Copenhagen
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- Universidade do Porto
Referência Lage, E., (2019) Copenhagen, Rev. Ciência Elem., V7(4):068
DOI http://doi.org/10.24927/rce2019.068
Palavras-chave Heisenberg, Bohr, Copenhaga
Resumo
A peça Copenhagen que, em 2003, a Seiva Trupe levou à cena no Teatro do Campo Alegre (Porto), trata de um assunto que, à primeira vista, pouco interesse despertaria na maioria dos espectadores. Contudo, o reconhecido êxito que a peça obteve deve-se tanto ao excelente desempenho dos três únicos atores como à qualidade do autor (Michael Fraym) que soube transformar um encontro de dois amigos, num dia de Setembro de 1941, numa Copenhaga ocupada pelos nazis, num drama onde se cruzam reminiscências da época gloriosa da fundação da teoria quântica (quase totalmente criada na capital dinamarquesa e que, por isso, é conhecida por interpretação de Copenhaga), com o próprio cenário de guerra, num ambiente de medo e hostilidade, mas conduzindo subtilmente o espectador a uma atitude de ambiguidade quanto à finalidade do encontro entre dois dos maiores físicos do séc. XX – o dinamarquês e judeu Niels Bohr (1885-1962) e o alemão Werner Heisenberg (1901-1976) – e onde a terceira personagem (Margaret, mulher de Bohr) não é mera espetadora, antes marcando a presença do senso comum (e, com ele, o espetador) no debate histórico.
Heisenberg e Bohr têm de ser considerados os criadores da Física Quântica, a mais completa e precisa teoria que temos dos fenómenos físicos, não obstante a estranheza dos seus conceitos que chocam o bom senso. Se o primeiro descobriu o formalismo e o princípio da incerteza, ao segundo devemos a sua interpretação e o princípio da complementaridade, obrigando-nos a conciliar verdades contraditórias. Amigos desde o seu encontro inicial, cedo se estabeleceu uma relação familiar, com Heisenberg a procurar os conselhos de Bohr não só para problemas científicos, mas também filosóficos, sociais ou políticos.
Como físicos nucleares, participam na teoria da fissão do núcleo de urânio, descoberta por Otto Hahn e interpretada por Lise Meitner, em finais de 1938, menos de um ano antes de se iniciar a II Guerra Mundial. Em Janeiro de 1939, Bohr compreende que é o U235 o núcleo físsil e, no mesmo mês, Fermi, já em Chicago, observa a Uhlenbeck que grande parte daquela cidade seria destruída se fosse possível explodir uma bomba baseada na fissão. Mas o U235 é uma pequeníssima fração do urânio natural, dificilmente separável do U238, duvidando-se que uma bomba pudesse ser construída. Contudo, em Março de 1940, num célebre memorando para o Governo Britânico, Rudolf Peierls e Otto Frisch apresentam uma estimativa da massa crítica, que se viria a revelar quase dez vezes inferior à real, enquanto, no mesmo ano, Heisenberg calcula essa massa crítica obtendo um valor quase dez vezes superior à real! E em Dezembro de 1942, Fermi constrói a primeira pilha nuclear, demonstrando assim não só que era possível extrair energia, de forma controlada, da fissão do U235, como obtendo plutónio, um elemento químico diferente e, portanto, mais facilmente separável, o que seria conseguido, um pouco mais tarde, por Glenn Seaborg.
É neste ambiente que Heisenberg visita Bohr. Que problemas quis Heisenberg discutir com Bohr naquele setembro de 1941, quando o exército nazi dominava a Europa continental? Pretenderia obter segredos dos avanços aliados na construção da bomba? Ou desejaria transmitir a informação que ele não a desenvolveria na Alemanha? As duas hipóteses poderão ser ambas verdadeiras porque, já no pós-guerra, Bohr recorda desse encontro a impressão da primeira hipótese, enquanto Heisenberg relembra a segunda, memórias complementares e mutuamente exclusivas. Da ambiguidade do encontro, duas certezas – a rutura da amizade e o desenvolvimento acelerado do projeto Manhattan que terminaria em Hiroshima e Nagasaki, alterando definitivamente o conceito de guerra. Mas a ambiguidade maior reside na responsabilidade moral do cientista quando descobre o poder terrível a que pode conduzir a investigação mais esotérica e desinteressada - parar ou continuar? A peça não dá resposta, porque não há resposta.
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