A caixa de Bertrand
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- * Instituto Politécnico de Beja
- ɫ Instituto Politécnico de Portalegre
Referência Santos, C., Dias, C., (2020) A caixa de Bertrand, Rev. Ciência Elem., V8(4):055
DOI http://doi.org/10.24927/rce2020.055
Palavras-chave probabilidades condicionadas, cálculo
Resumo
A resolução de problemas que envolvem o cálculo de probabilidades condicionadas, em situações em que a redução do espaço amostral passa despercebida, conduzem, frequentemente, a soluções equivocadas, fruto da reduzida intuição probabilística do ser humano. A “Caixa de Bertrand” é um dos mais famosos problemas em que se manifesta o conflito entre intuição e probabilidades.
No ensino das probabilidades, o conceito de probabilidade condicionada é introduzido, frequentemente, associado às técnicas formais de contagem, em experiências que consistem em “extrações sem reposição”. Nestas experiências, a noção de probabilidade condicionada e de redução do espaço amostral são bem explícitas, pelo que a resolução de problemas que envolvam situações deste tipo não se reveste de qualquer complexidade. Existem, no entanto, muitos problemas de probabilidades condicionadas em que, sendo mais difícil a visualização da situação, a redução do espaço amostral passa despercebida abrindo caminho para que a reduzida intuição probabilística do ser humano entre em conflito com a noção de probabilidade. Para ilustrar a manifestação deste tipo de equívoco destaca-se muitas vezes um episódio que envolve D’Alembert (1717–1783), um dos mais notáveis intelectuais do séc. XVIII, em que este apresentou uma solução errada a um problema, envolvendo o lançamento de uma moeda duas vezes e em que era questionado “qual a probabilidade de se obter pelo menos uma cara?”. O raciocínio apresentado por D’Alembert assumia que, ao lançar uma moeda duas vezes, há 3 resultados possíveis (duas caras, duas coroas ou uma cara e uma coroa), o que conduziu à resposta errada de ⅔. Na realidade, os resultados possíveis nesta experiência são 4 (cara-cara, coroa-coroa, cara-coroa e coroa-cara) e, portanto, a resposta correta é ¾.
Na literatura são inúmeras as referências a equívocos, no cálculo de probabilidades, relacionados com a deficiente intuição probabilística do ser humano e a sua manifestação nas mais diversas situações. Um problema clássico, em que são frequentes respostas que violam as regras das probabilidades, é o famoso problema da “Caixa de Bertrand”, que foi enunciado, pela primeira vez, pelo matemático francês Joseph Bertrand, na sua obra Calcul des probabilités, de 1889.
Problema da “Caixa de Bertrand”
Existem três caixas idênticas, fechadas. Sabe-se que uma das caixas contém duas moedas de ouro, outra duas de prata e a terceira uma de prata e uma de ouro. Após a escolha aleatória de uma das caixas, é extraída uma moeda que se verifica ser de ouro. Desconhecendo- se qual era o conteúdo inicial da caixa, pretende-se saber qual a probabilidade de a outra moeda, dessa mesma caixa, ser também de ouro.
A resposta ½ é a que se obtém, mais frequentemente, ao problema da “Caixa de Bertrand” e é equivocada. O equívoco, tal como destacou o próprio Bertrand, está em assumir que a probabilidade de a moeda que ficou na caixa, ser de ouro é igual à probabilidade de ser de prata. Essa conclusão equivocada tem por base uma primeira conclusão correta, de que, se a moeda extraída era de ouro, a caixa escolhida terá sido ou a que tem duas moedas de ouro ou a que tem uma moeda de ouro e outra de prata. Mas, como veremos mais em pormenor a seguir, o facto de ter saído uma moeda de ouro atribui diferentes probabilidades de escolha a cada uma destas duas caixas.
Na FIGURA 2, representámos as três caixas, designando-as A, B e C, e respetivos conteúdos, numerando as moedas de ouro, de 1 a 3, por uma questão de facilidade de identificação.
O enunciado do problema informa que a moeda extraída é de ouro, donde concluímos que a caixa donde saiu essa moeda não poderá ser a que contém apenas moedas de prata. Concretizando, na ilustração deste problema, este facto corresponde à impossibilidade de ter sido escolhida a caixa B.
Para a caixa A (e de forma semelhante para a caixa C), consideremos a experiência aleatória que consiste em extrair duas moedas consecutivamente da caixa.
- No caso da caixa A, o espaço amostral da experiência é o conjunto \(\Omega=\left [ \left ( Ouro1,Ouro2 \right ),\left ( Ouro2,Ouro1 \right ) \right ]\), onde \(\left ( Ouro1,Ouro2 \right )\) representa o acontecimento em que a moeda retirada na 1ª extração foi a moeda \(Ouro1\), tendo ficado na caixa a moeda \(Ouro2\).
- No caso da caixa C o espaço amostral da experiência é o conjunto \(\Omega=\left [ \left ( Ouro3,Prata \right ),\left ( Prata,Ouro3 \right ) \right ]\).
Como sabemos que a (primeira) moeda extraída foi de ouro, o acontecimento \((Prata,Ouro3)\) não está nas condições do problema, restando-nos três acontecimentos \((Ouro1,Ouro2)\), \((Ouro2,Ouro1)\) e \((Ouro3, Prata)\). Como, destes acontecimentos, apenas o primeiro e o segundo cumprem o que é pretendido - existir outra moeda de ouro na caixa de onde se retirou a primeira moeda de ouro, a probabilidade solicitada é de ⅔.
Perante a elevada frequência com que ocorre o equívoco descrito, o problema da Caixa de Bertrand deu origem a diversas variantes, entre as quais está o jogo de apostas “Três cartas no chapéu”, popularizado por Martin Gardner, que tem como base uma carta com duas faces pretas, uma carta com duas faces vermelhas e uma carta com uma face preta e outra vermelha e o jogo das portas, conhecido como problema de Monty Hall, apresentado no concurso televisivo ”1,2,3” em Portugal, e noutros concursos semelhantes, um pouco por todo o mundo.
Referências
- 1 BARRIO-GUTIÉRREZ, J. La teoría de las probabilidades y la realidad, REDINET. 1984.
- 2 CLARK, M. Paradoxes from A to Z, 3rd. ed. Routledge. 2012.
- 3 GARDNER, M. Ah, Apanhei-te!, Gradiva. 1993.
- 4 TARR, J. & LANNIN, J. How can teachers build notions of conditional probability and independence?, In: Jones G.A. (eds) Exploring Probability in School. Mathematics Education Library, Springer, Boston, MA, 40, 215-238. 2005.
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