O estado de um computador quântico evolui de acordo com as leis da Mecânica Quântica, o que implica que qualquer registo (bit), que num computador clássico só pode estar, ou no estado 0, ou no estado 1, pode encontrar-se, num computador quântico, nestes dois estados ao mesmo tempo, de um modo semelhante ao proverbial eletrão da experiência das duas fendas, que passa por ambas. Mais precisamente, desde que a interação dos registos do computador (qubit) com o resto do mundo seja finamente controlada, os qubit podem encontrar-se em estados de sobreposição dos valores 0 e 1 tempo suficiente para realizar tarefas computacionais que são inacessíveis em tempo útil a computadores clássicos.

Em 1965, Gordon E. Moore profetizou que o custo de produção por transístor num circuito impresso cairia para metade a cada 18 meses. Esta afirmação é conhecida como a lei de Moore e constitui uma descrição não só da evolução do custo de produção, mas também do poder de cálculo dos computadores, que viria a verificar-se válida por mais de 50 anos. Porém, em 2014, a IBM anunciou que esta lei estocástica deixará de ser válida brevemente e que a tecnologia baseada em microeletrónica havia entrado em estagnação, devido essencialmente ao aumento da frequência de operação dos microprocessadores e consequente incremento do consumo de energia e dissipação de calor para além dos limites físicos desta tecnologia. Assim, e para dar resposta ao aumento contínuo das necessidades de processamento de informação, os engenheiros e cientistas procuram atualmente desenvolver novas tecnologias, sendo que uma das mais promissoras é a computação quântica.

A computação quântica é já uma realidade pois diferentes empresas desenvolveram nos últimos anos protótipos de dispositivos que se baseiam em aplicações da mecânica quântica para realizar computação de forma mais eficiente. Entre estas destacam-se o sistema da empresa D-Wave, cujo funcionamento se baseia numa combinação de processos estatísticos e térmicos num sistema quântico complexo para efetuar cálculos numéricos, e que já vende a utilização deste recurso a outras empresas. Seguindo uma abordagem tecnológica distinta, empresas como a INTEL e a IBM, disponibilizam atualmente a utilização dos seus protótipos de computadores quânticos à comunidade científica. Por outro lado, a Google e a Microsoft lançaram também os seus próprios programas de desenvolvimento de computadores quânticos. Se o século XX foi o século da construção da teoria da mecânica quântica, o século XXI inicia-se com uma verdadeira corrida tecnológica no desenvolvimento de aplicações desta teoria. Obviamente, a teoria quântica é a descrição fundamental do comportamento da matéria e da energia e qualquer tecnologia pode ser explicada com recurso a esta teoria. No fundo, desde o átomo até à maçã que cai da árvore (e os físicos adoram utilizar maçãs para explicar o Universo), tudo pode ser descrito e compreendido de uma perspetiva quântica. Porém, o que verdadeiramente distingue as chamadas tecnologias quânticas é que o seu funcionamento apenas pode ser justificado pela teoria quântica.

Para perceber o que é um computador quântico e em que difere dos computadores atuais, é importante constatar que na sua essência um computador armazena e manipula informação codificada sob a forma de dados. Informação por sua vez não é mais que uma representação das propriedades de algo. Por exemplo, podemos falar da informação sobre o estado de maturação de uma maçã (e cá temos mais uma vez uma maçã no centro de uma explicação): uma maçã pode estar verde ou madura. A informação sobre o estado de maturação permite saber essa propriedade sem ter de a medir ou observar diretamente a maçã. Para inscrever essa informação num computador é necessário codificá-la sob a forma de um estado de memória da máquina. Num computador clássico, cada registo de memória designa-se por bit e pode tomar um de dois estados, que por tradição chamamos de “0” e “1”. Este estado pode corresponder à orientação do momento magnético de um conjunto de átomos ou à carga elétrica acumulada num condensador, mas corresponde sempre ao estado físico de um componente da máquina. Nos computadores atuais cada registo de memória é composto por vários átomos à temperatura ambiente pelo que o seu comportamento físico é adequadamente descrido pelos modelos da física clássica.

Ocorre que, se em vez de um componente microscópico do computador, o registo de memória é algo como um único átomo, o seu comportamento tem de ser descrito pelas leis da mecânica quântica. Neste caso, o registo de memória não tem apenas dois estados “0” e “1” mas uma infinidade de estados que possuem propriedades híbridas entre os estados “0” e “1”, graças a uma propriedade conhecida com sobreposição quântica. Um computador quântico baseia-se neste tipo de registos de memória governados pelas leis quânticas, os chamados qubits. Notar que os eletrões que percorrem os circuitos de um computador clássico são partículas com propriedades quânticas, e nesse aspeto em nada distintas das utilizadas nos computadores quânticos. Contudo, um impulso elétrico resulta do movimento de muitos eletrões, cada um interagindo de forma diferente com os restantes e com os átomos que vai encontrando no caminho, pelo que no final o seu estado quântico é parecido, mas não é igual. Essa variabilidade implica que o resultado não pode ser codificado no estado quântico dos eletrões, mas nas propriedades médias do seu conjunto, as quais são descritas pela teoria clássica. Num computador quântico, o controlo da evolução do estado quântico das várias partículas envolvidas é de tal forma cuidadoso que essa variabilidade é praticamente nula ou pelo menos bem conhecida, e é possível utilizar esses estados para codificar e processar informação.

Por se basear em registos de memória quânticos, um computador quântico tem necessariamente mecanismos de operação diferentes. Por exemplo, num computador clássico para operar um cálculo é necessário destruir a informação contida nos dados, aumentando a entropia do sistema e levando à produção de calor. Num computador quântico cada cálculo elementar corresponde a uma transformação quântica e reversível, pelo que o processo não gera calor. Por outro lado, as leis da mecânica quântica permitem efetuar operações e algoritmos sobre qubit que não são possíveis num computador clássico, assim e em princípio o poder de cálculo de um computador quântico é superior.

Note-se que num computador as operações correspondem a transformações físicas que relacionam o estado inicial com o estado final do registo de memória. Como num computador quântico os registos de memória podem assumir uma gama maior de estados do que num computador clássico, é fácil perceber que o tipo de operações permitido pelo primeiro tipo de computador é mais rico. Por outro lado, foi sugerido que a sobreposição quântica possa ser utilizada para implementar computação paralela, que permitiria em princípio codificar simultaneamente os dados correspondentes a diversos casos no mesmo registo de memória e ao efetuar sobre este as operações quânticas, processá-los de forma simultânea no mesmo circuito quântico. Infelizmente, existem ainda desafios práticos quanto à forma como os resultados obtidos via este paralelismo quântico podem ser medidos, e as vantagens desta abordagem não são ainda claras.

Porém, realizar um computador quântico não é fácil, e atualmente existem apenas uma mão cheia de protótipos capazes de realizar alguns tipos de operações ou cálculos sobre um pequeno número de qubit. De facto, controlar o estado quântico de um grande conjunto de qubits não é fácil. Primeiro é preciso arrefecer todo o sistema até temperaturas criogénicas pois, embora as operações quânticas não gerem calor, basta a muitos sistemas físicos aquecerem acima de um grau Kelvin para que as suas propriedades quânticas se tornem muito difíceis de identificar e controlar. Depois é preciso preparar o sistema num estado quântico inicial que corresponda à codificação adequada da informação que se quer processar sob a forma de qubits, bem como atuar sob este de forma a despoletar as transformações físicas que produzam os cálculos desejados. E por fim, medir o estado final dos qubits de forma extrair os resultados dos cálculos. Todos estes processos exigem um controlo físico muito sofisticado e que possui ainda grandes limitações.


FIGURA 1. Um computador quântico é constituído por vários sistemas com propriedades marcadamente quânticas, como átomos, que ao interagirem entre si processam informação, convertendo um estado inicial, \(\mid \psi_{in}>\) (constituído por vários qbits) num estado final \(\mid \psi_{out}>\) (também ele constituído por vários qbits). Desenvolver um computador quântico exige um fino controlo do estado da matéria e da forma como os seus constituintes interagem entre si.

É muito provável que a transição entre a tecnologia de computadores atual e a computação quântica seja lenta e não passemos todos a ter um computador quântico de um dia para o outro. De facto, parece que a tecnologia quântica está a ter uma evolução que mimetiza a história do seu congénere clássico. Tal como o seu antepassado, os computadores quânticos ocupam hoje edifícios inteiros devido a todos os equipamentos necessários para que possam funcionar e a sua utilização está ainda limitada a cientistas e especialistas que pretendam explorar as suas capacidades. Porém, é de esperar que com o desenvolvimento desta tecnologia, o aumento do seu poder computacional e redução de tamanho, o computador quântico ganhe um papel cada vez mais importante na sociedade humana, permitindo processamento mais eficaz e rápido da informação, permitindo ao espírito e curiosidade humana espreitar onde antes não era possível.