No primeiro Congresso de Química – 1860

A Humanidade levou muito tempo a chegar aos Elementos. Entre a Terra, a Água, o Ar e o Fogo de Empédocles, os 12 signos do Zodíaco, os sólidos platónicos e a “quinta-essência” aristotélica, por um lado, e a lista das 33 “substâncias simples” de Antoine Lavoisier (1743-1794), por outro, decorreram muitos séculos; e, mesmo assim, pelo menos duas das “substâncias simples” de Lavoisier não eram materiais, ou melhor, só o eram “potencialmente”: a “luz” e o “calor”. Estamos em 1789.

Depois, a evolução foi bem mais rápida, mas com alguma perturbação pelo caminho. Um caso típico e muito influente é o do “peso atómico”1. Seria o “peso atómico” do oxigénio 8 ou 16? Seria a fórmula da água HO ou H2O? Ao ácido acético chegaram a ser atribuídas 19 fórmulas diferentes, contadas estas por August Kekulé (1829-1896). Amedeu Avogadro (1776-1856) apresentou a solução em 1811. A conhecida “Hipótese de Avogadro” diz o seguinte: Volumes iguais de qualquer gás, à mesma temperatura e pressão, contêm o mesmo número de partículas. Não foi entendido, parecia que um “átomo” podia ter mais do que um átomo.

Os químicos andavam desorientados e pediram um congresso. O primeiro Congresso de Química teve lugar em Karlsruhe (Alemanha) em 1860. Finalmente, clarificou-se a noção de átomo e a noção de molécula, todos ouviram o jovem químico italiano Stanislao Cannizaro (1826-1910) explicar a Hipótese de Avogadro. A partir daqui, vai ser possível estabelecer uma tabela credível, e única, de “pesos atómicos” dos elementos.

Em Karlsruhe estavam outros jovens: William Odling (1829-1921), britânico, 31 anos, Julius Lothar Meyer (1830-1895), alemão, 30 anos, e Dmitri Ivanovitch Mendeleiev (1834-1907), russo, 26 anos.


Na senda do sistema periódico

Quem reconheceu pela primeira vez que as propriedades dos elementos químicos podiam ser função dos seus “pesos atómicos” foi o geólogo francês Alexandre-Émile Béguyer de Chancourtois (1820-1886). Em 1862, representou os elementos ao longo de uma espiral inscrita num cilindro – o “parafuso telúrico” (Tellus significa terra em latim) – de tal modo que a periodicidade das suas propriedades era visível em elementos colocados em geratrizes do cilindro: Li e Na numa, Mg, Ca, Fe, Sr e Ba noutra, por exemplo; não separava os elementos de transição. Talvez por ser geólogo e não publicar em revistas tradicionalmente de química, não esteve em Karlsruhe e o seu trabalho não foi atempadamente reconhecido.

Em 1863 e anos seguintes, o químico britânico John Newlands (1837-1898) agrupou os elementos numa tabela, atendendo à analogia das suas propriedades e em sucessão dos seus “pesos atómicos”. Foi o primeiro a trocar a posição dos elementos iodo e telúrio e a propor uma lei periódica, com um período de 8 elementos. Chamou-lhe “Lei das Oitavas”. Comparou elementos químicos e notas de música e os químicos insurgiram-se ainda antes de compreenderem a inovação que ele trazia. Newlands não detinha um posto académico, nem estivera em Karlsruhe.

O seu compatriota William Odling, a quem já fizemos referência, era um químico distinto e estivera em Karlsruhe. Ao mesmo tempo, mas de forma porventura independente de Newlands, alinhou os elementos pelo “peso atómico” e reconheceu a periodicidade das propriedades químicas – a repetição ocorria com um período de 16 unidades no “peso atómico”. A distinção entre “átomo” e “molécula” fazia toda a diferença. Nas suas considerações de semelhança, Odling sentiu necessidade de separar alguns elementos – principalmente metais de transição – do conjunto fundamental; de forma implícita, antecipava a existência de subgrupos, o que terá o seu desenvolvimento com Mendeleiev.

Em 1864, o professor alemão Julius Lothar Meyer publicou um livro de texto onde inseriu uma tabela com 28 elementos, alinhados de acordo com o aumento dos seus “pesos atómicos”. Tinham-se passado quatro anos sobre a conferência de Karlsruhe, onde, disse-nos ele, “todas as minhas dúvidas desapareceram”. São claras as relações dos elementos na horizontal. Faltam ainda 5 anos para Mendeleiev fazer o mesmo. Quando, em 1868, Lothar Meyer preparou uma segunda edição do seu livro, expandiu a tabela de forma a incluir mais 24 elementos, novas famílias e entradas para eventuais novos elementos. A tabela não foi então publicada; desconhece-se a razão. Só em 1895, após a morte de Lothar Meyer, um seu colega finalmente a publicou. Tarde demais.

Em março de 1869, Mendeleiev após terminar o seu livro “Os Princípios de Química2, onde apresenta a sua primeira Tabela Periódica (FIGURA 1), expôs em sessão da Sociedade Russa de Química, as suas ideias sobre a classificação periódica dos elementos: “Os elementos, se organizados de acordo com os seus “pesos atómicos”, exibem uma evidente periodicidade de propriedades”. E continuou, referindo a disposição em acordo com as valências, os elementos cujos “pesos atómicos” estariam erradamente determinados (iodo e telúrio, para os quais inverteu a posição na Tabela, por exemplo) e elementos desconhecidos que “devemos esperar que sejam descobertos”; para estes, avançou valores de “peso atómico” e propriedades características.


FIGURA 1. Dmitri Mendeleiev e a Tabela Periódica original (1869).

Ainda em março de 1869, enviou 200 cópias da sua Tabela Periódica, que ele mandara imprimir, para químicos de renome na Rússia e no resto da Europa 1, 4, 5, 6.


O sucesso de Mendeleiev

Em 1889 Mendeleiev foi convidado pela Chemical Society britânica a fazer uma Faraday Lecture em Londres3 – uma grande honra. Era, então, o incontestável vencedor da aventura denominada “Tabela Periódica”. Na sua persistente luta pela prioridade, deixara todos os adversários para trás. Mas, pergunta-se, o que fez Mendeleiev que os outros não tivessem já feito? A lei periódica pode ser atribuída a Chancourtois; Newlands e Lothar Meyer trocaram a posição de elementos na Tabela antes de Mendeleiev; Lothar Meyer, embora timidamente, fez previsões de elementos por descobrir; Odling e Lothar Meyer também propuseram a separação dos elementos de transição... A diferença reside em que o trabalho de Mendeleiev engloba todos estes aspetos e a sua versão foi, de longe, a que maior impacte teve na comunidade científica, fruto da sua acérrima e criteriosa divulgação; e, sem dúvida, no facto de três elementos “que antes dela eram inacessíveis à visão química” terem sido descobertos em tempo de sua vida: o gálio, o germânio e o escândio, que ele denominara eka-alumínio, eka-silício e eka-boro, respetivamente (eka significa “análogo a”). O gálio foi descoberto pelo químico francês Paul-Émile Lecoq de Boisbaudran (1838-1912), em 1875, o germânio pelo alemão Clemens Alexander Winkler (1838-1904), em 1886, e o escândio pelo sueco Lars Fredrik Nilson (1840-1899), em 1879.

Outros “elementos” cuja existência foi prevista por Mendeleiev nunca foram encontrados. E muitos foram os elementos que vieram a ser descobertos de que ninguém suspeitava a existência. Terras raras em profusão e um novo grupo, os gases nobres ou raros. Onde acomodá-los? Depois de um período de negação e desânimo, veio a sua introdução lógica entre os halogéneos e os alcalinos ou, por outras palavras, numa nova coluna à direita na Tabela. Esta foi a sugestão de Ramsay que Mendeleiev acabou por aceitar respondendo-lhe, em 1902, que essa colocação era uma “gloriosa confirmação da aplicabilidade geral da lei periódica“.

É justo reconhecer que Mendeleiev foi mais longe do que os demais. A “essência da prioridade” está subjacente às suas próprias palavras: “Essa pessoa é justamente considerada como a criadora de uma ideia científica particular que se apercebe não apenas do seu aspeto filosófico, mas do seu aspeto real, e que entende de modo a ilustrar a temática, para que todos se possam convencer da sua verdade. Só então a ideia em si, como matéria, se torna indestrutível2.