Limites de pH
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- Universidade do Porto
Referência Corrêa, C., (2014) Limites de pH, Rev. Ciência Elem., V2(2):180
DOI http://doi.org/10.24927/rce2014.180
Palavras-chave Limites; pH; concentração;
Resumo
É vulgar considerar-se o pH variando entre 0 e 14, como se fosse impossível que pudesse apresentar valores fora deste intervalo, por exemplo –1 e 15. Na realidade, se a concentração de H+(aq) for igual a 10, o valor do pH é efetivamente –1. Analogamente, se [HO-] = 10 mol \(\cdot\) dm-3, o pH será 15.
Foram já registados valores de pH de –1,7 a –3,6 em nascentes vulcânicas ricas em HCl e H2SO4 e em certas águas provenientes de minas1. A determinação destes valores de pH exigiu a utilização de soluções padrão de H2SO4 para as quais se calcularam as atividades por métodos adequados.
Uma solução aquosa com pH = 4 tem [H+(aq)] dez vezes maior que uma solução de pH = 5 e 10 vezes menor que uma solução aquosa de pH = 3. Será que uma solução aquosa de pH = –2 apresenta [H+(aq)] dez vezes maior que uma solução de pH = –1?
O pH foi definido para soluções aquosas diluídas de força iónica menor que 0,1 mol\(\cdot\)dm-3, a partir da atividade do ião H+(aq):
\(\text{pH}=- \text{log } a_{\text{H}^+}\) com \(a_{\text{H}^+}=c_{\text{H}^+} \cdot \gamma_{\text{H}^+}\)
em que a = actividade, c = concentração, \(\gamma\) = factor de actividade e mede a capacidade de uma solução aquosa para doar protões.
A atividade pode obter-se experimentalmente por meio de um elétrodo de vidro combinado com um elétrodo de referência (vulgarmente o elétrodo de calomelanos ou o elétrodo de cloreto de prata) a partir da equação
\(\text{pH}=- \text{log }a_{\text{H}^+} = \frac{E^\text{o} - E}{2,303RT} F\)
em que Eo é o potencial do eléctrodo de referência, E o potencial medido, R a constante dos gases, T a temperatura Kelvin e F a constante de Faraday.
Não se pode usar o elétrodo de vidro em soluções muito concentradas, pois perde a linearidade, conduzindo a valores de pH incorretos. Por esta razão, a escala de pH não deve ser usada para soluções muito concentradas porque não constitui uma verdadeira medida da acidez do meio.
Que sucede com soluções de ácidos e bases de maiores concentrações?
Á medida que as soluções se vão tornando mais concentradas aumentam as interacções entre as moléculas do soluto e o grau de ionização dos ácidos diminui. O ião oxónio, H3O+, em soluções aquosas diluídas encontra-se fortemente solvatado, com abundância de partículas H3O+(H2O)3, tendo uma capacidadade dadora de protões menor do que em soluções concentradas, em que há menor número de moléculas de água a solvatar os protões.
Assim, em soluções concentradas, apesar da menor ionização, a acidez do meio aumenta mais rapidamente que a concentração do H+(aq).
Para soluções concentradas de ácidos a acidez do meio é medida por outro tipo de funções, sendo a mais vulgar a Função de Acidez de Hammett, Ho2, que se torna igual ao pH se as soluções aquosas forem diluídas.
A força de um ácido num dado solvente (capacidade do meio para doar protões) pode ser medida a partir da extensão da reacção do ácido com uma base fraca, B, denominada "indicador"*.
\(\text{B} + \text{H}^+ \rightleftharpoons \text{BH}^+\)
com \(K_{\text{BH}^+} = \frac{a_{\text{H}^+} \cdot a_\text{B} }{a_{\text{BH}^+} } = \frac{a_{\text{H}^+} [\text{B}] \gamma_\text{B} }{[\text{BH}^+] \cdot \gamma_{\text{BH}^+}} = h_o \frac{[\text{B}]}{[\text{BH}^+]}\) onde \(h_o = \frac{a_{\text{H}^+} \cdot \gamma_\text{B} }{\gamma_{\text{BH}^+} }\)
Para bases semelhantes, como anilinas substituídas utilizadas como indicadores, a razão dos coeficientes de atividade \(\gamma_\text{B}\) e \(\gamma_{\text{BH}^+}\) é praticamente constante e ho (e Ho = -log ho) é proporcional àa atividade do ião H+ na solução.
\(H_o = -\text{log } h_o = \text{p}K_{\text{BH}^+} + \text{log } \frac{[\text{B}]}{[\text{BH}^+]}\)
Ho constitui uma medida da capacidade do meio (ácido + solvente) para doar protões, isto é, da atividade do ião hidrogénio, \(a_{\text{H}^+}\)
A base, B, escolhida deve ser tal que a razão \(\frac{[\text{B}]}{[\text{BH}^+]}\) possa ser determinada experimentalmente (por espectrofotometria, RMN e outras técnicas).
Inicialmente utilizaram-se anilinas substituídas com grupos atraídores de eletrões, em que a força da base pode ser regulada pela natureza e número dos substituintes.
A tabela 1 apresenta os valores de Ho para soluções aquosas concentradas dos ácidos mais vulgares3.
% (m/m) ácido | H2SO4 | HClO4 | HNO3 | HCl |
---|---|---|---|---|
5 | 0,24 | 0,20 | 0,03 | -0,42 |
10 | 0,31 | -0,19 | -0,39 | -1,00 |
20 | -1,1 | -0,90 | -0,95 | -2,12 |
30 | -1,72 | -1,53 | -1,42 | -3,51 |
40 | -2,41 | -2,55 | -1,77 | - |
70 | -5,65 | -7,87 | - | - |
100 | -11,10 | - | - | - |
Estes valores não se podem relacionar com as concentrações de H+, como sucede com o pH. Por exemplo, para H2SO4, um valor de Ho = -11 não significa que a concentração de H+ seja igual a 1011 mol \(\cdot\) dm-3, pois tal solução teria uma densidade impossível (105 toneladas por dm3). Significa que a actividade dos protões naquele meio é 1011 vezes maior do que a actividade do H+(aq) numa solução aquosa de concentração igual a 1 mol\(\cdot\)dm-3.
Conhecido o valor da função Ho para um determinado meio, é possível obter os valores de \(\text{p}K_{\text{BH}^+}\) de ácidos conjugados de outras bases determinando experimentalmente o valor da razão [B]/[BH+] em soluções da base B no referido meio:
\(\text{p}K_{\text{BH}^+} = H_\text{o} - \text{log } \frac{[\text{B}]}{[\text{BH}^+]}\)
Para soluções aquosas de bases muito concentradas foi introduzida uma função H –, definida de modo anólogo, que mede a capacidade do meio (S) para aceitar protões de um ácido fraco BH.3
\(\text{BH} + \text{S} \rightleftharpoons \text{B}^- + \text{SH}^+\)
Os indicadores usados incluem anilinas e arilmetanos substituídos, que constituem ácidos muito fracos de onde o meio remove protões:
\(\text{ArNH}_2 + \text{S} \rightleftharpoons \text{ArNH}^- + \text{SH}^+"\)
\(\text{Ar}_2\text{CH}_2 + \text{S} \rightleftharpoons \text{Ar}_2\text{CH}^- + \text{SH}^+\)
A tabela 2 apresenta os valores da função H – de vários sistemas 4.
Solução | H - |
---|---|
KOH 1 mol\(\cdot\)dm-3 | 14,0 |
KOH 5 mol\(\cdot\)dm-3 | 15,5 |
KOH 10 mol\(\cdot\)dm-3 | 17,0 |
NaOCH3 1,0 mol\(\cdot\)dm-3 | 17,0 |
NaOCH3 5,0 mol\(\cdot\)dm-3 | 19,0 |
NaOCH3 0,01 mol\(\cdot\)dm-3 em DMSO-CH3OH 1:1 | 15,0 |
NaOCH3 0,01 mol\(\cdot\)dm-3 em DMSO-CH3OH 10:1 | 18,0 |
Em soluções aquosas diluídas, a função H – é igual ao pH, mas cresce mais rapidamente que o pH à medida que a basicidade do meio aumenta. Por exemplo, para uma solução aquosa de NaHO de concentração 10 mol\(\cdot\)dm-3, H – = 16,4. À medida que a água vai sendo substituída por solventes polares apróticos, como sulfóxido de dimetilo (DMSO), a função H – cresce rapidamente (para uma solução 0,01 mol\(\cdot\)dm-3 de NaHO em H2O-DMSO(1:1) H – = 17,3).5
A partir dos valores da função H – é possível determinar a força de ácidos muito fracos, como os hidrocarbonetos, RH, bastando medir a razão [RH] / [R-] em meios em que a função H – é conhecida e calcular pKRH6:
\(\text{RH} + \text{S} \rightleftharpoons \text{R}- + \text{SH}^+\)
\(\text{p}K_{\text{RH}} = H_\text{-} - \text{log } \frac{[\text{R}^-]}{[\text{RH}]}\)
* Extensão do termo "indicador" a pares conjugados ácido-base que apresentam "cores" diferentes, em que o termo "cor" se refere a qualquer comprimento de onda para além do visível.
Referências
- 1 K. F. Lim, Journal of Chem. Educ., 83, 1465 (2006).
- 2 L. P. Hammett, "Physical Organic Chemistry", 1970, 2nd edition, McGraw-Hill, p. 263.
- 3 R. S. Drago e N. A. Matwiyoff, "Acids and Bases", D. C. Heath & Company, 1968, p. 111.
- 4 F. A. Carey e R. J. Sundberg, "Advanced Organic Chemistry", Springer, 2007, p. 580.
- 5 E. Buncel, E. A. Symons, D. Dolman e R. Stewart, Can. J. Chem., 48, 3354 (1970).
- 6 R. Bowden e R. Stewart, Tetrahedron, 21, 261 (1965)
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