Neste sentido, nada melhor do que começar esta crónica pelo clássico “Thelma & Louise”, de 1991, considerando o elevado número de magníficas paisagens com que o filme brinda o espetador. Realizado por Ridley Scott, acompanhado pela música do previsível Hans Zimmer, seu habitual parceiro em obras cinematográficas, conta com as prestações únicas das atrizes Susan Sarandon e Geena Davis (ambas nomeadas então para o Óscar de Melhor Atriz). Numa constante fuga da polícia rumo ao México, onde nunca chegarão, Thelma e Louise vagueiam por um conjunto de rotas do sudoeste dos Estados Unidos da América (EUA). Sobressaem e multiplicam-se na pantalha, de forma por vezes algo errante quanto à sua sucessão lógica, magníficas imagens da geologia sedimentar do chamado Faroeste americano! Ora, em 1998 tive o ensejo de deambular por aquelas paisagens secas e, concretamente, palmilhar o local onde foi filmada a fluorescente cena do ciclista, de fácies jamaicano, fumador, quando encontra um carro da polícia largado numa estrada deserta, em cuja bagageira se encontrava aprisionado o próprio agente da autoridade! Tudo ao som das notas musicais de I can see clearly now”! Simplesmente inenarrável! Estamos a falar do Arches National Park, em pleno Estado do Utah, cujo contexto geológico e a moldura da paisagem são tão avassaladores, quanto nos turvam a visão com uma miragem que parece transportar-nos para o mundo incrível da ficção, mas que é mesmo real. Formações sedimentares, siliciclásticas, a perder de vista no horizonte, resultantes de processos erosivos atmosféricos, dos quais resultaram as dezenas de arcos identificados com nome próprio, morfologias que caracterizam este Parque Nacional. A maioria dos arcos define-se em unidades do Jurássico, pertencentes sobretudo à Formação Entrada Sandstone. Uma sucessão sedimentar depositada então numa gigantesca área continental, tal como é fácil subentender a partir das reconstituições paleogeográficas admitidas para o Mesozoico do que é hoje o sudoeste dos Estados Unidos.

Figura 1. O Turret Arch em rochas arenosas do Jurássico (Entrada Sandstone), a geoforma dominante do Arches National Park (Utah, EUA).

É neste tipo de cenário paisagístico sedimentar, onde pontificam ainda os parques Bryce Canyon (com as célebres chaminés de fada a rivalizarem com as da Capadócia), Zion(com as tradicionais dunas fossilizadas) e o Capitol Reef (o mais colorido e com um pouco de tudo a nível geológico), amplamente reproduzidos na sétima arte desde os tempos de John Wayne, que se enquadra o vizinho Canyonlands. Porventura, uma das reservas naturais mais espetaculares dos Estados Unidos, dado o impacto da diversidade de morfologias desenhadas na paisagem. Entre as geoformas contam-se canyons, mesas, cornijas e arcos, com os primeiros a darem, afinal, o nome ao parque nacional, dominado pela hidrografia do Colorado e do Green River. Cursos de água que confluem na porção sul do Parque, seguindo, a partir daí, a mesma trajetória em direção ao imenso Grand Canyon, já no Estado do Arizona. São morfologias a esculpirem centenas de estratos sub-horizontais, datados do Carbónico ao Cretácico (contabilizando cerca de 250 milhões da história da Terra), numa multiplicidade de rochas, unidades e ambientes sedimentares. Com uma sedimentação triásica e jurássica, dominantemente clástica, e de origem continental, depositada em ambientes tão áridos como aquele que parece dominar a paisagem atual. É o Princípio do Uniformitarismo a funcionar.

Figura 2. Panorâmica a partir do Island in the Sky, em pleno coração do Canyonlands (Utah, EUA). Geoformas e efeitos erosivos no topo do Paleozoico (cornija arenosa esbranquiçada: o White Rim) e base do Mesozoico, nas imediações dos meandros do Green River (ao fundo).

Em matéria geológica, tal como o voo insólito sobre o “abismo”, a película termina numa apoteose de paisagens particularmente arrebatadoras. Na verdade, o suposto Grand Canyon de Louise, que Thelma, na sua mais genuína sensibilidade, apelida de um inevitável “isn’t it beautiful?”, não é mais do que uma das imagens mais deslumbrantes desta região do Utah, o Dead Horse Point. Tal como é toda a imensidão sobreposta ao Island in the Sky, no coração do Canyonlands. Lindo!

Figura 3. As Three Gossips, Sheep Rock e Tower of Babel, algumas das morfologias do Courthouse Towers,um dos lugares míticos do Arches National Park (Utah, EUA), retratado em Thelma & Louise.