Com esta publicação inicia-se o décimo ano de vida da Revista de Ciência Elementar (RCE), da Casa das Ciências. Uma bonita idade, sem dúvida!

Investigar e divulgar ciência não são tarefas fáceis. A Casa das Ciências tem tido o privilégio de, ao longo destes anos, ter podido contar com a colaboração de várias personalidades, com contributos científicos de muito relevo, a que aliam uma capacidade de comunicação rara.

É fácil testemunhar isso nos 36 números já publicados da RCE, nestes seus 9 anos de vida, e nos mais de 250 contributos de elevadíssima qualidade científica e didática neles incluídos.

É bom recordar que a RCE, de periocidade trimestral, tem tido em média uma tiragem de cerca de 2800 exemplares, distribuídos gratuitamente por mais de 1000 escolas e bibliotecas nacionais. Além da versão impressa, a RCE tem uma versão livremente disponível no portal da Casa das Ciências, com as versões completas de todos os artigos publicados, após avaliação por pares independentes, tendo tido, só em 2021, mais de 200 mil visualizações. São números muito positivos que traduzem a adesão, quer dos autores e colaboradores da Casa, quer do público-alvo da revista.

A Ciência, exata e experimental (Astronomia, Biologia, Física, Geologia, Química, Matemática e Estatística) tem sido o foco essencial da RCE. É a ciência que procura a verdade objetiva da realidade factual. Nos estados e nas sociedades do espetáculo, bem caracterizados por Roger-Gérard Schwartzenberg, em que a verdade deu lugar à mentira, à mistificação, à representação no palco dos média e à política da pós-verdade, é lógico que a política deprecie a ciência, que é atualmente quase o seu oposto. As políticas públicas de incentivo à ciência, permeáveis ao primado da tecnologia e das modas imediatamente rentáveis, invocam a ciência quando lhes é favorável mas, ao mesmo tempo, mantêm uma precaridade e uma instabilidade no emprego científico como não há paralelo em outras áreas de atividade.

Os financiamentos são canalizados maioritariamente para áreas tecnológicas que alimentam as sociedades de crescimento e consumo infinitos. A ciência caminha para um perigoso beco de desumanização em que o cientista, alheado da realidade sociopolítica que o envolve, não tem qualquer tipo de controlo sobre a sua produção. O cientista pode tornar-se um mero instrumento ao serviço de interesses de instituições sem regra e sem escrúpulo, que procuram apenas o lucro imediato, agravando as condições de vida das populações e acentuando a cada vez mais trágica desigualdade de acesso a meios e recursos.

Por outro lado, a comunidade científica tarda em assumir o seu papel determinante de influência na criação de políticas mais solidárias, intervindo ativamente em assuntos tão urgentes como são as alterações climáticas, o combate às desigualdades, e o progresso para sociedades mais justas, livres e pacíficas. Vivendo em nichos, numa investigação cada mais hiperespecializada, que não dá tréguas ao tempo e à concentração exigidas, a comunidade científica mantém-se, salvo raras e notáveis exceções, alheada dos grandes desafios do nosso tempo, sendo presa fácil de interesses instalados e das modas do momento.

Gostava de aproveitar este editorial, de que sou responsável, para lançar um apelo a todos os nossos colaboradores, cientistas, professores, educadores e outros, no sentido de submeterem mais contributos que demonstrem a influência que a ciência pode ter na solução dos grandes desafios da atualidade, acima referidos.

Não podemos continuar a ser neutros. Sei que é um caminho difícil de percorrer, onde as opiniões são diversas e onde o consenso é, por enquanto, muito difícil. Há uma forte componente política e ideológica, e muitos interesses em jogo, que não podemos ignorar. Mas não podemos adiar e temer o livre confronto de ideias. Tendo a possibilidade de as exprimir livremente, no respeito pelas naturais divergências, não nos podemos furtar ao debate.