A divulgação da ciência é uma etapa fundamental e indispensável na investigação científica, pois permite diminuir a distância entre a ciência, a tecnologia e a inovação e a sociedade em geral, aumentando a confiança dos cidadãos nos avanços científicos e tecnológicos e simultaneamente melhorando a sua formação, cultura e conhecimentos técnico-científicos3.

De igual forma, a divulgação científica aumenta a visibilidade do trabalho desenvolvido, ressalva a importância da investigação nas diferentes áreas disciplinares e revela como os resultados obtidos podem contribuir para a solução de problemas atuais da sociedade. A divulgação e/ou comunicação da ciência tem ainda uma função essencial na transmissão e na atualização de conhecimentos para o público escolar, professores e alunos, tanto no ensino básico, como no secundário: serão os jovens em idade escolar os investigadores do futuro.

Com o principal objetivo de potenciar a comunicação e divulgação das investigações desenvolvidas na Universidade da Cantábria (UC, Santander, Espanha)2, a sua Unidad de Cultura Científica y de la Innovacción (UCC+i) lança, periodicamente, um desafio à comunidade estudante de doutoramento através do #PhDenlaUC, um concurso orientado para a divulgação dos trabalhos de doutoramento em desenvolvimento na instituição, nos diversos planos doutorais disponíveis.

O trabalho desenvolvido no âmbito deste concurso, dirigido a um público generalizado, é realizado em duas fases: uma escrita e outra visual que inclui uma imagem e uma apresentação oral para divulgação nas redes sociais. De acordo com as regras estabelecidas, o texto apresentado deve ter um título conciso (máximo 50 caracteres incluindo espaços), apresentar os objetivos da investigação, o trabalho desenvolvido, os resultados preliminares e qual o retorno para a sociedade de forma clara, simples e divulgativa, não ultrapassando os 3000 caracteres (incluindo espaços). A imagem deve estar relacionada com o projeto e ter licença Creative Commons (CC). A apresentação oral, que tem como objetivo avaliar a capacidade de comunicação, não deve ter mais do que 3 minutos, e deve ser utilizada uma linguagem simples, clara e acessível ao grande público.

Este artigo tem como objetivo apresentar um dos trabalhos submetido a concurso, realizado no âmbito de uma tese de doutoramento do plano doutoral em Arqueologia Prehistórica, na área temática da Geoarqueologia intitulada The Lower Sado valley 8000 years ago: relations between environmental events and cultural adaptations. Estas investigações têm como objetivo caracterizar o ambiente e a morfologia do vale do rio Sado (Portugal) e a sua evolução nos últimos 9000 anos, em particular durante a ocupação dos últimos caçadores-recoletores do Mesolítico do SW Ibérico1.

O texto apresentado na primeira fase segue abaixo.


Paisagens Perdidas: Os últimos caçadores do SW Ibérico

A Terra é um Planeta dinâmico. O seu clima, os seus ambientes e as suas paisagens mudam constantemente, assim como as respostas culturais das sociedades. Hoje em dia, as mudanças ambientais são uma das principais preocupações da sociedade: o nível do mar está a subir, as tempestades têm padrões pouco comuns, a temperatura global está a aumentar... Investigadores de todo o mundo colaboram na busca de respostas para essas mudanças e na forma de aumentar a resiliência das nossas sociedades. Mas já houve outras mudanças ambientais no Passado. Como lidaram os nossos antepassados com essas mudanças?

O meu trabalho de investigação tem como objetivo reconstruir os ambientes perdidos do vale do rio Sado (Sul de Portugal), ocupados pelas últimas comunidades de caçadores-recoletores do Mesolítico Recente (ca. 6400-5000 a.C.) que exploravam os recursos marinhos do estuário do Sado. Conchas de amêijoas e berbigões, espécies que toleram baixas salinidades e que ainda hoje em dia habitam o estuário, constituem a maior parte do conteúdo arqueológico dos sítios mesolíticos identificados na área. A maioria destes sítios situa-se no topo das vertentes que marginam o vale, a cerca de 40 m de altura, metros a quilómetros de distância do antigo estuário, refletindo a importância dos bivalves para estas comunidades.

Nessa altura, devido essencialmente ao aquecimento global, o nível médio do mar estava a subir muito rápido, inundando as área do vale do Sado nas proximidades de onde foram identificados a maior parte dos sítios. Trabalhos publicados recentemente estimam que o nível médio do mar subiu cerca de 10 metros durante a ocupação do Mesolítico Recente. Devido a um continuo assoreamento e inundação, as margens do estuário estavam em constante mudança, assim como estavam as áreas disponibilizadas a estas comunidades para a exploração de recursos marinhos. Ainda assim, estes grupos mantiveram a sua forma de vida durante mais de 1000 anos, o que reflete a sua resiliência frente às mudanças ambientais. E assim continuaram, pelo menos até à chegada dos camponeses do Neolítico, com as suas novas respostas culturais.

O meu trabalho consiste em desenhar a morfologia do paleovale através da análise de dados geofísicos recuperados no canal do Sado, e na caracterização das condições paleoambientais e as suas mudanças ao longo do tempo através da análise da composição sedimentar e geoquímica dos sedimentos. Os resultados preliminares apontam para a prevalência de condições estuarinas na zona até há 4000 anos, com maior influência marinha durante o Mesolítico Recente. Os ambientes fluviais desenvolveram-se essencialmente a partir desta data. Atualmente, a grande extensão de arrozais nas margens do Sado revela que a zona ainda tem muito para oferecer às nossas sociedades.

O conhecimento gerado através deste trabalho ajudará a compreender melhor as relações dos últimos caçadores Ibéricos com o seu ambiente, as suas adaptações às mudanças ambientais e confiamos que contribua também para a construção de novas soluções para o futuro.


Acompanha o texto uma fotografia feita no Sado (FIGURA 1), realizada com o intuito de mostrar os elementos mencionados: o rio, as margens onde se estendem os arrozais, que no passado ofereciam condições para a existência de organismos (bivalves) marinhos, a recoleção nas margens e, ao fundo, as vertentes no topo das quais foram identificados a maior parte dos sítios arqueológicos do Mesolítico.


FIGURA 1. O vale do Sado. (José Vicente | Agência Calipo 2020)

A mesma fotografia foi utilizada para a divulgação nas redes sociais, twitter e facebook, acompanhada por legendas curtas:


Este é o rio Sado. Há 8000 anos o seu vale foi ocupado pelos últimos caçadores ibéricos, que exploravam as suas margens em constante mudança. O vale ainda preserva testemunhos daquelas paisagens perdidas. A minha tarefa é trazê-las para o presente (facebook - https://facebook. com/602451133290519/posts/1743979619137659/?sfnsn=mo).

Este é o Sado. Há 8000 anos os nossos antepassados recoletavam aqui moluscos. Hoje os arrozais cobrem a planície aluvial, mas por baixo ainda se conserva o registo do meio ambiente em que viveram. A minha tarefa é reconstruir aquela paisagem perdida (twitter - https://twitter. com/UCDivulga/status/1361669159717769219?s=08).


Finalmente foi realizado um vídeo com a apresentação oral e disponibilizado no youtube para divulgação (https://youtu.be/R3wn7q6ml4k). Foram utilizados recursos de humor e teatrais, e uma linguagem simples e acessível.

Este trabalho alcançou o segundo lugar da II edição do concurso #PhDenlaUC. Foi um esforço recompensado! Como prémio será produzida uma curta de animação que contribuirá ainda mais para a divulgação do trabalho desenvolvido.

Acima de tudo, com este trabalho foi possível traduzir o resultado da investigação científica para uma linguagem acessível a um público generalizado, foi possível levar a Geologia, a Geoarqueologia, a Arqueologia, a Pré-história e o rio e o estuário do Sado a um público mais diversificado e foi possível realçar a importância da ciência para o conhecimento do Passado e como isso pode contribuir para o Futuro. No fundo, este trabalho foi um esforço mais do que recompensado!


Agradecimentos

Este trabalho de doutoramento desenvolve-se no âmbito dos projetos de investigação COASTTRAN (HAR2011-29907-C03-00), CoChange (HAR2014-51830-P) and SimTIC (HAR2017-82557-P) financiados pelo Ministério Espanhol da Ciência e Inovação e Back to Sado (PTDC/HIS-ARQ/121592/2010) financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Tem como instituições de acolhimento o LARC|DGPC, o IIIPC|UC e o IDL|UL. Agradeço o apoio dos coordenadores dos projetos e orientadores de tese nesta etapa da divulgação. Agradeço a quem leu, traduziu e corrigiu os textos. E agradeço a todos os que com partilhas, gostos e comentários ajudaram a divulgar a ciência nas redes sociais.