Sem rochas não há bitoques
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- Instituto Dom Luis/ Universidade de Lisboa
Referência Pimentel, N., (2017) Sem rochas não há bitoques, Rev. Ciência Elem., V5(3):040
DOI http://doi.org/10.24927/rce2017.040
Palavras-chave Rocha; solo; pedogénese; biosfera;
Resumo
Ao entrarmos num restaurante ou numa qualquer tasca de bairro para comer um bitoque, estamos longe de imaginar o quanto a Geologia está na base desse ato. E no entanto, é o facto de existirem rochas alteráveis à face da Terra, que permite que toda a cadeia alimentar siga o seu caminho até chegar a nós, nesse preciso momento, à mesa ou ao balcão. Mas começemos pelo princípio.
O Solo é a base de toda a vida vegetal e animal, a qual, em última análise, é o suporte da nossa própria alimentação e existência. Não existiríamos portanto sem o Solo e sem rochas o Solo não existiria.
O Solo é, por definição, uma mistura de minerais, matéria orgânica, água e ar, cuja génese radica na meteorização das rochas expostas aos agentes atmosféricos. A formação de um Solo, designada por Pedogénese, resulta da interação das rochas presentes na superfície terrestre com os agentes físicos e químicos que aí atuam. Entre eles conta-se a Atmosfera, essencialmente oxidante e que promove a oxidação dos minerais que contêm elementos metálicos, como é o caso de muitos dos alumino-silicatos das rochas (biotite, anfíbolas, piroxenas ou olivinas, p.ex.). Também a reação com a água das chuvas contribui para a meteorização das rochas, promovendo a hidrólise dos minerais e a sua separação em componentes químicos que são parcialmente solubilizados ou que dão origem aos minerais das argilas. Finalmente, a própria Biosfera também contribui para a meteorização, ao reagir com alguns compostos minerais e ao unir-se a eles em compostos organo-minerais.
O Solo tem portanto o seu início numa rocha com uma determinada coesão e composição mineral, cuja exposição aos agentes externos dá origem a materiais texturalmente e composicionalmente diferentes. Texturalmente, a alteração dos minerais promove a sua desagregação mecânica, a qual pode ser ampliada pela ação dos próprios organismos e de processos de alteração física, como a crioclastia (fraturação pelo gelo) ou a hialoclastia (fraturação por sais). Composicionalmente, um solo irá apresentar um empobrecimento em minerais menos resistentes, passando a prevalecer os mais resistentes, como o quartzo. Ao mesmo tempo, os elementos mais solúveis tenderão a ser removidos pelas águas de infiltração e escorrência, enquanto as argilas se poderão formar em quantidades significativas e acumular-se no interior do próprio solo. Assim se explica que os solos sejam, quando comparados com as rochas que lhes dão origem, mais friáveis e também mais areno-argilosos. E são precisamente estas características que permitem que a vegetação se instale com as suas raízes penetrativas, buscando água e nutrientes minerais, usufruindo das propriedades favoráveis do solo para se desenvolver e crescer em altura, na busca de sol para a fotossíntese.
Claro que nem todos os solos são iguais. Como sabemos, há solos mais férteis que outros e isso justifica a diferente ocupação vegetal e agrícola dos terrenos das diferentes regiões. As características intrínsecas de um solo dependem de quatro fatores: i) a composição química e mineralógica da Rocha que lhe está subjacente e que lhe deu origem; ii) as condições de precipitação e temperatura do Clima em que se desenvolve; iii) o maior ou menor Declive da vertente em que se desenvolve e, consequentemente, a maior ou menor tendência para que os materiais da pedogénese sejam removidos por erosão ou mantidos/acumulados no local, originando um solo espesso; iv) o Tempo que esse solo teve para se desenvolver. Conjugando estes quatro fatores, teremos solos mais ou menos maduros e mais ou menos ricos em nutrientes para as plantas. Para além dos fatores naturais, o Homem sempre tratou de melhorar os solos, arando-os para lhes permitir uma melhor circulação da água e do ar intersticial, ou adicionando-lhes elementos químicos (de origem natural ou industrial), para melhorar as suas características composicionais.
E onde ficamos então quanto ao bitoque? É que são as plantas que crescem no Solo que constituem a base alimentar da maioria dos animais que usamos para a nossa alimentação. Uma vaca, ou qualquer outro animal, vai buscar a sua energia e todos os nutrientes de que necessita, às pastagens ou rações, cujas plantas cresceram e se desenvolveram física e quimicamente na dependência de um Solo. E este desenvolveu-se física e quimicamente na dependência das rochas subjacentes. Por isso, aquele bife só existe porque existiram antes as plantas que aquele animal ingeriu (direta ou indiretamente). Aliás, também as batatas fritas ou o arroz que o acompanham, provêm naturalmente de plantas que cresceram num solo. E já agora, o próprio ovo provém de uma galinha que terá comido milho ou outros cereais, também eles proveneintes de plantas de um qualquer campo agrícola dependente dum solo que a mão humana provavelmente trabalhou e regou durante anos a fio.
Por isso, a próxima vez que olhar para um bitoque, pense na cadeia alimentar que o antecedeu e concluirá naturalmente que, sem rochas, não estaria ali a comê-lo.
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