Realismo e localidade
Argumento EPR
📧
- U. Porto
Referência Tavares, J. N., (2025) Realismo e localidade, Rev. Ciência Elem., V13(4):044
DOI http://doi.org/10.24927/rce2025.044
Palavras-chave
Resumo
Neste curto artigo, vamos descrevero argumento de EPR sobre Realismo e Localidade, termos que serão definidos com detalhe no artigo.
No seu artigo inovador, Albert Einstein, Boris Podolsky, and Nathan Rosen, designados, pela sigla EPR1, formularam alguns postulados gerais a que qualquer teoria física deve satisfazer. Na Física Clássica, esses postulados são considerados como “verdades autoevidentes “. Negá-los equivale a desafiar o senso comum e a experiência do nosso quotidiano macroscópico.
O objetivo do artigo EPR foi o de demonstrar que a interpretação da mecânica quântica (MQ), formulada pela chamada Escola de Copenhaga (desenvolvida essencialmente por Niels Bohr e Werner Heisenberg, quando trabalharam juntos em Copenhaga em 1927), era incompleta, no sentido da ser incapaz de dar uma explicação satisfatória dos conceitos que consideravam como fundamentais em qualquer teoria física.
Este debate (inacabado!...) foi, e continua a ser, um dos debates mais ricos, profundos e interessantes da História da Ciência Contemporânea. O cerne do argumento de EPR, começou por ser o chamado “Princípio da Separabilidade. Vejamos o que significa.
Na mecânica clássica, dois (ou mais) sistemas que não interagem, isto é, que não exercem qualquer tipo de influência de um sobre o outro, estão completamente separados — experiências realizadas localmente num deles, não podem influenciar, de forma alguma, os resultados de experiências realizadas localmente no outro.
A mecânica quântica, por outro lado, admite que pode haver uma forma de interdependência ou correlação, mesmo na ausência de interação física. Esse tipo de correlação é o entrelaçamento quântico, que foi discutido num dos artigos desta revista.
Além disso, fazendo uso do princípio da separabilidade, EPR estabelece uma condição suficiente para a realidade dos observáveis, que pode ser formulada da seguinte forma:
Postulado da realidade física:
Se pudermos prever com certeza absoluta (probabilidade igual a 1), o valor de um dos atributos de um sistema, sem o perturbar seja de que maneira fôr, então existe um elemento da realidade física correspondente a esse valor, que é independentemente de qualquer medição. Cada elemento de realidade física deve ter uma contrapartida na teoria física.
O uso da palavra “realidade”, refere-se à possibilidade de definir os atributos físicos dos objetos quânticos, de forma objetiva, independentemente de qualquer medição. A visão “realista” diz que essa possibilidade é “real” — os objetos quânticos têm atributos bem definidos, independentemente de qualquer observação ou medição. Nas palavras de Einstein: “todos acreditamos que a lua existe, mesmo quando nenhum de nós a observa”. De facto, é difícil imaginar que a realidade de um objeto como a lua, depende de ser observada ou não!
Mas, como podemos concluir que um objeto é real “sem que ele sofra qualquer tipo de perturbação”, ou sem fazer qualquer tipo de medições? “Como sabemos que a lua existe quando não olhamos para ela?...”
Uma forma de estabelecer a “realidade física, cuja existência é independente de um observador “, é observar eventos com uma causa comum (eventos altamente correlacionados). Assim, a realidade da Lua pode ser estabelecida observando o ciclo das marés (a sua amplitude, periodicidade, etc.).
Este é um tema fascinante, que merece uma discussão profunda. É difícil não se ser realista, quando nos restringimos ao mundo macroscópico que observamos na nossa prática quotidiana. Mas no mundo quântico, tudo é mais difuso. Talvez o conceito de realidade tenha que ser reformulado quando nos referimos ao mundo quântico. Este é um problema que habitualmente é discutido no contexto da “medição quântica — um tema difícil que ainda hoje não reune consenso.
Vamos agora discutir um exemplo, que nos vai permitir a passar para o segundo princípio, que enunciaremos daqui a pouco.
Exemplo motivador.
Consideremos uma caixa com duas bolas exatamente iguais, exceto na Côr — uma é branca e outra é preta. Suponhamos que Alice e Bob, com os olhos vendados, pegam, cada um, numa bola e viajam em direções opostas, sempre com os olhos vendados, para galáxias tão distantes que não podem influenciar-se um ao outro, seja de que forma fôr.
A questão é a seguinte:
P1. Antes que Alice e Bob observem a Côr da respetiva bola, a Côr já tem uma existência física, real e objetiva? Por outras palavras (Realismo) — a Côr existe como realidade física objetiva, mesmo que ninguém a observe e saiba qual é?
P2. ou, pelo contrário, a Côr é uma propriedade que só existe quando é observada?
Suponhamos que Alice, quando chega à sua galáxia, desvenda os olhos e, finalmente, observa a sua bola e vê que ela é branca.
Que implicação tem isso sobre a Côr da bola de Bob, antes que ele a observe?
É claro que esta experiência simples, em princípio, não tem qualquer mistério. Uma resposta possível poderia ser a seguinte. Bob pode saber a Côr da sua bola, antes de a medir ou observar, quando Alice o informar do Côr da sua. Se fôr branca, Bob saberá imediatamente que a dele é preta.
Mas, como é que Alice informa Bob, se ele estiver a 1000 anos-luz de distância? Por comunicação instantânea, por telepatia? Se em vez de bolas, tivermos partículas quânticas em entrelaçamento quântico, que foi discutido num outro artigo desta revista, vimos que essa comunicação instantânea é possível — a tal acção fantasmagórica (“spooky action”) de que falava Einstein, mas não no sentido de transferência de informação ou de qualquer mediador físico entre Alice e Bob!
Vamos ver que uma versão análoga da experiência, mas agora feita com partículas quânticas, conduz a paradoxos. Isto é, a Mecânica Quântica contraria as previsões do nosso senso comum!
Como responder às questões P1 e P2, colocadas na experiência anterior, se em vez de bolas tivermos partículas quânticas em entrelaçamento quântico?
- Se o leitor acredita que os atributos dos objetos quânticos só estão definidos quando são observados ou medidos, então rejeita o realismo, no sentido acima definido, e portanto responderá NÃO à questão P1. Mas, nesse caso, algo de muito estranho acontece — uma ação instantânea, “assustadora” (spooky) à distância!, que foi discutido no artigo sobre entrelaçamento quântico. De facto, nesse artigo, tentamos mostrar que não há nada assim tão estranho!...
- Se uma propriedade específica — a Côr da bola de Alice, por exemplo — “ganha realidade” ou “existência”, no exato momento em que é observada, então a bola de Bob “adquire” instantaneamente a outra Côr — a observação da Côr de uma bola, influencia instantaneamente a Côr da outra, seja qual fôr a distância entre elas (de um metro ou de milhões de anos-luz)! Recorde que Bob só sabe a Côr da sua bola quando a observar. Antes disso, para ele a bola estará numa sobreposição quântica de branca e preta. Como dissémos antes, Bob saberia a Côr da sua bola antes de a observar, se por algum meio Alice o pudesse informar da Côr da sua. Mas isto implicaria uma comunicação superluminal o que contraria um dos princípios base da teoria da relatividade.
O senso comum rejeita este conceito de ação instantanea à distância. De facto, opta pela chamada suposição de localidade (do que é local) — a observação local de um objeto não tem qualquer efeito sobre um objeto distante.
Passemos então ao segundo postulado, que diz o seguinte:
Postulado da localidade.
Este postulado resulta diretamente da teoria da relatividade restrita de Einstein. Um dos postulados dessa teoria é que nenhuma informação, seja ela de que tipo fôr, se pode propagar mais rápido do que a velocidade da luz no vácuo. Se assim não fosse, estaríamos a violar outro princípio fundamental da ciência — causalidade, segundo o qual o presente é determinado pelo que aconteceu no passado e pelo que acontece no presente, mas NÃO pelo que acontecerá no futuro.
Note que localidade implica realismo — se a observação de uma bola não tiver qualquer efeito sobre a outra, e se sempre se observa que elas têm cores diferentes, então ambas devem ter tido sempre a respetiva Côr. Esta combinação de localidade e realismo chama-se realismo local.
1. Realismo local.
Realismo local.
Os objetos têm propriedades que existem independentemente de serem observados, e que, além disso, não são influenciadas pelas observações de objetos distantes.
Regressemos à questão P2, do Exemplo motivador: suponhamos que Alice, quando desvenda os olhos assim que chega à sua galáxia, observa que a sua bola é branca. Que implicação tem isto sobre a Côr da bola de Bob, antes que ele a observe?
Há dois pontos de vista:
- Se acreditarmos no realismo local, como foi atrás definido, podemos concluir que a bola de Alice foi sempre branca, mesmo antes de ser observada. A observação não teve qualquer efeito sobre a Côr da bola observada, nem na outra.
- Se acreditarmos que a observação altera a realidade física, então a bola de Alice, passou a ser branca no exato momento em que ela a observou. Além disso, a bola de Bob tranformou-se, instantânea e simultanemente, numa bola preta. Não faz sentido questionarmos qual a Côr das bolas antes da observação.
A observação direta é a única realidade — não existem propriedades não observadas. Qualquer coisa fora dos nossos sentidos é imaginação, não é realidade! A bola de Alice adquiriu a sua propriedade (Côr branca) no momento em que foi observada. A bola de Bob, antes de ser observada, não tem ainda propriedades, mesmo sabendo que sempre que fôr observada, ela será preta!
Estes pontos de vista, por mais implausíveis que possam parecer ao nosso senso comum, não podem ser refutados por evidências — como podemos adquirir qualquer evidência de como algo é, antes de ser observado, já que as evidências resultam apenas das observações?
Surpreendentemente, os físicos descobriram o seguinte:
- O realismo local impõe restrições às quantidades mensuráveis.
- Medições de partículas quânticas entrelaçadas violam as restrições impostas pelo realismo local. Portanto:
- O realismo local não é uma suposição válida para partículas quânticas.
Recorde o que se disse sobre entrelaçamento quântico, no artigo respetivo desta revista.
O artigo de EPR foi publicado em 1935. Na sua resposta, também publicada em 1935, com o mesmo título do artigo de EPR, Bohr2 argumenta que uma medição perturba inevitavelmente o sistema. O ponto-chave da resposta de Bohr é que, no argumento EPR, as duas partículas quânticas não devem ser tratadas como independentes até que se faça uma medição.
Portanto, é incorreto dizer que a Côr da bola de Bob não é perturbada, quando Alice faz a medição da Côr da sua bola. É esta medição que causa uma separação entre as bolas de Alice e Bob. Até à medição de Alice, as bolas estão em entrelaçamento quântico, isto é, estão no estado de sobreposição quântica (FIGURA 1):
\(|\Psi\rangle=\frac{1}{\sqrt{2}}(|B\rangle_{1}|P\rangle_{2}+|P\rangle_{1}|B\rangle_{2})\) (1)
Conclusão e resumo
Um dos resultados mais surpreendentes da Física do século XX, é o seguinte:
se as previsões da mecânica quântica concordam com os resultados experimentais, então ela não é consistente com pelo menos um dos dois postulados — o de realidade ou o de localidade!
2. Completude da Mecânica Quântica.
Como já dissemos, o objetivo do artigo EPR foi o de demonstrar que a interpretação da mecânica quântica, segundo a Escola de Copenhaga (Niels Bohr e Werner Heisenberg), é incapaz de dar uma explicação satisfatória dos conceitos que achavam ser fundamentais em qualquer teoria física (completa).
Para EPR, uma teoria é completa, quando há concordância entre as conclusões da teoria e a experiência — a realidade objetiva. Cada elemento da realidade objetiva deverá ter uma correspondência nessa teoria (veja o Postulado da realidade física).
Para ilustrar o argumento que EPR usa para refutar a completude da MQ(segundo a Escola de Copenhaga), regressemos à Experiência Motivadora.
Dadas as suas intuições clássicas e relativísticas, EPR acreditava que Alice ao medir a Côr da sua bola não poderia perturbar (instantaneamente) a Côr da bola de Bob, por estarem demasiado distantes um do outro.
Portanto EPR conclui que a bola de Bob teve sempre uma Côr determinada — um “elemento de realidade”. É essa Côr já determinada que explica o facto de Bob saber com certeza absoluta (isto é, com probabilidade 1) qual o resultado de uma observação da Côr da sua bola.
Mais ainda:
- Como este argumento pode ser repetido, invertendo os papéis de Alice e Bob, concluímos analogamente que a bola de Alice também deve ter uma Côr pré-determinada.
- Vamos agora introduzir um novo atributo para as bolas de Alice e Bob. O atributo “Dureza” que só pode tomar dois valores possíveis “DURA” e “MOLE”. É possível mostrar que o estado entrelaçado EPR, \(|\Psi\rangle\), que foi descrito na base de Côr:
\(|\Psi\rangle=\frac{1}{\sqrt{2}}(|B\rangle_1|P\rangle_2+|P\rangle_1|B\rangle_2)\)
pode também ser descrito na base de Dureza, e que continua entrelaçado, isto é
\(|\Psi\rangle=\frac{1}{\sqrt{2}}(|D\rangle_1|M\rangle_2-|M\rangle_1|D\rangle_2)\) (2)
Os mesmo argumentos mostram portanto que a Dureza de ambas as partículas também estão pré-determinadas.
Mas, segundo a interpretação de Bohr da MQ, os estados quânticos não podem ser pré- determinados. Existem em sobreposições quânticas. Em particular, um estado EPR, em entrelaçamento quântico, não nos diz quais os valores da Côr e Dureza de qualquer das partículas! Portanto, a mecânica quântica está incompleta. Além disso, como nega que qualquer partícula possa ter simultâneamente uma Côr e uma Dureza pré-determinadas, a sua própria estrutura conceptual é contraditória!
Se EPR estiverem corretos, então o problema não é apenas que a mecânica quântica está incompleta — é todo a sua construção conceptual QUE ESTÁ ERRADA, em particular o princípio da Incerteza de HEISENBERG, ou da Complementaridade de Bohr!
Um ponto fundamental no argumento EPR é a suposição implícita de que Alice, ao medir a Côr da sua bola, não pode perturbar de forma alguma a Côr da bola de Bob. Claro que aqui estão apelando para a noção, intuitivamente plausível, de localidade — nenhuma ação sobre um sistema pode afetar instantaneamente o estado de um sistema distante . A relatividade especial não permite influências causais que se propaguem mais rápido do que a luz.
Bohr argumenta que a perturbação inevitável durante o processo de medição leva à “renúncia do ideal clássico de causalidade, e a uma revisão radical da nossa atitude em relação ao problema da realidade física”.
O princípio da complementaridade explica a descrição que a mecânica quântica faz dos fenômenos físicos e isso preenche, “dentro de seu âmbito, todos as exigências de completude”.
A realidade no nível quântico não existe até que o objeto seja medido. Segundo Bohr, a mecânica quântica não é, portanto, incompleta.
Há, portanto, uma diferença fundamental nas definições de Einstein e Bohr de realidade física. Segundo Einstein, um objeto é real se existir independente de um observador humano. Por outro lado, de acordo com Bohr, não podemos atribuir realidade a um objeto até que ele seja medido, ou esteja em posição de ser medido, com um resultado previsível.
Referências
- 1 Can Quantum Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete?, Phys. Rev., 48, 696. 1935.
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