Esta notícia é um dos inúmeros exemplos dos efeitos do aquecimento global, termo com o qual estamos cada vez mais familiarizados, infelizmente. Este fenómeno é consequência de Gases de Efeito de Estufa, GEE (dióxido de carbono, metano e óxido de azoto, entre outros) que se acumulam na atmosfera, enclausurando o calor e tornando o planeta mais quente. A produção em larga escala de GEEs teve início na Revolução Industrial (1800)1 como resultado da combustão de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) para produção de eletricidade, aquecimento e transporte.

A preocupação em torno do aquecimento global tornou-se um assunto constante na agenda política, sobretudo nas últimas duas décadas. Os primeiros esforços coletivos resultaram no Protocolo de Quioto, em 1997, cujo objetivo era a redução das emissões de GEEs assentando nos argumentos de que i) o aquecimento global era uma realidade; e ii) o CO2 produzido por ações humanas era o seu grande causador2. O primeiro período do Protocolo terminou em 2012 e, por isso, em 2015, as Nações Unidas promoveram a assinatura do novo Acordo de Paris, o qual consiste numa atualização do antigo Protocolo de Quioto com o objetivo de “fortalecer a resposta global à ameaça das alterações climáticas, no contexto de desenvolvimento sustentável e com esforço para a erradicação da pobreza”2. O novo Acordo, ao contrário do de Quioto, estabelece metas tangíveis e quantitativas. O objetivo é manter o aumento da temperatura média global abaixo dos 2º Celsius face à temperatura global na era pré-industrial3. Para atingir tal meta, é necessário um esforço mundial, contudo, em 2017, com a saída dos EUA do Acordo de Paris, o segundo maior emissor de GEEs logo a seguir à China4, perdeu-se uma enorme contribuição. Além do peso evidente que as suas emissões têm para o estado atual do aquecimento global, em falta estarão também a diplomacia e o encorajamento proporcionados por esta força mundial.

No Acordo de Paris, uma das cláusulas exige a inclusão de energias renováveis (eólica, marítima, solar) e de biocombustíveis no mercado de energia, encorajando os países a atingir níveis mínimos da sua utilização. As metas estabelecidas para cada país vão ao encontro ao seu mercado e às matérias-primas disponíveis em cada território, favorecendo o desenvolvimento da economia.

De uma forma generalista, os biocombustíveis englobam combustíveis produzidos através de processos biológicos, como a agricultura e digestão anaeróbica, em vez de produzidos a partir de processos geológicos, como os necessários para a formação de combustíveis fósseis. Isto inclui o biodiesel (produzido a partir de óleos e gorduras orgânicas) e o bioetanol (álcool produzido através de fermentação microbiana de açúcares, seguido de destilação e desidratação), os quais serão o maior foco deste artigo. Duas grandes vantagens são apresentadas como motivadoras para o uso de biocombustíveis: fontes ilimitadas de matérias-primas renováveis, ao contrário dos combustíveis fósseis, dependentes das reservas geológicas existentes; além disso, para a produção destes biocombustíveis, a matéria-prima provém, na sua maioria, da agricultura e desperdício tornando a sua pegada de carbono neutra (o dióxido de carbono libertado durante a sua combustão é igual à quantidade assimilada durante a fotossíntese)5.

Embora o uso do biodiesel e bioetanol seja, de uma forma abrangente, positivo, é necessário reconhecer as falhas de alguns processos e a oportunidade que lobistas e sectores económicos poderão encontrar nos biocombustíveis. É por isso que o Acordo de Paris e outros conjuntos de políticas são essenciais para a implementação e regulamentação de energias renováveis e biocombustíveis. Ao lado do desenvolvimento científico e investimento monetário, é necessária uma estrita política mundial que estabeleça metas de consumo dos biocombustíveis e energias renováveis no mercado, além de um crucial controlo da indústria.

A partir da década de 70, foram feitos os primeiros investimentos nos chamados biocombustíveis de primeira geração (1G). Estes fazem uso de colheitas de produtos agrícolas, como a soja, cana-de-açúcar, milho, óleo de palma, entre outros, para a produção de biodiesel e bioetanol através de processos de trans-esterificação ou fermentação. A sua disponibilidade e facilidade de processamento permitiram a sua inserção e mistura nos combustíveis atualmente vendidos ao público6. O biodiesel pode ser diretamente utilizado nos veículos, sem qualquer alteração, no entanto, a sua utilização pode danificar o motor dos automóveis. Quanto ao bioetanol, este está presente na gasolina disponível em qualquer gasolineira, em misturas contendo até 7,5% de bioetanol no volume total.

Os biocombustíveis 1G fazem uso da colheita agrícola para fins energéticos, o que gera opiniões desfavoráveis por parte de ambientalistas (pelo uso exaustivo da terra agrícola sem compensação, desflorestação e perda de biodiversidade) e problemas éticos, tais como os levantados por responsáveis da UN, como o Dr. Jean Ziegler, que atribui aos biocombustíveis a culpa pela contínua inflação dos preços de alimentos, exacerbando a atual crise de fome mundial- “São necessários 352Kg de milho para encher um depósito de 50L de um carro. Uma criança na Zâmbia ou no México, onde o milho é um elemento básico da dieta, poderia viver com esta quantidade de milho um ano inteiro”7. Atualmente, os maiores produtores destes biocombustíveis de primeira geração são os EUA e o Brasil, utilizando cerca de parte da produção global de cereais e óleos vegetais para a produção de bioetanol e biodiesel, causando um ambiente de profunda preocupação em volta da sustentabilidade de produção de energia a médio/longo prazo. De forma a controlar a inflação no preço dos alimentos, a EU estabeleceu um limite de 7% para o uso de biocombustíveis de primeira geração como combustível de transportação8.

A segunda geração de biocombustíveis (2G) usa biomassa, isto é, qualquer fonte de carbono orgânico que é rapidamente renovado no ciclo de carbono. Os biocombustíveis de segunda geração almejam um uso ponderado de desperdícios da indústria madeireira e agrícola, ou de restos de colheitas agrícolas assim que estas preencham o seu propósito alimentar, evitando interferência com o mercado alimentar e não influenciando os preços dos alimentos básicos5.


FIGURA 1. Biocombustíveis.

A produção de arroz atingiu o seu pico em 2017, gerando 1140 milhões de toneladas de espigas de arroz, cujo destino é a incineração, compostagem, ou é simplesmente depositada em aterros. Contudo, com a 2G de biocombustíveis, é encontrado potencial energético neste desperdício agrícola9. O seu potencial deve-se à matéria lignocelulósica – celulose, hemicelulose e lignina – presente em todas as plantas, incluindo as espigas, em diferentes percentagens. Este material composto é essencial para a estrutura e resistência das plantas: a hemicelulose é a matriz que rodeia o esqueleto de celulose, enquanto a lignina funciona como uma camada protetora. As possibilidades associadas a este tipo de desperdício são inegáveis: a sua abundância e facilidade de obtenção tornam-no muito apelativo. Contudo, o gasto na recolha e transporte desta matéria suplanta os custos de produção e o seu uso continuado poderá contribuir para a erosão do solo. Além disso, para o seu aproveitamento para produção de biocombustíveis, é necessário um pré-tratamento para hidrolisar as ligações covalentes entre os três constituintes da matéria lignocelulósica e permitir a posterior fermentação anaeróbia da celulose, produzindo bioetanol. Este pré-tratamento é visto como outra das desvantagens do processo e está ainda a ser estudado e otimizado, pois de momento as alternativas disponíveis encarecem o produto final e, em alguns dos casos, dependem do uso de químicos poluentes. A esperança está então depositada no estudo de enzimas hidrolíticas, encontradas em organismos termófilos, que serão capazes de aguentar as difíceis condições de tratamento. Contudo, a dificuldade em escalar o processo de fermentação é uma das desvantagens e dos fatores limitantes para a 2G de biocombustíveis, em grande parte devido à dificuldade de monitorizar as condições de fermentação (oxigénio, pH, nutrientes, etc)9.

A terceira geração (3G) de biocombustíveis foi reconhecida como a melhor alternativa em comparação com primeira e segunda gerações, pois, surpreendentemente, faz uso de algas5. A sua enorme disponibilidade por todo o planeta e o facto de não interferirem com os mercados alimentares são os grandes embaixadores desta matéria-prima como o futuro dos biocombustíveis. Ainda que não seja uma matéria infinita, é a que de momento mais se assemelha, por existirem 70 000 espécies (30 000 documentadas)10. Estudos conduzidos atualmente estão a explorar a viabilidade energética de 30 espécies de algas, explorando a sustentabilidade, facilidade e escalabilidade da sua produção. Outras vantagens incluem a baixa manutenção necessária para o seu crescimento (luz, dióxido de carbono e nutrientes como azoto, fósforo e potássio); a facilidade com que produzem lípidos e carboidratos que podem posteriormente ser processados em diferentes biocombustíveis e outros coprodutos; a frequência com que podem ser colhidas ao longo do ano (ao contrário de outras colheitas convencionais); a baixa percentagem de hemicelulose, e a praticamente ausente lignina, facilitam radicalmente o seu pré-processamento pois a celulose é mais facilmente extraída. As desvantagens desta matéria incluem o enorme investimento inicial para a construção de infraestruturas para o seu cultivo, que pode ser ou ao ar livre (em tanques de grande dimensão) ou em foto-bioreatores (sistemas fechados altamente controlados)11. Prevê-se que em 2030, o preço de produção de combustível a partir de algas12 será 0,65 €/litro de combustível, valor muito próximo do atual preço de produção do litro de gasolina. Comparativamente aos custos de produção de outros biocombustíveis, o mais barato continua a ser o bioetanol produzido a partir de milho (1G), 0,17 €/litro, seguido de combustíveis celulósicos (2G) a 0,32 €/litro6.

É evidente que serão necessários esforços políticos e científicos, investimento e regulamentação adequados, para encontrar o caminho ideal para travar o aquecimento global. Em todas as gerações de biocombustíveis apresentadas, existem fatores que afunilam as potencialidades destas alternativas, indicando que a solução passa por criar um consórcio entre as várias possibilidades de forma a tirar o máximo partido sem danificar o planeta ou piorar a crise da fome. O próximo passo passa por substituir os biocombustíveis de 1G por soluções com maior escalabilidade. Acreditamos que nas próximas décadas serão cruciais, e depositamos esperança na investigação científica.