Rios temporários
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- MARE/ U. Coimbra
Referência Ferreira, V., (2023) Rios temporários, Rev. Ciência Elem., V11(2):023
DOI http://doi.org/10.24927/rce2023.023
Palavras-chave Biodiversidade, Invertebrados, Rios intermitentes, Rios secos, Seca
Resumo
Os rios temporários são os rios que cessam de fluir ou secam completamente à superfície, em extensão e por tempo variáveis, em oposição aos rios permanentes que fluem à superfície todo o ano. O ciclo hidrológico nos rios temporários compreende três fases: i) a fase com água corrente, ii) a fase fragmentada (com poças), que pode evoluir para a fase seca e iii) a fase do retorno da água. Os rios temporários representam a maioria dos rios a nível global, mas localmente são fatores como a geologia (determina a permeabilidade das rochas) e o clima (determina a temperatura e a frequência e quantidade da precipitação) que controlam o ciclo hidrológico. Por exemplo, os rios temporários são típicos em regiões calcárias e constituem a quase totalidade dos rios nas regiões secas. As espécies piscícolas e outras totalmente dependentes da água sobrevivem à fase fragmentada dos rios temporários concentrando-se nas poças que permanecem. As comunidades de invertebrados que habitam o leito dos rios temporários vão-se alterando à medida que o caudal diminui; por exemplo, na fase fragmentada desaparecem as espécies que necessitam de água corrente e aparecem espécies adaptadas a água parada (poças) e espécies terrestres que colonizam os sedimentos secos. Os invertebrados aquáticos apresentam adaptações que lhes permitem fazer face à ausência de água (resistência) e recolonizar o rio quando a água retorna (resiliência). Os rios temporários têm assim um elevado valor conservacionista devido às suas características ambientais e comunidades particulares; por exemplo, são o habitat de muitas espécies com elevado estatuto de conservação como o saramugo. Os rios temporários suportam também uma grande diversidade de processos ecológicos em resultado da grande heterogeneidade espacial e temporal nas condições ambientais. De realçar o seu importante papel de armazenamento de detritos vegetais (recurso alimentar) durante a fase fragmentada e de distribuição desses detritos para jusante durante a fase de retorno da água. Entre as ameaças aos rios temporários estão as alterações ao regime hidrológico natural em resultado das alterações climáticas e das atividades humanas (por exemplo, extração de água ou descarga de efluentes). Assim, é necessária a manutenção de regimes naturais de caudais nos rios afetados pelas atividades humanas, e estes regimes devem reger-se pela existência de uma fase fragmentada ou seca nos rios temporários.
Tipos de rios de acordo com o regime hidrológico.
Um rio é, geralmente, visto como uma linha de água, que flui num único sentido e que desagua num outro rio, num lago ou no mar. Coincidentemente, os rios são geralmente representados nos mapas por linhas azuis, que instintivamente associamos ao elemento água. Os rios que fluem à superfície todo o ano são chamados de “permanentes” ou “perenes”. No entanto, há rios que cessam de fluir ou secam completamente à superfície, em extensão e por tempo variáveis — são os rios chamados de “temporários”, “não-permanentes” ou “não-perenes” (FIGURA 1). De modo simples, estes rios podem ser classificados com base na duração da fase com água corrente ao longo do ciclo hidrológico anual em: i) rios intermitentes, ii) rios efémeros e iii) rios episódicos ou secos (TABELA 1).
Os rios intermitentes cessam de fluir sazonalmente (durante semanas a meses), principalmente durante a estação seca, podendo apresentar poças (no Alentejo chamadas de “pegos estivais”) ou mesmo secando completamente durante essa altura. Nestes rios, a fase com água corrente é mais longa que a fase seca. Os rios efémeros apenas fluem durante períodos curtos (dias a semanas), em resultado direto da precipitação ou do degelo. Nestes rios, a fase com água corrente é mais curta do que a fase seca. Os rios episódicos ou secos fluem por períodos muito curtos (horas a dias), principalmente após chuvadas intensas, estão desconectados do lençol freático e não suportam vida aquática. Nestes rios, a fase com água corrente é esporádica e muito curta em comparação com a fase seca que dá a estes ecossistemas um caráter essencialmente terrestre. A existência de uma fase seca nos rios temporários implica a perda de conectividade lateral (com as margens), longitudinal (com os segmentos de rio a jusante), e até vertical (com o lençol freático no caso dos rios episódicos ou secos), cuja duração depende do tipo de rio1.
Nos rios temporários, o ciclo hidrológico pode ser dividido em três fases principais: i) a fase com água corrente, ii) a fase sem água corrente ou fragmentada (com poças), que pode evoluir para a fase seca e iii) a fase do retorno da água (FIGURA 2). A duração destas fases depende do tipo de rio (TABELA 1) e a sua sequência não é necessariamente linear (i → ii → iii) já que a ocorrência de precipitação pode reverter a sequência das fases. Por exemplo, se ocorrer um período de precipitação durante a fase em que o rio já se encontra fragmentado em poças, este pode voltar a fluir por algum tempo (i → ii → i) antes de progredir na sequência de fases.
Causas naturais da intermitência do caudal.
As causas naturais pelas quais a água cessa de fluir num rio temporário são várias e estão relacionadas principalmente com a geologia e o clima locais. A geologia (tipo de rocha) determina a permeabilidade das rochas e, consequentemente, a capacidade da água superficial se infiltrar. Por exemplo, em regiões calcárias, como o Maciço Calcário do Sicó no centro de Portugal, a alta permeabilidade das rochas permite que a água se infiltre, deixando o rio seco à superfície em períodos de menor precipitação (FIGURA 1A), B) e C)), e criando verdadeiros rios subterrâneos que surgem à superfície pontualmente em exsurgências com caudal considerável (muitas vezes confundidas com nascentes).
Já o clima determina a frequência e a quantidade da precipitação, assim como a temperatura, ao longo do ano. Por exemplo, em regiões mediterrânicas, a reduzida precipitação no verão contribui para a diminuição do nível dos lençóis freáticos e do escoamento das encostas em comparação com o inverno, enquanto a elevada temperatura contribui para o aumento da evapotranspiração (evaporação direta da água do solo e transpiração por parte da vegetação na bacia hidrográfica). A redução do aporte de água e o aumento do seu consumo pela vegetação leva à redução dos caudais dos rios, que podem apresentar-se fragmentados (com poças) ou mesmo secos (FIGURAS 1E) e F)). Os rios temporários também estão presentes em regiões onde as temperaturas atingem valores negativos durante períodos longos, o que leva ao congelamento da água, como regiões alpinas, árticas e antárticas2.
Distribuição mundial dos rios temporários.
Os rios temporários constituem a maioria dos rios do planeta: a água deixa de fluir durante pelo menos um dia por ano em 51—60% do comprimento dos rios a nível global2. Em regiões quentes e secas, como as regiões áridas (desertos), semiáridas e mediterrânicas, os rios são na sua maioria temporários1, 2, 3. Por exemplo, 98% dos rios são temporários na província de Múrcia em Espanha, localizada na região mais seca da Península Ibérica, e 86% do comprimento dos rios é temporário no Chipre, o país mais árido da região mediterrânica3. Em Portugal, os rios temporários dominam a sul do rio Tejo, onde até os rios com dimensão considerável (por exemplo, a Ribeira de Oeiras que drena uma área de 480 km2 e tem aproximadamente 100 km de extensão) ficam reduzidos a alguns pegos estivais com menos de 100 m de comprimento num ano típico (FIGURA 1E)), e onde apenas os rios Guadiana, Sado e Mira são permanentes. Também há muitos rios temporários em regiões temperadas ou húmidas2, como por exemplo os pequenos ribeiros de cabeceira que podem fluir apenas em resultado da ocorrência de precipitação. A probabilidade de um rio ser temporário diminui à medida que aumenta o seu tamanho: grandes rios tendem a ser permanentes enquanto pequenos ribeiros têm uma maior probabilidade de ser temporários.
Apesar da sua abundância e distribuição cosmopolita2, a importância dos rios temporários foi subestimada durante décadas por se considerar que tinham baixo valor ecológico e económico. No entanto, nos últimos 20 anos observou-se um aumento exponencial da investigação e do conhecimento sobre estes ecossistemas, principalmente no que respeita à diversidade biológica e funcionamento, que tem contribuído para o reconhecimento da importância destes ecossistemas nas bacias hidrográficas1, 3.
Biodiversidade em rios temporários.
Os rios temporários desempenham um importante papel na conservação da biodiversidade aquática já que podem albergar espécies com elevado estatuto de conservação e que não estão presentes noutros locais (endemismos). Por exemplo, o saramugo (Anaecypris hispanica), pequeno peixe que está “Criticamente em Perigo” em Portugal, habita apenas alguns rios temporários nas bacias dos rios Guadiana e Guadalquivir (endemismo Ibérico) (FIGURA 3)4. Os rios temporários do sul de Portugal e de Espanha albergam várias outras espécies piscícolas que são endemismos Ibéricos e têm estatutos de conservação elevados, como por exemplo: o bordalo (Squalius alburnoides, “Vulnerável”), o escalo do sul (Squalius pyrenaicus, “Em Perigo”), a boga do Guadiana (Pseudochondrostoma willkommii, “Vulnerável”), a boga-de-boca-arqueada (Iberochondrostoma lemmingii, “Em Perigo”) e o cumba (Luciobarbus comizo, “Em Perigo”)4. Estas espécies, dependendo completamente da água, sobrevivem à fase fragmentada dos rios temporários concentrando- se nos pegos estivais, que adquirem assim um importante valor conservacionista.
À medida que o rio seca, vão ocorrendo alterações também nas comunidades de invertebrados que habitam o leito em resultado i) da perda de habitat de água corrente que leva ao desaparecimento das espécies reófilas (necessitam de água corrente), ii) da criação de habitat de água parada (poças) que leva à concentração das espécies sensíveis à falta de água nas poças remanescentes e à dominância de espécies lênticas (adaptadas a água parada) e com capacidade para tolerar as condições de elevada temperatura, baixa concentração de oxigénio dissolvido e altas concentrações de nutrientes que podem ocorrer nas poças e, eventualmente, iii) do desaparecimento de habitat aquático que leva ao desaparecimento das espécies aquáticas e ao aparecimento de espécies terrestres (FIGURA 4). No entanto, os invertebrados aquáticos que habitam os rios temporários apresentam adaptações que lhes permitem fazer face à ausência de água (resistência) e recolonizar o rio quando a água retorna (resiliência), como por exemplo: i) ciclos de vida curtos que podem ser completados no período em que o rio tem água, ii) formas resistentes à dessecação (ovos e pupas), iii) dormência (como os caracóis que se recolhem na concha), iv) capacidade para se enterrarem no sedimento onde pode haver alguma humidade, v) capacidade para dispersarem para outras massas de água (organismos alados como alguns besouros aquáticos) ou vi) uma fase do ciclo de vida terrestre que coincide com a fase em que o rio não tem água como é o caso de muitos insetos5.
A biodiversidade de organismos aquáticos durante a fase de água corrente nos rios temporários é geralmente mais baixa do que em rios permanentes6. No entanto, à medida que um rio temporário seca, os ambientes de águas paradas (poças) que se formam podem atrair um conjunto de organismos especialmente adaptados a estas condições (alfaiates, besouros) e muitos invertebrados terrestres colonizam o leito do rio que secou tirando partido dos recursos alimentares (organismos mortos e detritos vegetais) e dos refúgios que ficaram expostos. Assim, os rios temporários podem apresentar uma biodiversidade global bastante elevada quando consideradas todas as fases do seu ciclo hidrológico5. Adicionalmente, um grande número de vertebrados terrestes (incluindo pequenos roedores, coelhos, lebres, texugos, raposas, javalis, répteis e aves) usa os rios temporários durante a fase seca como corredores que facilitam a sua deslocação na paisagem7. A existência de sedimentos húmidos a baixa profundidade ou poças também atrai vertebrados em busca de locais frescos ou água para beber, enquanto o desenvolvimento de vegetação no leito seco pode atrair herbívoros como o coelho e a lebre1 (FIGURA 1B)). Os leitos secos podem também constituir terreno de caça para pequenos roedores, répteis e aves que se alimentam dos invertebrados terrestres que habitam nos sedimentos e nas plantas1.
Processos ecológicos em rios temporários.
Além de possuírem alta biodiversidade, os rios temporários têm também uma alta diversidade funcional (suportam grande número de processos ecológicos) em resultado da grande heterogeneidade espacial e temporal de condições ambientais ao longo do ciclo hidrológico. Por exemplo, a dinâmica de acumulação, transporte e processamento dos detritos vegetais produzidos pela vegetação ripária, como folhas e ramos, acompanha o ciclo hidrológico8.
Durante as fases fragmentada e seca, há acumulação de detritos vegetais no leito do rio (FIGURA 1A)) em resultado da libertação de detritos produzidos pela vegetação ripária (que pode aumentar na época seca em resultado do stress hídrico) e da sua reduzida decomposição em leito seco (a abundância e atividade dos decompositores e a fragmentação física dos detritos são reduzidas na ausência de água). Durante a fase de retorno da água há o transporte de grande parte dos detritos vegetais acumulados para jusante onde servirão de alimento a um grande número de organismos. Os rios temporários têm assim dois importantes papéis nas bacias hidrográficas: servem de locais de armazenamento onde o alimento se acumula e fazem a distribuição desse alimento para as secções do rio a jusante8.
A incorporação dos detritos vegetais nas teias alimentares aquáticas ocorre maioritariamente durante a fase de água corrente e dá-se de modo semelhante ao que acontece em rios permanentes, embora possa ocorrer a uma velocidade mais baixa caso a diversidade e/ou densidade de consumidores seja menor. Quando imersos, os detritos vegetais libertam compostos solúveis e são colonizados por microorganismos decompositores (fungos e bactérias) que i) mineralizam os nutrientes contidos na matriz vegetal tornando-os disponíveis para serem assimilados por outros microrganismos e produtores primários (algas e plantas aquáticas), ii) incorporam carbono e nutrientes contidos na matriz vegetal na sua própria biomassa que será consumida por outros organismos (ver iv), iii) promovem a libertação de partículas finas (esporos e fragmentos vegetais) que serão alimento para invertebrados coletores (alimentam- se de partículas orgânicas finas que recolhem da coluna de água ou do sedimento) e iv) melhoram a qualidade dos detritos vegetais pela acumulação de biomassa microbiana rica em nutrientes e pela maceração enzimática dos detritos, o que os torna mais atrativos para os invertebrados trituradores (alimentam-se diretamente de detritos grosseiros)9, 10. Ao consumirem os detritos colonizados pelos microorganismos, os invertebrados trituradores contribuem para a movimentação do carbono e dos nutrientes contidos nos detritos vegetais pela teia alimentar já que serão alimento para predadores (invertebrados, peixes, aves), ao mesmo tempo que também promovem a libertação de partículas finas (fezes e fragmentos vegetais)9, 10.
Ameaças aos rios temporários.
Os rios temporários são ecossistemas com alta diversidade biológica e funcional. No entanto, alterações ao regime hidrológico natural para além daquelas a que as comunidades aquáticas estão adaptadas podem afetar negativamente a biodiversidade e o funcionamento destes ecossistemas aquáticos11. Por exemplo, a diminuição da precipitação e o aumento da temperatura (e consequentemente da evapotranspiração), em resultado das alterações climáticas, levam a uma intensificação da intermitência, que dura mais tempo (começa mais cedo e/ou termina mais tarde) e abrange uma maior extensão de rio. Também atividades humanas como o estabelecimento de plantações densas com ciclos de rotação curtos e a agricultura intensiva de regadio (que têm consumos de água elevados), a captação de água à superfície ou subterrânea (principalmente para satisfazer as necessidades da agricultura e do turismo) e as represas podem levar a uma intensificação da intermitência nas secções de rio afetadas por estas atividades. Caso a intensidade das alterações climáticas e das atividades humanas seja alta, pode mesmo acontecer que rios permanentes se tornem artificialmente temporários, com efeitos locais negativos pois as comunidades aquáticas de rios permanentes não estão adaptadas à intermitência do caudal. Os efeitos negativos também se podem registar ao nível da bacia hidrográfica onde o número de rios temporários aumenta, diminuindo a quantidade de água superficial disponível durante os meses mais quentes. Ao contrário, os rios temporários podem sofrer aumentos artificiais de caudal em resultado das descargas de barragens e de efluentes durante as fases fragmentada e seca. Em casos extremos, os rios temporários podem tornar- -se rios artificialmente permanentes, com o consequente desaparecimento das espécies especialmente adaptadas à seca (e que necessitam da fase seca para completar o ciclo de vida).
Os rios temporários são também muito sensíveis à entrada de efluentes urbanos, industriais ou de explorações pecuárias que levam à deterioração da qualidade da água (por exemplo, eutrofização, anóxia), principalmente durante as fases fragmentada e seca, alturas em que a capacidade de diluição é reduzida ou mesmo nula. A sobre-exploração (extração de água em excesso) e a poluição dos rios temporários na fase fragmentada podem mesmo comprometer o papel das poças, ou pegos estivais, na manutenção da biodiversidade aquática durante os períodos mais secos. Na fase seca, os rios temporários são também muito suscetíveis a perturbações mecânicas, como acontece quando são usados como vias de transporte por veículos motorizados ou rebanhos, que levam à compactação do sedimento com a possível destruição dos organismos terrestres que colonizaram o leito seco e das formas resistentes e fases dormentes de espécies aquáticas. Também a extração de inertes (areias, cascalho) leva à destruição de habitat e das formas de vida associadas.
Regime de caudais ecológicos.
Como discutido acima, os regimes naturais de caudais contribuem para definir as características, a biodiversidade e o funcionamento dos rios, pelo que alterações de caudal, em termos de magnitude, frequência, duração, sazonalidade, etc., podem ter impactos negativos nos rios. Por isso, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) determina que sejam mantidos regimes de caudais ecológicos nos rios de modo a assegurar o cumprimento dos objetivos ambientais da Lei da Água, nomeadamente “evitar a continuação da degradação e proteger e melhorar o estado dos ecossistemas aquáticos” (artigo 1.º, alínea 1a), estabelecendo para tal que “com o objetivo de alcançar o bom estado das massas de águas superficiais… devem ser tomadas medidas tendentes à sua proteção, melhoria e recuperação” (artigo 46.º, alínea 2)12. Segundo a APA, um regime de caudais ecológicos é aquele que permite “assegurar a conservação e a manutenção dos ecossistemas aquáticos naturais, o desenvolvimento e a produção das espécies aquícolas, assim como a conservação e manutenção dos ecossistemas ribeirinhos” e “deve ser garantido em todas as massas de água devendo, nos casos em que existem infraestruturas hidráulicas, ser libertado através de dispositivos específicos para o efeito e, nos restantes casos, mantido no meio, não podendo ser captado nem utilizado”13. É, no entanto, importante reconhecer que o regime natural de caudais em rios temporários implica um período sem corrente (fase fragmentada ou seca) que deve ser considerado para a determinação do regime de caudais ecológicos em rios afetados por infraestruturas hidráulicas14, de modo a evitar a descarga de água destas infraestruturas em períodos em que o rio deve estar naturalmente sem corrente.
É necessária uma ampla consciencialização pública para a representatividade, importância e vulnerabilidade dos rios temporários. Um primeiro passo seria a sua correta representação cartográfica. Apesar de tendermos a instantaneamente associar o elemento água aos rios, a maioria dos rios a nível global apresenta uma fase fragmentada ou seca1, 2, 3 e para muitos destes a linha azul nos mapas não é representativa do seu estado hidrológico em grande parte do ano (FIGURA 5).
No entanto, presentemente, os rios temporários de pequena dimensão (ribeiros) não são geralmente representados nos mapas enquanto os de maiores dimensões são ilustrados por linhas azuis, o que contribui para a invisibilidade dos rios temporários.
Referências
- 1 VIDAL-ABARCA, M. R. et al., Defining dry rivers as the most extreme type of non-perennial fluvial ecosystems, Sustainability, 12, 7202. 2020.
- 2 MESSAGER, M. L. et al., Global prevalence of non-perennial rivers and streams, Nature, 594, 391–397. 2021.
- 3 SKOULIKIDIS, N. T. et al., Non-perennial Mediterranean rivers in Europe: status, pressures, and challenges for research and management, Sci. Total Environ., 577, 1–18. 2017.
- 4 Projeto LIFE Saramugo.
- 5 STUBBINGTON, R. et al., Intermittent Rivers and Ephemeral Streams, Academic Press, p 217–243. 2017.
- 6 SORIA, M. et al., Biodiversity in perennial and intermittent rivers: a meta-analysis, Oikos, 126, 1078–1089. 2017.
- 7 SÁNCHEZ-MONTOYA, M. M. et al., Dry riverbeds: corridors for terrestrial vertebrates, Ecosphere, 7, e01508. 2016.
- 8 DEL CAMPO, R. et al., The Ecology of Plant Litter Decomposition in Stream Ecosystems, Springer, p 73–100. 2021.
- 9 GONÇALVES, A. L. et al., A trilogia dos ribeiros: folhas, fungos e invertebrados, Rev. Ciência Elem., 4, 18. 2016. DOI: 10.24927/rce2016.018.
- 10 FERREIRA, V. et al., Rios de Portugal. Comunidades, Processos e Alterações, Imprensa da Universidade de Coimbra, p 281–312. 2019.
- 11 STEWARD, A. L. et al., When the river runs dry: human and ecological values of dry riverbeds, Front. Ecol. Environ., 10, 202–209. 2012.
- 12 Lei da Água, Lei n.º 58/2005, Diário da República n.º 249/2005, Série I-A de 2005-12-29.
- 13 Agência Portuguesa do Ambiente.
- 14 PORTELA, M. M., A hydrologic-hydraulic method to define ecological flows downstream dams located in South European semi-arid regions, 5th Int. Conf. Environ., Ecos. Develop., 14–16. 2007.
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