o Reino Unido e os Estados Unidos da América, embora o consumo de gorduras saturadas e os níveis de colesterol plasmático fossem similares2. A explicação para os dados observados foi estabelecida e relacionada com a dieta mediterrânea, rica em frutas, verduras e vinho. Este contexto é conhecido, nos domínios científicos, como o “Paradoxo Francês"2, 3 (FIGURA 1).
A investigação efetuada até à data atribuiu o papel chave ao alto teor de compostos naturais do tipo fenólico existentes no vinho, os quais são hoje fundamentalmente, reconhecidos pelas suas propriedades antioxidantes3, 4.
Compostos fenólicos da uva e do vinho e a Saúde.
Os compostos fenólicos, existentes na uva e no vinho, constituem um dos grupos de compostos naturais com maior incidência de estudos na área da Saúde5. Sabendo que em cada cálice de vinho há mais de 200 compostos fenólicos, ou seja, um cocktail de compostos fenólicos, não será de admirar que diferentes funções biológicas têm sido demonstradas e/ou propostas para este tipo de compostos das quais se salientam, devido ao extensivo estudo efetuado, a atividade em relação à proteção cardiovascular, à atividade anticancerígena e à atividade antimicrobiana4, 6.
Compostos fenólicos e as doenças cardiovasculares.
O consumo de vinho, e de outras bebidas alcoólicas, está atualmente associado a uma considerável redução no risco de doenças coronárias e outras doenças de foro cardiovascular. Existem atualmente evidências que permitem concluir que o consumo moderado de vinho reduz o risco de eventos cardiovasculares5. A ação biológica referida relaciona-se fundamentalmente numa proteção do organismo em relação a eventos cardiovasculares, nomeadamente em relação ao desenvolvimento de coágulos no sangue traduzindo-se no aumento das lipoproteínas de alta densidade (HDL) e numa diminuição das lipoproteínas de baixa densidade (LDL). A modificação oxidativa das LDL está também implicada na formação da placa de ateroma nas artérias, estando esta relacionada com o aumentando do risco de doenças cardiovasculares6.
O efeito protetor do vinho é parcialmente atribuído ao etanol, um dos componentes maioritário, mas principalmente à presença de compostos do tipo fenólico e propriedades antioxidantes associadas. Esta associação é mais relevante nos vinhos tintos devido ao seu teor em compostos fenólicos mais elevado, o qual inclui os flavonoides monoméricos, os ácidos fenólicos, os estilbenos (e.g. resveratrol), as procianidinas e taninos poliméricos, entre outros (FIGURA 1)4, 6. Os compostos fenólicos da dieta, devido às suas propriedades antioxidantes protegem a oxidação das LDL.
Compostos fenólicos e o cancro.
A atividade antioxidante dos compostos fenólicos está também relacionada com os processos que causam a carcinogénese. Entre os diversos fatores salienta-se os que estão relacionados com a presença de radicais livres e os danos do tipo oxidativo, que produzem alteração nas biomoléculas, nomeadamente nos lipídios, nas proteínas e nos ácidos nucleicos1.
A uva e os produtos a partir dela processados, como por exemplo o vinho, contêm diversos tipos de compostos fenólicos, como por exemplo os flavonoides, os ácidos cinâmicos e o resveratrol (FIGURA 1), cujas propriedades antioxidantes podem prevenir ou minimizar os danos oxidativos. A ação deste tipo de compostos na carcinogénese foi amplamente descrita na literatura1, 6.
Compostos fenólicos e as doenças infeciosas.
Aos compostos fenólicos existentes na uva e no vinho foram atribuídas diversas propriedades relevantes relacionadas com as doenças infeciosas. A atividade antibacteriana foi atribuída a derivados dos ácidos fenólicos e de flavonoides, a atividade antiviral a procianidinas e derivados de ácidos fenólicos e a atividade antifúngica a estilbenos (FIGURA 1) quer in situ na defesa ao ataque de patogénicos quer a nível farmacológico1.
Estudo efetuados relativos à relação Dieta-Saúde tem demonstrado que uma alimentação equilibrada pode ser a base para a prevenção da doença. Na verdade, as investigações efetuadas permitiram concluir que o vinho, como componente habitual da dieta pode contribuir para a prevenção de doenças do foro cardiovascular, como a arteriosclerose, a qual e uma das maiores causas de morte nas civilizações modernas. No entanto, será de realçar que esta temática é ainda hoje, alvo de controvérsia na comunidade científica.
Conclusão.
No entanto, o que se deve fazer? O conselho médico é que o consumo seja moderado…
E, para evitar o stress, nada melhor que uma roda de amigos, conviver e tomar uma boa taça de vinho…
Saúde! A clássica saudação que acompanha um brinde pode ser a mais pura expressão de verdade… Brinde à Saúde…
Referências
- 1 BULJETA, I. et al., Beneficial Effects of Red Wine Polyphenols on Human Health: Comprehensive Review, Current Issues in Molecular Biology, 45, 782-798. 2023.
- 2 BIAGI, M. & BERTELLI, A. A. E., Wine, alcohol and pills: What future for the French paradox?, Life Sciences, 131: p. 19-22. 2015.
- 3 FRAGOPOULOU, E. & ANTONOPOULOU, S., The French paradox three decades later: Role of inflammation and thrombosis, Clinica Chimica Acta, 510: p. 160-169. 2020.
- 4 GIOVINAZZO, G. & GRIECO, F., Functional Properties of Grape and Wine Polyphenols, Plant Foods for Human Nutrition, 70(4): p. 454- 462. 2015.
- 5 EL RAYESS, Y. et al., Wine Phenolic Compounds: Chemistry, Functionality and Health Benefits, Antioxidants, 13. 2024.
- 6 GARRIDO, J. & BORGES, F., Wine and grape polyphenols — A chemical perspective, Food Research International, 54(2): p. 1844-1858. 2013.
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