Um lugar ideal p’ra morar
Uma visão geológica
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- Instituto Dom Luis/ Universidade de Lisboa
Referência Pimentel, N., (2017) Um lugar ideal p’ra morar, Rev. Ciência Elem., V5(4):060
DOI http://doi.org/10.24927/rce2017.060
Palavras-chave visão; geológica;
Resumo
Ao longo dos tempos pré-históricos, as comunidades humanas foram vivendo em ambientes naturais, aos quais se foram procurando adaptar. Durante milénios, cada grupo de pessoas procurou instalar-se em áreas onde os recursos naturais lhes permitissem viver o seu dia-a-dia e desenvolver as suas atividades quotidianas.
Neste quadro, surge naturalmente como fator primordial o acesso a bens comestíveis, para alimentação dos diversos elementos do grupo. No entanto, este fator depende em grande parte de aspetos muito volúveis, como o são a constante mobilidade dos diversos animais e a sazonalidade das plantas, pelo que outro fator surge de facto como incontornável e perene – o acesso a água potável. De facto, a água terá provavelmente constituído o elemento-chave que durante milénios condicionou maioritariamente a localização do assentamento de comunidades pré-históricas(FIGURA 1). Essa água era (e continua a ser) indispensável para o consumo direto das pessoas, mas também, em sociedades já mais sedentarizadas, para o consumo dos animais e para a irrigação das plantas. Este facto explica a localização de muitos assentamentos na margem ou na proximidade de cursos de água, embora nem sempre tal aconteça. Em muitos casos, é a existência de nascentes naturais, onde a água subterrânea infiltrada noutros lugares brota à superfície, a determinar essa localização. Noutros casos, é a possibilidade de obter água do subsolo, a partir de pequenos furos, que condiciona a instalação dessas comunidades em regiões áridas ou com escassez de águas de escorrência.
Por seu lado, a disponibilidade de água apenas será eficaz para irrigar ou para promover o desenvolvimento de vegetação, indispensável para a alimentação humana ou para a dos animais (selvagens ou domésticos), se tivermos um substrato geológico favorável ou seja, um solo bem desenvolvido. Também neste caso, estamos dependentes de existirem rochas alteráveis nessa região, de condições climáticas suficientemente agressivas para as alterar e ainda de condições geomorfológicas favoráveis para a preservação dos produtos de alteração dessas rochas num solo maduro.
Outro fator que devemos equacionar é o acesso a materiais que permitissem a essas comunidades elaborar ferramentas para trabalhar os recursos naturais a que tinham acesso. Nas comunidades iniciais, estaremos a falar de simples pedras, cujo talhe permitisse originar arestas afiadas ou pontiagudas, para cortar, raspar e perfurar. O acesso a alimentos, sejam animais ou vegetais, desde sempre recorreu a instrumentos líticos (e mais tarde metálicos), desde a sua colheita ou caça, até à sua transformação em comida para todos. Não adimira por isso a localização de numerosas comunidades pré-históricas em áreas onde o sílex, o quartzito ou outra litologia igualmente favorável, se encontra disponível em abundância.
Com o evoluír da sedentarização e crescente necessidade de organização, os materiais geológicos foram também sendo utilizados para a construção das próprias estruturas habitacionais. O recurso ao adobe, à pedra solta ou aparada, a argamassas e a ligantes, tudo isto esteve sempre dependente do acesso a esses materiais e poderá ter condicionado a localização de aglomerados habitacionais já mais estruturados. Cada vez que vemos construções antigas, deveremos pensar de onde vieram todos aqueles materiais de origem geológica... e como terão sido transportados até ali, naquela época, com os meios e recursos de então.
Finalmente, como derradeiro fator geológico, deveremos pensar no próprio posicionamento no terreno, ou seja no local preciso na paisagem, onde as comunidades acharam por bem ir-se instalando e desenvolvendo. Neste ponto, vários aspetos terão de ser conjugados. Por um lado, uma posição alta e dominante (FIGURA 2), com vistas amplas para o espaço circundante poderá ser considerado como favorável. Por outro lado, uma tal posição traduz-se geralmente num afastamento de uma fonte de abastecimento de água (seja de nascentes naturais, seja de cursos de água ou de poços artesianos ou não), bem como de zonas mais húmidas onde os animais e vegetais proliferem. Portanto, alto sim, mas não muito... mas também não demasiado baixo, a ponto de ser repetidamente inundado por cheias destruidoras.
Naturalmente o peso relativo destes diversos fatores foi variando ao longo do tempo, a par da própria evolução das comunidades e das suas atividades. Consoante a importância relativa das questões defensivas ou agrícolas, assim as localizações terão privilegiado posições mais altaneiras ou nas planuras, por exemplo. E frequentemente constatamos também como, ao longo dos séculos, uma mesma aldeia, vila ou cidade se expandiu ou transferiu (gradual ou repentinamente) para uma outra localização, na busca de uma maior proximidade a algum recurso natural que se lhe tornou entretanto mais importante ou mesmo indispensável.
Todos estes raciocínios poderão ser aplicados, como exercício, à localização quer das comunidades pré-históricas, quer das primeiras comunidades históricas e que em geral estão na origem das nossas atuais aldeias, vilas e cidades. Do mesmo modo e com idênticos critérios, poderemos olhar para algumas comunidades atuais ainda muito ligadas ao espaço natural, como é o caso de áreas extremamente inóspitas (nos Himalaias (FIGURA 3) ou nos Andes, por exemplo) ou tecnologicamente pouco desenvolvidas (no interior de África ou da Ásia, por exemplo). Ao buscarmos em todos esses assentamentos, passados e atuais, as razões para a sua localização, provavelmente encontraremos fortes condicionantes no espaço natural em que se inserem, incluindo, entre outros de natureza muito variada, aspetos relacionados com a paisagem e também com a disponibilidade de recursos geológicos para as suas atividades.
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