Eis a famosa equação de Dirac:


\((i{\partial \!\!\!{\big /}}-m)\psi =0\,\)


Podemos admirar a economia de símbolos, ou a beleza dos tipos usados, mas em que medida é bela esta equação? Como compará-la com o Bal du Moulin de la Gallete de Renoir, ou com o teto da Capela Sistina de Michelangelo?

Temos que reconhecer que a beleza a que se refere Dirac e tantos físicos e matemáticos é iniciática, reservada a bons conhecedores do significado e alcance das equações e teorias, e do contexto em que se inserem. Esta equação, para o seu descobridor, era o pináculo de uma imponente estrutura, que caracterizou de modo algo grandiloquente:


“The underlying physical laws necessary for the mathematical theory of a large part of physics and the whole of chemistry are thus completely known.”


Concorde-se ou não com esta caracterização, o certo é que quem explora a equação de Dirac não pode deixar de ficar impressionado com o poder da síntese que realiza entre a Relatividade e a Mecânica Quântica, que lhe assegura, realmente, um papel fulcral em quase toda a Física e toda a Química. Unificar uma gama tão vasta de fenómenos com uma ideia que se expressa com tanta economia e simplicidade é o que os Físicos tomam como “belo”. Mas é precisamente por causa da especificidade deste conceito de “belo” que não esperamos ver filas de turistas horas à espera para contemplar a equação de Dirac, como fazem no museu do Vaticano ou na Galeria degli Uffizi em Florença.

Os valores estéticos, contudo, são património comum da humanidade e os cientistas deles partilham, embora a sua sensibilidade possa ser “colorida” pela sua vivência da ciência.

Uma das áreas mais ricas em imagens de apelo universal é a de mecânica de fluidos. A razão talvez tenha a ver com a inexistência de escalas intrínsecas de tempo e comprimento. É precisamente por essa razão que os fractais têm um apelo tão forte ao nosso sentido estético, ao permitirem estruturas delicadas, auto-semelhantes, geradora de surpresas inesgotáveis, à medida que a nossa atenção se prende em detalhes cada vez mais finos. No caso de fluidos, meios contínuos, as equações que descrevem o seu movimento não contêm parâmetros de comprimento intrínsecos, e são as dimensões dos obstáculos ou fronteiras sólidas que acabem por definir a escala das estruturas dos escoamentos.

Seja como for, a descoberta que a esteira do escoamento do ar à volta de uma bola de ténis, ou de uma asa de avião, apresenta semelhanças com a que ocorre num arquipélago como o das Canárias, numa escala de centenas de quilómetros, não pode deixar de nos surpreender e maravilhar.


FIGURA 1. Os ventos dominantes nas Canárias sopram de Nordeste e a presença das ilhas cria uma esteira na atmosfera, que fica visível porque afeta a reflexão da luz no mar. (fonte: NASA)

A imagem da capa foi obtida pelo MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer) da NASA, um satélite que cobre toda a superfície da Terra em 1 a 2 dias em 36 bandas espectrais. Os ventos afetam as características da superfície do oceano, agitando ondas picadas em certos locais e alisando-a noutros. Isso origina diferenças no modo como a luz é refletida no oceano e torna visível a esteira do escoamento da atmosfera à voltas das Ilhas Canárias. De acordo com a experiência dos mareantes, no sotavento cruzam-se frequentemente ventos com direção oposta aos ventos dominantes do barlavento (que sopram de nordeste) e a turbulência resultante é visível numa longa linha ondulada de nuvens, que se estende centenas de quilómetros a sul de Tenerife, a segunda ilha a contar da direita.