Imunidade
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- Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Referência Moreira, C., (2013) Imunidade, Rev. Ciência Elem., V1(1):006
DOI http://doi.org/10.24927/rce2013.006
Palavras-chave Imunidade;
Resumo
Em sentido lato, consiste nos diversos processos fisiológicos que o organismo tem disponíveis para reconhecer corpos estranhos, neutralizá-los e eliminá-los.
Os sistemas imunitários desenvolveram dois tipos de mecanismos de defesa: imunidade inata e imunidade adaptativa.
- imunidade inata (ou não específica): tem como função impedir a entrada de agentes patogénicos no organismo, não desencadeando respostas personalizadas ao agente patogénico. Presente em todos os animais e plantas com flor.
- imunidade adaptativa (ou específica): carateriza-se por desencadear respostas personalizadas para cada tipo de patógeno e por ter efeito de memória (após uma primeira infeção, num segundo ataque pelo patógeno o organismo é mais célere na sua resposta). Presente em vertebrados com mandíbulas.
Imunidade inata (ou não específica)
Consiste num conjunto de processos que confere proteção contra agentes patogénicos impedindo a entrada dos agressores ou destruindo-os se já se encontrarem no interior do organismo.
Em animais, a entrada de agentes pode ser impedida por barreiras físicas ou por secreções e enzimas: a pele, as mucosas, os pêlos das narinas, a flora vegetal interna, o suor, as lágrimas, a saliva, o suco gástrico e o muco vaginal. A segunda defesa dá-se caso os agentes patogénicos já estejam no interior do organismo. Pode ser local (fagocitose) ou sistémica (febre, sistema complemento e interferões):
- fagocitose: capacidade de algumas células envolverem substâncias com extensões da membrana plasmática e as digerirem já no seu interior. As células com capacidade fagocitária (fagócitos) podem ser de três tipos:
- eosinófilos: com fraca capacidade fagocitária
- neutrófilos: são os primeiros a fagocitar
- macrófagos: são células de grandes dimensões que se diferenciam a partir de monócitos. Por regenerarem os seus lisossomas (vesículas cheias de enzimas) têm uma maior longevidade e uma grande capacidade fagocitária.
Quando um tecido é atingido pelos agentes patogénicos, algumas células, os mastócitos, bem como alguns basófilos, produzem histamina e outros mediadores químicos que provocam a dilatação dos vasos sanguíneos e aumentam a sua permeabilidade, aumentando o fluxo de sangue no local, o que explica o aparecimento de inchaços (aumento do calibre dos vasos), vermelhidão (aumento do número de glóbulos vermelhos), dor (o aumento do volume pressiona as terminações nervosas) e calor (aumento da taxa metabólica) caraterísticos de uma inflamação. A histamina e outras substâncias ao entrarem na circulação sanguínea vão atrair os fagócitos para o local da inflamação, que conseguem atravessar as paredes dos capilares modificando a sua forma – diapedese. Os primeiros a chegar são os neutrófilos seguidos dos macrófagos.
- Resposta sistémica: quando todo o organismo é invadido por microrganismos patogénicos
- febre: as toxinas produzidas pelos agentes patogénicos e certos compostos pirogenos, citoxinas, produzidos pelos leucócitos, podem fazer aumentar a temperatura do corpo. A subida de temperatura embora perigosa se excessiva, por um lado, inibe o crescimento dos microrganismos e por outro estimula e acelera os mecanismos de defesa.
- interferões: conjunto de proteínas envolvidas em mecanismos de defesa acionado em infeções virais. Quando uma célula é infetada por um agente viral, é normal haver um acréscimo de RNA de cadeia dupla, resultante da replicação do material genético viral (quer seja DNA ou RNA), que ativa o interferão. Essa ativação estimula a produção de glicoproteínas (interferões) que serão excretadas para a circulação sanguínea. Os interferões vão-se ligar a recetores membranares de células vizinhas ativando genes codificantes de proteínas antivirais, que apenas são ativadas quando a célula é infetada. Quando ativadas as proteínas antivirais iniciam um processo de destruição do mRNA celular impedindo a sua tradução. A célula infetada acaba por morrer de forma programada – apoptose – e os vírus ficam sem local para se replicarem, ficando a infeção controlada. O interferão em si não tem uma função antiviral mas sim de ativar a produção de proteínas antivirais. Alguns interferões estimulam os fagócitos a destruir os microrganismos.
- sistema de complemento: corresponde a um grupo de cerca de 20 proteínas produzidas pelo fígado e que circulam na linfa na sua forma inativa. Na presença de alguns agentes patogénicos sofrem uma rápida ativação em cascata, isto é, a ativação de uma proteína estimula a ativação de outra e assim por diante. Uma vez ativadas as proteínas desencadeiam uma resposta imunitária não específica, como por exemplo:
- provocam a lise de células infeciosas. Algumas proteínas do completo fixam-se na membrana das bactérias, criando poros na membrana que levam as bactérias à morte.
- atraem leucócitos aos locais de infeção – quimiotaxia
- ligam-se aos agentes patogénicos facilitando a atividade dos fagócitos – opsonização.
Imunidade adaptativa (ou específica)
Os mecanismos de defesa específicos vão sendo mobilizados enquanto os mecanismos não específicos intervêm numa primeira fase da infeção. A imunidade específica, ao contrário da não específica, atua de forma diferente consoante o agente patogénico e tem um efeito de memória, ou seja, o organismo memoriza o agente patogénico numa primeira infeção e em infeções posteriores a resposta imunitária é mais rápida e poderosa.
Este tipo de imunidade é desencadeado sempre que o sistema imunitário reconhece um antigénio – qualquer molécula que reage de forma específica com um anticorpo ou com um recetor de um linfócito T, desencadeando respostas imunitárias específicas.
A resposta imunitária específica está intimamente associada aos linfócitos (tipos B e T)– células imunocompetentes – ou seja, ganham a competência (nos órgãos linfóides) para poderem reconhecer determinados epítopos. Para garantir que os seus recetores são funcionais e distinguem e não atacam o próprio organismo, fazem um estágio na medula óssea que só contem células do próprio organismo e todos os linfócitos que apresentarem recetores para antigénios próprios são eliminados, induzindo-se apoptose (seleção negativa).
A atuação dos linfócitos B e T embora interligada é bastante diferente:
- os linfócitos B atuam indiretamente sobre os antigénios através da produção de anticorpos, enquanto os linfócitos T atuam diretamente
- os linfócitos B reconhecem antigénios livres, enquanto os linfócitos T só reconhecem antigénios associados a outras células
- só existe uma categoria de linfócitos B e várias de linfócitos T
Como a imunidade específica atua sobre o que a imunidade não-específica não conseguiu isoladamente eliminar, existem dois tipos de imunidade específica dependendo da localização da ação: humoral e celular.
- A imunidade humoral depende do reconhecimento dos antigénios, pelos linfócitos B, que circulem no sangue e linfa e que ainda não tenham por isso invadido as células. Os linfócitos B são produzidos e amadurecidos na medula óssea adquirindo recetores membranares específicos de determinados epítopos. Depois de sofrerem uma primeira seleção negativa de controlo, os linfócitos B denominados naive migram para os órgãos linfóides secundários.
Quando um antigénio que circule na corrente sanguínea ou linfática passa por um dos órgãos linfóides secundários, é detetado pelo linfócito específico e é estabelecida uma ligação que ativa o linfócito – seleção clonal. Para evitar respostas erradas a antigénios não perigosos, o linfócito B ativado é sujeito a uma confirmação de reconhecimento por um linfócito T, que se for positiva ordena a multiplicação mitótica do linfócito B – multiplicação clonal. A diferenciação dos linfócitos B inicia-se depois da multiplicação transformando as células originais em plasmócitos e em células B memória. Os plasmócitos são células efetoras com grande capacidade de síntese proteica, produzindo grandes quantidades de proteínas – anticorpos. As células B memória são células diferenciadas e autorizadas, mas não efetoras, com uma grande longevidade, que acionam uma resposta imunitária rápida e potente numa segunda infeção – memória imunitária.
Os anticorpos são proteínas globulares – imunoglobulinas (Ig) – que se ligam a epítopos específicos. Apesar da forte especificidade das Ig, estas moléculas partilham algumas caraterísticas:
- são constituídas por quatro cadeias polipetídicas: duas longas ou pesadas e duas curtas ou leves
- estrutura em Y devido às ligações dissulfito entre as cadeias longas
- possuem uma região constante comum a todos os anticorpos da mesma classe, que permite serem identificadas por outros componentes do sistema imunitário
- possuem um região variável que lhes confere especificidade
- ligam-se aos antigénios em dois locais, os determinantes antigénicos, localizados na região variável
No Homem, e nos vertebrados em geral, conhecem-se cinco classes de imunoglobulinas
Classe de Ig | Local de ocorrência | Funções |
Ig A | Leite, saliva, lágrimas, secreções respiratórias e gástricas | Protege contra agentes patogénicos nos locais de entrada do organismo |
Ig D | Linfócitos B | Estimula linfócitos B a produzirem outros tipos de anticorpos |
Ig E | Mastócitos presentes nos tecidos | Interfere na libertação de substâncias alérgicas |
Ig G | Plasma e na linfa intersticial | Protege contra bactérias, vírus e toxinas |
Ig M | Plasma | Primeiro anticorpo a atuar perante um antigénio |
Após as imunoglobulinas se terem ligado ao respetivo antigénio forma-se o complexo antigénio-anticorpo, que desencadeia os processos destrutivos de agentes patogénicos, que consoante a classe a que cada anticorpo pertence pode variar:
- neutralização: o complexo antigénio-anticorpo impede o antigénio de atuar
- opsonização: a formação do complexo antigénio-anticorpo que é rapidamente identificado e fagocitado por macrófagos
- imobilização e prevenção de aderência: a formação do complexo antigénio-anticorpo impede o antigénio de se mover ou se ligar a hospedeiros
- aglutinação ou precipitação: os complexos antigénio-anticorpo formam aglomerados de grandes dimensões que os impede de circular
- ativação do sistema complemento: o complexo antigénio-anticorpo ativa a primeira proteína do sistema complemento dando inicio à cadeia de ativações sucessivas.
- A imunidade celular está associada aos linfócitos T, produzidos na medula mas, ao contrário dos B, estes são maturados no timo. A resposta imunitária é ativada quando uma célula apresentadora que podem ser macrófagos, linfócitos B ou agentes virais, apresenta um antigénio a um linfócito T.
Tal como os linfócitos B, os linfócitos T naive ficam armazenados nos órgãos linfóides secundários até que uma célula apresentadora lhes apresente um antigénio e os ative, começando a produzir proteínas capazes de desencadear respostas variadas nas células-alvo. Os diferentes tipos de linfócitos têm funções diferentes e são identificados em laboratório pela presença de diferentes marcadores.
- linfócitos citotóxicos ou citolíticos (TC): reconhecem e destroem células infetadas e cancerosas. Os linfócitos reconhecem estas células por exibirem glicoproteínas anormais à superfície e depois de ativados segregam substâncias tóxicas que destroem as células. Os linfócitos não sofrem qualquer alteração permanecendo se necessário ativos.
- linfócitos auxiliares (TH): reconhecem o MHC de superfície dos macrófagos e libertam mediadores químicos (citoquinas) que estimulam linfócitos B, fagócitos e/ou outros linfócitos T.
- linfócitos T supressores (TS): segregam substâncias que reduzem ou suprimem a resposta imunitária quando a infeção já está controlada.
Imunização
A memória imunitária desenvolve-se durante o primeiro contacto com o antigénio, conferindo imunidade aos indivíduos. A imunidade pode ser natural, como se descreveu acima quando o próprio organismo reage contra os agentes patogénicos ou pode ser induzida, através da administração direta de anticorpos específicos (imunidade passiva) ou através da administração de vacinas (imunidade ativa).
As vacinas são preparados de agentes patogénicos mortos ou alterados, vírus patógenos ou toxinas que neste caso específico não desencadeiam a doença, mas estimulam respostas imunitárias especificas no organismo. Ao desencadear uma resposta imunitária primária consequentemente desencadeia a formação de células-memória que na eventualidade de uma infeção posterior pelo mesmo agente patogénico irão produzir uma resposta mais rápida e potente. Algumas vacinas conferem imunidade para toda a vida como a vacina do sarampo e outras têm de ser administradas periodicamente como a anti-tetânica.
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