A fragmentação dos habitats naturais é um dos principais fatores que conduz à perda de biodiversidade1, criando uma matriz de pequenas manchas de habitat isolados onde as populações persistem2. Este isolamento contribui para a diminuição do fluxo génico (migração de genes entre populações), o que leva à diminuição da viabilidade das populações através do aumento da consanguinidade, da redução da diversidade genética e da capacidade de adaptação dos indivíduos (FIGURA 1)3. As alterações climáticas amplificam estes efeitos porque criam condições ambientais que podem estar para além da tolerância fisiológica das espécies, com consequências negativas, por exemplo na sobrevivência ou no sucesso reprodutor4. Por isso, tanto a fragmentação dos habitats como as alterações climáticas levam ao declínio das populações e à extinção de espécies quando estas são incapazes de se adaptarem às novas condições ou têm uma baixa capacidade de dispersão5.


FIGURA 1. Esquema simplificado dos diferentes efeitos da fragmentação dos habitats naturais nas espécies e populações, os quais conduzem a um aumento do risco de extinção. A conectividade da paisagem como uma medida para mitigar os efeitos negativos da perda do habitat está representada pela seta verde.

A conectividade da paisagem facilita o movimento de indivíduos entre diferentes locais6. Por um lado, a conectividade estrutural foca-se na configuração espacial da paisagem, avaliando a continuidade física do habitat, tais como corredores, sem considerar os aspetos biológicos da paisagem7. Por outro lado, a conectividade funcional considera o comportamento das espécies perante a paisagem, avaliando a capacidade de dispersão dos indivíduos e estimando quais os corredores utilizados entre habitats isolados8. Uma rede coesa de corredores que interliguem habitats adequados à persistência através de zonas desfavoráveis permite tanto os movimentos de indivíduos entre as diferentes populações isoladas como facilita a potencial colonização de novos habitats, permitindo assim a dinâmica de metapopulações. Esta dinâmica resulta do equilíbrio entre extinção e colonização de populações, o qual é mantido através do movimento de indivíduos entre populações9. A migração conduz a um aumento periódico na entrada de novos genes de populações adjacentes, o que contribui para o aumento da variabilidade genética e do potencial de adaptação a alterações ambientais, diminuindo assim o risco de extinção (FIGURA 1)10.

Em ecossistemas aquáticos, a conectividade é essencialmente assegurada através da rede hidrográfica. As espécies aquáticas movem-se na paisagem através dos rios, de forma ativa ou passiva, colonizando novos habitats favoráveis e alcançando novas populações, sendo responsáveis pela dinâmica metapopulacional11. A conectividade hidrológica da paisagem é particularmente importante em regiões áridas, onde a disponibilidade de água nos rios é fortemente sazonal12. Consequentemente, a dispersão está restrita à época das chuvas, quando a rede hidrográfica está conectada. No entanto, a disponibilidade da água pode igualmente flutuar anualmente devido às oscilações climáticas, resultando em períodos de seca que impossibilitam a dispersão através dos rios. Estes fenómenos são particularmente evidentes no Sael, uma ecoregião que se estende por 3 000 000 km2 entre o Deserto do Saara a norte e as savanas sub-húmidas a sul13. Esta região experienciou fortes oscilações climáticas desde o Pleistoceno, as quais modificaram os habitats existentes13. No último período húmido (há cerca de 4000 anos), prados e mega-lagos cobriam grande parte do atual Sael, mas estes contraíram- se à medida que a precipitação diminuiu e a região aridificou14. Estas oscilações climáticas e as mudanças no coberto vegetal tiveram consequências na distribuição das espécies, contribuindo para o isolamento de populações e, por vezes, para a diversificação de novas formas15. Atualmente, espécies adaptadas a ecossistemas aquáticos persistem em refúgios climáticos, habitats isolados que reúnem as condições favoráveis para a sobrevivência das espécies, muitas vezes retendo água durante todo o ano16. Estes frágeis sistemas são fortemente vulneráveis às alterações climáticas. A diminuição acentuada na precipitação prevista para o Sael poderá afetar a viabilidade de várias populações17.

As montanhas da Mauritânia atuaram como refúgio durante os ciclos climáticos passados, mantendo populações isoladas de espécies aquáticas numa região essencialmente árida15. Nestas montanhas encontram-se lagoas (conhecidas localmente como gueltas) com elevada riqueza biológica, concentrando espécies endémicas e ameaçadas, categorizando- se como hotspots locais de biodiversidade (FIGURA 2 A))16. Muitos gueltas retêm água durante a época seca, permitindo a persistência de espécies aquáticas durante todo o ano. É o caso do crocodilo-do-deserto (Crocodylus suchus), o qual persiste nos gueltas quando os rios e as zonas húmidas envolventes secam (FIGURA 2 B))18.


FIGURA 2. Refúgios climáticos na Mauritânia. A) guelta Tartêga na montanha do Tagant. B) Crocodilo-do-deserto (Crocodylus suchus) no guelta Tartêga.

Para esta e muitas outras espécies aquáticas, a conectividade entre gueltas é crucial para manter a dinâmica metapopulacional local e a respetiva viabilidade das populações. Durante a época das chuvas, os gueltas anteriormente isolados ficam conectados através da rede hidrográfica que se forma com o reaparecimento dos rios sazonais19. Desta forma, os crocodilos podem dispersar entre gueltas durante a época das chuvas e garantir o fluxo génico entre as diferentes populações, maioritariamente isoladas nas lagoas (FIGURA 3)20.


FIGURA 3. Esquema simplificado de um sistema de metapopulacional nas lagoas montanhosas da Mauritânia. A migração de indivíduos é representada pelas setas, a qual tem por norma o sentido montante para jusante.

Ao longo de várias gerações, alguns indivíduos conseguem atingir o rio Senegal, o único rio permanente na Mauritânia, garantindo a sobrevivência das populações a jusante18. Assim, as populações montanhosas funcionam como fonte de novos genes, à medida que os indivíduos dispersam entre gueltas ao longo da rede hidrográfica. Consequentemente, a dispersão atenua os efeitos do isolamento populacional, contribuindo para a manutenção da diversidade genética local e da capacidade de adaptação às alterações climáticas, diminuindo assim o risco de extinção local8, 20. Tal como no caso dos crocodilos, diversas espécies de anfíbios e peixes21 mantêm sistemas metapopulacionais nas diferentes montanhas, dependentes da conectividade hidrográfica para a persistência. Estes locais são também importantes pontos de paragem durante a migração de algumas espécies de aves, como no caso da cegonha-preta (Ciconia nigra)22.

A biodiversidade presente nos refúgios climáticos em zonas áridas enfrenta diversas ameaças que colocam em causa a viabilidade das populações encontrada nestes locais. O aumento da intensidade e frequência de fenómenos extremos relacionados com as alterações climáticas, bem como o aumento das atividades humanas, ameaçam a persistência de muitas espécies15. Por isso, a proteção destes locais e dos corredores que asseguram a conectividade entre populações isoladas é essencial para garantir a sobrevivência destas populações e reduzir a vulnerabilidade às alterações climáticas8.