Rochas sedimentares e metamórficas
como personagens de uma mesma história: um caso português
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- Escola Secundária D. Dinis/ Lisboa
Referência Bolacha, E., (2023) Rochas sedimentares e metamórficas, Rev. Ciência Elem., V11(2):022
DOI http://doi.org/10.24927/rce2023.022
Palavras-chave Rochas sedimentares, Rochas metamórficas, Diagénese, Metamorfismo, Deformação
Resumo
As rochas que se observam na atualidade na costa sudoeste de Portugal, maioritariamente metamórficas de baixo grau, relacionam-se com as suas antepassadas sedimentares, cujos processos de formação só foram reconhecidos na primeira metade do séc. XX. Com efeito, os processos sedimentares e metamórficos podem ser descritos como se de um filme se tratasse e não de forma fragmentada pois, nos processos geológicos, apesar de haver paragens no tempo, tudo está muito interligado.
Muitos processos geológicos que atualmente conhecemos começam por ser estudados a partir dos efeitos que produziram e que se encontram materializados nas rochas, nos seus minerais, nas suas texturas e estruturas (nas diversas escalas). Os geólogos têm por hábito, quando observam as rochas no campo ou no laboratório, andar para trás no tempo, destapando camadas de acontecimentos e processos, colocando-os por ordem. Nem sempre conseguem porque há processos que se sobrepõem.
Uma rocha ou uma dobra não é apenas isso, pode contar uma história muito longa com vários episódios, com protagonistas que se vão transformando no espaço e no tempo. É o caso de conjuntos monótonos de camadas (sequências metassedimentares) de metagrauvaques e xistos que se observam no interior do território continental português e na costa sudoeste, Alentejana e Vicentina (FIGURA 1).
Estas rochas, sendo metamórficas (daí o prefixo meta-), como o grau de metamorfismo é baixo, apresentam estruturas sedimentares de erosão e sedimentação, evidenciando a sua (pré-)história sedimentar (FIGURA 2)1.
As rochas sedimentares originais são os grauvaques e os pelitos, formados por processos que decorreram em ambientes cujos valores de pressão e temperatura são relativamente baixos quando comparados com os dos processos metamórficos (T < 200˚C; P <0,3 GPa)2.
Os grauvaques são arenitos constituídos por grãos angulosos de diversas granulometrias e de natureza, em geral, também diversa. Os grãos mais pequenos (matriz silto-argilosa) encaixam- se nos vazios que separam os grãos maiores. Como qualquer arenito, todos os grãos estão agregados por uma substância que sofreu precipitação (cimento)3. Os pelitos são constituídos por partículas da dimensão do silte e da argila.
Mas como explicar a grande extensão observável destas rochas, no sudoeste português, que, apresentando estruturas sedimentares, terão sofrido deformação e metamorfismo? Para responder a esta questão comecemos por nos focar na parte sedimentar da história. Os rios transportam areia, silte e argila até ao mar. A areia é geralmente transportada por tração, enquanto silte e argila são transportados em suspensão, contribuindo para a turvação (ou turbidez) da água. Quando chegam ao mar os sedimentos sofrem uma clara separação granulométrica. A areia deposita-se maioritariamente junto à foz dos rios, na forma de cordões de areia, enquanto os grãos de silte e de argila continuam a ser transportados, depositando-se nas margens continentais (plataforma e talude ou vertente) e nos fundos abissais. Muito deste material atinge, por vezes, áreas mais profundas dos oceanos, através de movimentos de massa (derrocadas e deslizamentos).
Estes movimentos de massa afetam largas áreas dos fundos oceânicos e, provavelmente, são mais comuns do que conseguimos reportar na superfície dos continentes (por exemplo, na ilha da Madeira). Estão principalmente associados aos grandes deltas e às margens continentais tectonicamente ativas, apesar de ocorrerem igualmente em margens passivas e em áreas não relacionadas com grandes rios. Nas margens continentais, os movimentos de massa são provocados especialmente pela gravidade, sendo associados frequentemente a grandes tempestades e sismos. Forma-se uma corrente turva (corrente de turbidez) de grande densidade que se movimenta a alta velocidade e que é composta por materiais de diversas granulometrias, anteriormente depositados na plataforma continental. Estas correntes adquirem assim um elevado poder erosivo. A diminuição da velocidade acontece quando estas correntes de turbidez chegam às planícies oceânicas profundas. Nesse momento os sedimentos transportados começam naturalmente a depositar-se por ordem da sua dimensão. Assim, enquanto a taxa de sedimentação das argilas é da ordem do milímetro em cada mil anos, a das areias é da ordem de alguns centímetros em horas ou dias4.
Os efeitos das correntes de turbidez foram reconhecidos por altura do sismo de 1929 nos Grandes Bancos, Canadá. A danificação de cabos telegráficos submarinos levou à investigação das causas do problema. O sismo provocou um deslizamento de “terras” submarino que, por sua vez, formou ondas de cerca de 3 a 8 metros que se propagaram em todas as direções do Oceano Atlântico, tendo sido também registadas em Portugal5.
Alguns anos após este evento, Philip Kuenen, geólogo holandês (1902–1976), para investigar a formação dos canhões submarinos, construiu um equipamento experimental simulando a hipótese que lhe pareceu a mais plausível entre outras; devido a grandes tempestades, um grande fluxo transporta os sedimentos finos (silte e argila) da plataforma continental para os grandes fundos oceânicos6. Kuenen reconheceu o poder erosivo dessas correntes, capaz de formar os grandes canhões submarinos localizados não só nas bocas dos grandes rios. A suspensão formada, sendo mais densa que a água envolvente, movimenta-se devido à gravidade (FIGURA 3). E tal como se faz hoje, apoiou os seus argumentos sobre os movimentos de massa submarinos nos que se observavam na superfície de continentes e ilhas. No entanto, como já sabemos, os sedimentos que as correntes de turbidez transportam não se resumem aos mais finos, incluindo também materiais da dimensão das areias acumuladas nas margens continentais.
Para Kuenen, a experimentação serviu principalmente para afastar causas especulativas (por exemplo, uma alteração súbita da velocidade de rotação da Terra) e, mesmo negligenciando a escala, apoiar argumentos como a simples possibilidade de um fluxo com sedimentos em suspensão deslizar por um plano inclinado e de ter uma capacidade erosiva notável. Kuenen produziu correntes semelhantes às que são estudadas na atualidade nos mais modernos laboratórios de geologia experimental e obteve estruturas sedimentares semelhantes às naturais como as marcas de ondulação6, 7.
Contada a história sedimentar, passamos a centrar a nossa atenção nas estruturas de deformação como a inclinação da estratificação (FIGURA 1) e os dobramentos, assim como no metamorfismo (FIGURA 4).
As estruturas sedimentares/erosivas referidas encontram-se orientadas no sentido SW, indicando que o transporte de materiais se fazia de NE para SW. As grandes estruturas de deformação (dobramentos, cavalgamentos)8 são compatíveis com essa orientação, enquanto a idade do metamorfismo das rochas decresce de NE para SW9. Isto significa que os vários processos se encontram relacionados e tiveram o mesmo enquadramento paleogeográfico e geotectónico. Com efeito, diversos dados apoiam a ideia de que a Gondwana (continente do qual, no final do Paleozoico, fazia grande parte do território atual português) estaria já em processo colisional com outro continente, situado na outra margem do oceano Rheic10, 11. Os dois continentes situavam-se em placas litosféricas distintas, sendo que a sua convergência foi provocando a compressão dos sedimentos que iam chegando à margem continental, fruto da erosão do interior da cadeia de montanhas.
A deformação foi progredindo para SW, gerando estruturas nas diversas escalas, como xistosidade, dobramentos e falhas inversas, mas também a saída dos fluidos, aquecidos e enriquecidos em sílica, que ainda preenchiam os vazios. Imagine-se uma esponja gigante com muitos poros e que é espremida12. Uma esponja que, ao contrário das que nos são familiares, deforma-se com comportamento dúctil e os fluidos que circulavam nos seus vazios são expulsos (FIGURA 4).
Na realidade o que seria antes um empilhamento vertical de estratos de rochas sedimentares, passou a ser algo semelhante a uma cunha11, 13 constituída por materiais rochosos que, ao longo do tempo, foram sofrendo modificações no estado sólido, tanto nas suas composições química e mineralógica, como nas suas texturas e estruturas. Essas modificações metamórficas decorreram das tensões provocadas pela compressão e consequente espessamento da coluna sedimentar.
É de salientar que as rochas sedimentares originais foram, no sudoeste português, sujeitas a condições que não são claramente diagénese nem metamorfismo; são do domínio do anquimetamorfismo. Por esta razão, frequentemente se referem grauvaques quando se deveria referir metagrauvaques, e xistos quando deveria ser metapelitos.
Para uma melhor compreensão destes processos, sugere-se a observação dos afloramentos ao longo da Costa Alentejana e Vicentina, em que se destacam grandes dobramentos (constituídos por várias dobras), sendo que alguns romperam, formando fraturas14 (FIGURA 4). Algumas dessas fraturas mostram que houve deslocamento relativo dos dois blocos, por essa razão se designam falhas. Outro tipo de fraturas está preenchido por um material de cor branca (quartzosa) o que comprova a expulsão e circulação de fluidos.
Em jeito de conclusão, podemos afirmar que todas as modificações ocorridas nas rochas originais do sudoeste do país, diretamente associadas às tensões exercidas e resultantes da colisão entre continentes no final do Paleozoico, fizeram com que não se reconheça com facilidade o que de sedimentar têm as rochas metamórficas (metagrauvaques e metapelitos) aí encontradas11. Apesar de tudo, é possível contar uma história que não encaixe rochas sedimentares e metamórficas em capítulos distintos, mas que esbatendo fronteiras torne mais interessante o estudo das mesmas e respetivos processos.
Referências
- 1 CORRÊA, I., Estruturas de rochas sedimentares, Edição de autor, Biblioteca Geociências – UFRGS, p. 24-73. 2022.
- 2 DIAS, R., Portugal de antes da História, 600 milhões de anos de evolução, Centro de Ciência Viva de Estremoz, Universidade de Évora, 1. 2019.
- 3 GALOPIM DE CARVALHO, A. M., Dicionário de Geologia, Âncora, pp. 239. 2011.
- 4 MATTAUER, M., Ce que disent les pierres, Belin, 60-61. 1998.
- 5 Grand Banks earthquake. 1929.
- 6 KUENEN, P. H., Experiments in connection with Daly’s hypothesis on the formation of submarine canyons, Leidse Geologische Mededelingen, Volume 8, 2, 327-351, 1937.
- 7 Turbidity Currents.
- 8 OLIVEIRA, J. T. et al., Geologia da Zona Sul Portuguesa, com ênfase na estratigrafia, vulcanologia física, geoquímica e mineralizações da Faixa Piritosa, Geologia de Portugal, Escolar Editora, 1, 673-765. 2013.
- 9 MUNHÁ, J., The Carboniferous of Portugal, Memórias dos Serviços Geológicos de Portugal, 39-81, 29. 1983.
- 10 DIAS, R., Portugal de anos antes da História, 600 milhões de anos de evolução, Centro de Ciência Viva de Estremoz, Universidade de Évora, 2. 2023.
- 11 BOLACHA, E., Modelos de dinâmica da Terra aplicados à Geologia de Portugal: relevância da Experimentação Análoga no Ensino e na Divulgação da Geologia, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. 2014.
- 12 RIBEIRO, A., Soft Plates and Impact Tectonics, Springer-Verlag, Berlim. 2002.
- 13 BOLACHA, & DIAS, R., Evolução estrutural da Zona Sul Portuguesa através da modelação análoga: implicações das irregularidades na topografia oceânica, 9ª Conferência Anual do GGET-SGP, 93-96, 2013.
- 14 DIAS, A. J. G. et al., Fratura, Rev. Ciência Elem., V1, 1, 058. 2013.
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