As sociedades humanas atravessam neste momento alterações profundas na sua organização. O fácil acesso à informação e a sua rápida circulação estão a criar novas formas de relacionamento social entre os cidadãos e entre estes e os seus governos. As preocupações com a proteção de dados e a relação com as liberdades, direitos e garantias dos cidadãos entraram definitivamente na agenda política. Tudo isto se encontra intimamente ligado à revolução que se está a observar no campo da Ciência e que ilustra bem o impacto que ela tem nas nossas vidas.

De facto, a História mostra-nos que a evolução da Ciência passa por períodos de impulsos disruptivos que afetam o modo como interpretamos o Mundo e até a própria organização das sociedades. Há sensivelmente duas décadas, no dealbar deste novo século/milénio, iniciámos uma nova fase tecnológica, a era da globalização digital, que acelerou vertiginosamente a produção e troca de informação em todo o planeta. Assistimos à criação de novas formas de produzir, armazenar e analisar dados, que justifica a existência do novo campo interdisciplinar da Ciência de Dados, ou Data Science, que utiliza técnicas computacionais, algorítmicas, estatísticas e matemáticas para tratar eficientemente grandes quantidades de dados e permitir extrapolar conhecimento.

A crescente capacidade no armazenamento de dados e a diminuição consistente do seu preço, aliada ainda a uma maior facilidade de consulta, vai continuamente alimentando a obsessão com a acumulação de informação que, mesmo aparentemente inútil no momento, poderá ser utilizada posteriormente para um determinado fim. Esta nova era digital, além de abrir todo um novo mundo de possibilidades de bem-estar, ameaça-nos também com inesperados desafios ao status quo a que todos nós temos de responder. Como sempre aconteceu no passado, a humanidade enfrenta o perigo do aproveitamento de uma nova tecnologia para fins menos altruístas e, como reação, muitos mecanismos de proteção de dados são concebidos para manter a privacidade dos cidadãos e evitar o uso ilícito da informação.

Neste número da Revista quisemos dar realce a este fenómeno, reunindo um conjunto interessante de artigos que, de um modo direto ou indireto, abordam o uso de grandes quantidades de dados para gerar conhecimento científico. Assim, mostramos aqui exemplos de estudos na área da astrofísica para interpretação de dados sobre a dinâmica no interior das estrelas, na geologia, com o tratamento de dados imagiológicos de satélite para identificação de depósitos minerais na crosta terrestre, na bioquímica, com o recurso a grandes bases de dados de proteínas para a conceção de novos fármacos, na biologia, com o estudo da descodificação do genoma humano, com um outro sobre biogeografia marinha macaronésica, e ainda, com um artigo que exemplifica a utilização destas técnicas na conceção de uma aplicação para a classificação automática de imagens de espécies biológicas.

A dimensão da Revista não nos permite aumentar o número de exemplos de aplicação de técnicas de Data Science nas áreas tradicionais das ciências exatas, mas muitos outros poderiam ser apresentados. Esperamos, contudo, que a pequena seleção incluída nesta edição da Revista consiga despertar no leitor a curiosidade por esta temática e o estimule na procura de outras leituras.

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