Podemos considerar que o início da interação profícua entre a Matemática e a Biologia se iniciou em meados do século XVIII, em particular com a descrição do crescimento exponencial das populações pelo matemático Leonard Euler, cinquenta anos antes de Malthus! As questões quantitativas da mortalidade e da esperança de vida do género humano, um tema central das ciências atuariais das pensões e seguros, que começaram a ser tabeladas ainda em seiscentos e motivaram uma notável memória de Euler apresentada à Academia de Ciências de Berlim em 1760, foram móbiles para o desenvolvimento da teoria das probabilidades e de métodos estatísticos. Por outro lado, nesse mesmo ano, Daniel Bernoulli apresentou à Academia de Ciências de Paris um primeiro modelo diferencial para analisar a propagação da varíola e defender as vantagens da inoculação para a prevenir, que foi um trabalho pioneiro na aplicação das equações diferenciais à variação das populações e podemos considerar, como numa carta à Nature de 2000, que “Bernoulli was ahead of modern epidemiology”.

Hoje em dia, o domínio da Biomatemática é vastíssimo e vai muito além da dinâmica das populações, da ecologia teórica à epidemiologia médica, da genética à virologia, da formação de padrões às redes neuronais, da bioestatística à análise proteómica, da biomecânica à fisiologia animal, etc. Se existem áreas da Matemática com maiores relações com a Biologia, nomeadamente, na modelação matemática e numérica, incluindo os sistemas dinâmicos, as equações com derivadas parciais, os processos estocásticos e a estatística, novas interações estão a surgir na geometria e na topologia, no tratamento de dados e nas relações com machine learning ou álgebra computacional.

Por exemplo, no encontro kick-off do ano da Biologia Matemática, realizado na Finlândia a 4 e 5 de janeiro, uma das conferências plenárias de Benoît Perthame, da Universidade de Paris-Sorbone, abordou as ligações entre dois tipos de modelos matemáticos para o crescimento de tumores: a descrição ‘microscópica’ ou ‘compressível’, à escala da densidade da população celular e uma descrição mais macroscópica ou ‘incompressível’, que é baseada num problema com fronteira livre do tipo da equação clássica de Hele-Shaw, um modelo bidimensional bem conhecido para escoamento de fluidos entre duas placas paralelas.

Outro exemplo atual decorreu do projeto multidisciplinar europeu DENFREE: flying towards the efficient control of dengue, iniciado em 2012 e coordenado pelo Instituto Pasteur, o qual teve participação portuguesa, em particular de biomatemáticos do CMAF/Universidade de Lisboa. Um dos seus objetivos constituiu na elaboração de modelos preditivos para combater a epidemia do vírus do dengue, baseados na dinâmica computacional não-linear combinada com a análise estatística de dados sobre a vacinação a nível mundial. Esses modelos permitiram conclusões relevantes e contribuíram para uma melhor administração da Denvaxia, uma vacina do dengue recomendada pelo WHO Strategic Advisory Group of Experts (SAGE) e levaram a multinacional Sanofi-Pasteur, produtora daquela vacina, a alterar a recomendação de vacinação apenas para as pessoas seropositivas. Contudo isso aconteceu com um ano de atraso face à predição do modelo do DENFREE, o que foi criticado por dois daqueles investigadores numa carta de 21-12-2017, publicada na revista The Lancet Infectious Diseases.

Portugal, que já em 2009, no bicentenário de Charles Darwin, havia acolhido o encontro The Mathematics of Darwin’s Legacy, numa organização do Centro Internacional de Matemática em colaboração com a ESMTB e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, acolhe agora o principal acontecimento do Ano da Biologia Matemática 2018, a 11th European Conference on Mathematical and Theoretical Biology (http:/ecmtb2018.org), que se realiza na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, de 23 a 27 de julho, e não poderá ficar indiferente à celebração do primeiro Dia da Biologia Matemática a 10 de outubro, que se espera ter continuidade anual e cujo logo invoca a morfogénese humana.