A poluição, nas suas diversas formas, é um problema ambiental que afeta ecossistemas terrestres e aquáticos em todo o mundo1. Entre os poluentes mais preocupantes da atualidade destacam- se os plásticos2. Estes apresentam características particulares como versatilidade, flexibilidade, resistência e baixo custo, o que leva a que sejam produzidos e utilizados diariamente em grandes quantidades em todo o mundo3. A produção em massa dos plásticos teve início em 1950, tendo sido produzidas mundialmente 1,5 milhões de toneladas nesse ano4. Porém, com o crescente aumento populacional e consequente procura por estes materiais, também a sua produção sofreu um crescimento exponencial, tendo-se atingido, em 2023, 413,8 milhões de toneladas de produção de plástico a nível mundial5. No entanto, esta crescente produção e utilização não foram acompanhadas de estratégias sustentáveis de reutilização e reciclagem. Estima-se que de todo o plástico produzido até hoje, apenas cerca de 9% tenha sido reciclado6. O restante plástico, uma vez descartado, tem vindo a acumular-se no ambiente, passando por diferentes processos de degradação (por exemplo, mecânica, química e/ou biológica)7. Destes processos de degradação e fragmentação resultam partículas plásticas cada vez mais pequenas, denominadas microplásticos, com tamanho entre 0,001 e 5 mm8 (FIGURA 1). Como a quantidade de plástico descartada no ambiente é muito superior à capacidade de eliminação, os resíduos plásticos, especialmente na forma de microplásticos, têm vindo a acumular-se, sobretudo nos ecossistemas aquáticos, produzindo um tipo de poluição irreversível9, 10.

Os microplásticos que resultam da fragmentação de plásticos de maiores dimensões podem ser classificados como secundários quanto à sua origem (FIGURA 1). No entanto, também existem microplásticos produzidos intencionalmente com tamanho entre 0,001 e 5 mm para fins comerciais, como os utilizados em abrasivos de produtos de limpeza, esfoliantes e pellets, sendo estes classificados como primários11. Os microplásticos podem ainda ser classificados com base na sua tipologia e cor (FIGURAS 1 e 2). Em relação à tipologia, esta refere-se ao formato das partículas que podem ser classificadas como fibras, fragmentos, filmes, pellets, espumas ou tintas (FIGURAS 1 e 2). Quanto à cor, os microplásticos podem ser de uma cor (por exemplo, preto, azul, vermelho, verde, branco, entre outras), transparentes ou multicoloridos12 (FIGURA 1).


FIGURA 1. Classificação de microplásticos conforme o tamanho, origem, tipologia, cor e tipo de polímero. (Adaptado de Rani-Borges et al.13).


FIGURA 2. Diversidade de microplásticos. A) Fragmento azul. B) Filme branco. C) Fibra azul. D) Fragmento de tinta vermelho. E) Pellet branca. F) Espuma branca, e diferentes formas de medição das partículas com software de análise de imagem.

Adicionalmente, conforme a sua composição química, as partículas podem corresponder a diferentes tipos de polímeros (FIGURAS 1 e 3). Atualmente, a técnica Attenuated Total Reflectance Fourier Transform Infrared Spectroscopy (ATR-FTIR) é uma das mais utilizadas para identificar o tipo de polímero em macro e microplásticos14, 15. Esta técnica consiste em direcionar radiação infravermelha através de um cristal com alto índice de refração, como o diamante, que está em contato direto com o plástico. Quando a luz infravermelha incide no cristal, gera uma onda evanescente que penetra na superfície do plástico, interagindo com as vibrações atómicas das moléculas e produz um espectro de absorção/transmitância15, 16 (FIGURA 3). Observando os polímeros, cada tipo possui um espectro único, o que permite a sua identificação por comparação de espectros17. No entanto, é preciso garantir que o cristal ATR cobre completamente o plástico a analisar, sendo importante considerar o tamanho das partículas de plástico para garantir a produção de um espectro sem interferências15. A identificação do tipo de polímero permite relacioná-lo com as suas possíveis fontes, uma vez que diferentes polímeros são utilizados para fabricar diferentes materiais (FIGURA 3). Além disso, o tipo de polímero influencia a densidade das partículas, o que pode afetar o seu destino e distribuição no ambiente (por exemplo, no meio aquático, influencia se ocorrerá deposição nos sedimentos ou se as partículas permanecerão suspensas na coluna de água)18.


FIGURA 3. Espectro ATR-FTIR de diferentes polímeros de plástico e exemplos de algumas aplicações.

Os microplásticos podem ser libertados para o ambiente através de diversas fontes, tanto terrestres como aquáticas, sendo que, na maioria dos casos acabam por acumular-se nos ecossistemas aquáticos (FIGURA 4). Entre as fontes terrestres, a indústria cosmética e a indústria de produtos de higiene destacam-se como setores que mais utilizam microplásticos (por exemplo, cremes, esfoliantes faciais e pastas de dentes). Também a indústria têxtil utiliza fibras sintéticas, como poliéster, nylon e acrílico, que são continuamente libertadas durante as lavagens do vestuário19, 20. Uma vez que as estações de tratamento de água residuais (ETARs) convencionais não conseguem reter na totalidade estes poluentes, uma percentagem de microplásticos acaba por ser descarregada juntamente com os efluentes nos ecoreceptores ambientais, nomeadamente em rios11, 21. Além disso, a limpeza de navios, realizada com abrasivos que contêm partículas plásticas, promove também a libertação de fragmentos de tinta, classificados também como partículas de microplásticos, especialmente em ecossistemas aquáticos de transição. O desgaste de pneus dos meios de transporte representa um exemplo de libertação de microplásticos no meio terrestre, que por escoamento superficial ou pelo vento acabam por ser observados também nos ecossistemas aquáticos22. Adicionalmente, a utilização de plásticos em algumas práticas agrícolas é também uma importante fonte de microplásticos no ambiente23. No que diz respeito às fontes aquáticas, atividades como a pesca comercial ou desportiva, a aquacultura, o transporte e turismo naval, além da indústria offshore, estão entre as principais responsáveis pela libertação de microplásticos para os ecossistemas aquáticos24. Destas atividades podem resultar diversos tipos de microplásticos através da libertação de fragmentos de tinta dos barcos, de fibras de redes de pesca, de partículas de esferovite de embalagens, de resíduos plásticos utilizados em embarcações, entre outros24, 25.


FIGURA 4. Diferentes fontes de microplásticos no meio terrestre e no meio aquático.

Uma vez nos ecossistemas, os microplásticos contribuem para a perda de qualidade dos mesmos e para a redução da biodiversidade26, 27. Devido ao reduzido tamanho, os microplásticos são facilmente confundidos com alimento e, ingeridos por invertebrados e peixes, induzindo falsa sensação de saciedade, respostas inflamatórias, obstrução intestinal, intoxicação por substâncias químicas, entre outros28. Mais ainda, estas partículas podem acumular-se ao longo da teia alimentar, atingindo níveis tróficos superiores, incluindo os seres humanos, representando assim um potencial perigo para a saúde humana29. Adicionalmente, as características físicas e químicas dos microplásticos (por exemplo, elevada razão entre área superficial e volume; superfície apolar) propiciam a adsorção de contaminantes na sua superfície30, 31. Aliado a isto, na superfície dos microplásticos, tendem a formar-se camadas de biofilmes compostos por microrganismos (bactérias e algas), que funcionam como um novo ecossistema – a plastisfera. Estas camadas também facilitam a adsorção de substâncias, potencializando ainda mais o papel dos microplásticos como vetores de contaminantes e de substâncias tóxicas para os organismos que os ingerem, ou para o ecossistema30, 32.

Assim, devido aos efeitos sobre a fauna e a flora e à elevada abundância em diversos ecossistemas, resultante da libertação contínua e da elevada resistência à degradação, os microplásticos são atualmente considerados poluentes emergentes33, 34. O interesse científico por estes poluentes tem sido exponencial, porém, este é um tópico ainda recente, e os seus impactes, sobretudo para a saúde humana, continuam sob investigação. Além disso, grande parte dos estudos existentes sobre microplásticos ainda se concentra em ambientes marinhos35, 36, embora a sua presença já tenha sido detetada em locais remotos (por exemplo, desertos, Oceano Ártico)9. É fundamental continuar a aprofundar o estudo dos microplásticos por meio de diversas abordagens, tais como a análise de amostras ambientais para quantificação e caracterização das partículas, a realização de estudos ecotoxicológicos para avaliar os efeitos sobre os organismos, entre outras. Compreender melhor estes fatores contribuirá para a implementação e o reforço de medidas de prevenção e mitigação deste tipo de poluição, incluindo a substituição por materiais biodegradáveis, a melhoria dos processos de tratamento de águas residuais e a regulamentação do uso de plásticos e microplásticos em inúmeros produtos.


Esta pesquisa foi financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (através do COMPETE2030 e do PT2030) através do projeto de investigação 2Qua (COMPETE2030-FEDER-00691700 n.º 015807), e pelo Programa Estratégico do CIIMAR (UIDB/04423/2020 e UIDP/04423/2020), UMIB (UIDB/00215/2020 e UIDP/00215/2020) e ITR (LA/P/0064/2020).