Erwin Schrödinger
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- U. Porto
Referência Tavares, J. N., (2025) Erwin Schrödinger, Rev. Ciência Elem., V13(4):046
DOI http://doi.org/10.24927/rce2025.046
Palavras-chave
Resumo
Comemora-se este ano o centenário da mecânica quântica, efeméride a que a Casa das Ciências se associou, promovendo um ciclo de palestras que decorreu nos passados dias 22 e 23 de outubro, nas instalações da FCUP, com uma ampla adesão de professores e alunos de ensino secundário, investigadores e outros interessados.
Nesta data centenária, é imperativo recordar Erwin Schrödinger (1887—1961), uma das mentes mais brilhantes e multifacetadas do século XX, cujas contribuições transcenderam largamente o campo da física. Schrödinger destaca-se pela genialidade e profundidade do seu pensamento.
A contribuição mais célebre de Schrödinger para a mecânica quântica, e uma das pedras basilares desta teoria, é a sua equação de onda, formulada em 1926. Esta equação descreve como o estado quântico de um sistema físico evolui no tempo, e introduziu o conceito de “função de onda” para descrever a probabilidade de encontrar uma partícula num determinado local. Assim criou uma formulação elegante da teoria quântica, que lhe valeu o Prémio Nobel da Física em 1933 (partilhado com Paul Dirac).
Schrödinger possuía um profundo interesse pela filosofia, em particular pelas tradições orientais, como o Vedantismo. Acreditava numa unidade fundamental da existência, onde o “eu” individual seria uma ilusão que esconde uma consciência cósmica universal. Nas suas obras como “Mente e Matéria” e “O que é a Vida?”, Schrödinger explorou a natureza da consciência e a relação entre o mundo físico e a experiência subjetiva. Ele via a ciência e a espiritualidade não como antagónicas, mas como diferentes abordagens à mesma realidade subjacente. Os seus diários e correspondência revelam uma busca incessante por uma compreensão holística, onde a intuição e a contemplação eram tão válidas quanto a dedução lógica.
A sua influência estendeu-se à biologia através da obra “O que é a Vida?” (1944). Neste livro, baseado em palestras que deu em Dublin, Schrödinger levantou a questão de como a vida consegue manter a sua ordem e complexidade contra a segunda lei da termodinâmica (entropia). Propôs a ideia do “cristal aperiódico”, uma estrutura complexa, mas não repetitiva, capaz de codificar informação genética, um conceito que inspirou diretamente figuras como Francis Crick e James Watson na sua busca pela estrutura do ADN, desempenhando um papel crucial no desenvolvimento da biologia molecular. É fascinante que um físico teórico, sem formação formal em biologia, tenha formulado uma ideia que se tornou a base para a compreensão da hereditariedade. A clareza e a profundidade das suas perguntas forçaram os biólogos a pensar em termos de informação e estrutura a um nível fundamental, abrindo caminho para a revolução genética.
Schrödinger foi também uma figura com fortes convicções políticas e culturais. Deixou a Alemanha em 1933 (o ano em que ganhou o prémio Nobel), com a ascensão do Nazismo, recusando-se a trabalhar sob um regime fascista. Exilou-se, primeiro em Oxford, depois em Graz (Áustria) por um breve período, e finalmente encontrou refúgio na Irlanda. Desempenhou um papel crucial na fundação do Dublin Institute for Advanced Studies (DIAS) em 1940, onde liderou a Escola de Física durante 17 anos. Era um pacifista convicto e utilizou a sua voz para alertar para os perigos da guerra e da desumanização. A sua escrita demonstrou o seu empenho em comunicar a ciência e as suas implicações culturais e filosóficas a uma audiência mais vasta, promovendo um diálogo entre as ciências e as humanidades.
Era fluente em várias línguas modernas e com um conhecimento profundo de latim e grego antigo, o que lhe permitia aceder a um vasto leque de textos filosóficos e científicos originais. Também era um apaixonado alpinista, encontrando inspiração e clareza de pensamento nas montanhas dos Alpes. A sua paixão pela natureza e pela poesia permeava a sua vida e a sua visão científica.
Schrödinger foi um pensador profundo que questionou as fronteiras entre a ciência, a filosofia e a própria vida, deixando um legado que continua a ter um forte impacto cem anos depois dos primeiros passos da mecânica quântica.
É notável o contraste que se pode traçar entre a figura de Erwin Schrödinger, um verdadeiro arquiteto do pensamento universal, e a perceção da comunidade de investigadores atuais, frequentemente caraterizada pela híper especialização do seu trabalho e, muitas vezes, pelo completo alheamento dos grandes debates éticos, políticos e sociais.
É verdade que a complexidade crescente do conhecimento exige um foco em problemas muito específicos, e o domínio de um conjunto particular de técnicas e de literatura. Isto leva à criação de “ilhas de conhecimento” ou nichos, onde a comunicação entre diferentes subdisciplinas é frequentemente difícil.
O sistema académico atual, impulsionado pela métrica de publicações em revistas de alto impacto e pela obtenção de financiamento competitivo, incentiva a produção rápida de resultados em áreas muito delimitadas. O tempo e os recursos para uma reflexão mais ampla, para a leitura extensiva fora da sua área imediata de especialização, ou para o compromisso cívico, são até desincentivados. Embora existam áreas específicas como a bioética, e uma crescente consciência da responsabilidade social da ciência, a regra geral é que muitos investigadores se dedicam ao “como fazer”, sem necessariamente refletir aprofundadamente sobre o “dever fazer” ou sobre o impacto a longo prazo do seu trabalho na sociedade. A urgência da descoberta pode, por vezes, sobrepor-se à ponderação das consequências.
Há uma tendência de manter a ciência “neutra” ou “objetiva”, evitando posicionamentos políticos explícitos, o que pode levar a um menor envolvimento direto em debates públicos, ao contrário da postura de Schrödinger. O contraste é, portanto, marcante: o homem universal, por um lado, como o foram Schrödinger, Einstein e muitos outros, e uma comunidade científica fragmentada em especializações, alheada de uma perspetiva holística e do impacto ético, político e social do seu trabalho.
Com as atuais “ameaças” da Inteligência Artificial, Tecnologias de Guerra, Biologia Sintética e outras, controladas por poderes obscuros, cujo fito é o poder e o híper lucro, a qualquer custo, é urgente refletir numa possível perda irreparável, com consequências que podem vir a ser trágicas: a da figura do intelectual público que, como Schrödinger, conseguia sintetizar diversas áreas do saber e comprometer-se ativamente na reflexão sobre o lugar da ciência na sociedade e as suas implicações mais vastas.
O grande desafio para a ciência contemporânea é, talvez, refrear o seu ímpeto (a que chamam progresso), “para para pensar” e encontrar um equilíbrio entre a necessidade de aprofundamento especializado e a urgência de manter uma visão mais universalista e um compromisso cívico, garantindo que o progresso científico serve efetivamente o bem-estar e o futuro da humanidade.
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