Serviços ecossistémicos
O papel fundamental dos rios
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- MARE/ U. Coimbra
Referência Ferreira, V., (2024) Serviços ecossistémicos, Rev. Ciência Elem., V12(1):005
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.005
Palavras-chave
Resumo
Serviços ecossistémicos são os bens e recursos que as pessoas obtêm dos ecossistemas e que lhes trazem um benefício (por exemplo, contribuem para a sua sobrevivência, realização de atividades, bem-estar). Os serviços ecossistémicos podem ser diretos se são usados diretamente pelas pessoas (como água, alimento, fibras, espaço para atividades de lazer) ou indiretos se contribuem para a manutenção do ecossistema e o fornecimento de serviços diretos (e incluem, por exemplo, os ciclos da água e dos nutrientes, a manutenção da biodiversidade). Os serviços ecossistémicos diretos podem ser do tipo consumptivo (como água, alimento, fibras) ou não-consumptivo (como espaço para atividades de lazer) dependendo se a sua utilização reduz a sua quantidade disponível. Os serviços ecossistémicos podem também ser classificados de acordo com o tipo de benefício que proporcionam às pessoas; por exemplo, os serviços de aprovisionamento incluem os produtos que as pessoas consomem como água, alimento, fibras e energia, enquanto os serviços culturais incluem os benefícios imateriais que se obtêm dos ecossistemas como valores estéticos, valores espirituais e atividades de lazer. Os múltiplos serviços ecossistémicos fornecidos pelos rios não podem ser tomados como garantidos em face das múltiplas ameaças a que estes ecossistemas estão sujeitos. Uma abordagem para promover a proteção e o restauro dos rios (e outros ecossistemas) é a identificação dos serviços ecossistémicos que fornecem e a sua valoração económica. O pagamento por serviços ecossistémicos pode também contribuir para incentivar a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas. A saúde dos ecossistemas é fundamental para garantir o fornecimento contínuo dos serviços ecossistémicos.
Serviços ecossistémicos: definição, tipos e abordagens.
Serviços ecossistémicos, serviços do ecossistema, serviços ecológicos ou serviços ambientais, são os benefícios – bens e recursos – que as pessoas obtêm dos ecossistemas1, 2. Os serviços ecossistémicos podem ser diretos ou indiretos1, 2. Os serviços diretos são aqueles que estão diretamente ligados aos benefícios tangíveis que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Estes serviços são geralmente mais visíveis e facilmente quantificáveis, e, no caso dos rios, incluem, por exemplo, o fornecimento de alimentos (como peixe ou agriões), água (para consumo, rega, uso industrial, etc.), fibras (como juncos para cestaria), materiais inertes (como areias para construção) e atividades de recreação (como banhos ou pesca desportiva). Os serviços indiretos são aqueles que não são utilizados diretamente pelas pessoas, mas que desempenham um papel essencial no funcionamento dos ecossistemas e no fornecimento dos serviços diretos. Exemplos de serviços indiretos fornecidos pelos rios são a reciclagem de nutrientes, que é essencial à saúde do ecossistema e à manutenção da qualidade da água, e a regulação climática, que contribui para a manutenção de temperaturas amenas nas áreas circundantes. No entanto, a identificação de um serviço ecossistémico como direto ou indireto nem sempre é clara e depende frequentemente do contexto. Por exemplo, o fornecimento de água pelos rios pode ser um serviço ecossistémico direto quando considerada a utilização direta da água pelas pessoas (para consumo, rega, etc.) ou indireto quando considerada a importância da água na manutenção do ecossistema e no fornecimento de outros serviços.
Por sua vez, os serviços ecossistémicos diretos podem ser do tipo consumptivo ou não-consumptivo1, 2. Os serviços do tipo consumptivo são aqueles cuja utilização leva a uma redução da quantidade disponível para outro uso ou uso por outra pessoa, isto é, estes serviços são consumidos durante a sua utilização. Exemplos de serviços do tipo consumptivo incluem a extração de alimentos, água, fibras e materiais inertes dos rios. Os serviços do tipo não-consumptivo são aqueles cuja utilização não afeta a quantidade disponível, isto é, estes serviços podem ser utilizados repetidamente sem diminuir a sua disponibilidade para outros usos ou outras pessoas. Exemplos de serviços do tipo não-consumptivo incluem as atividades de lazer e recreação, contemplação e usos espirituais.
As primeiras referências ao conceito de serviços ecossistémicos ocorreram nas décadas de 1960 e 1970, com a primeira referência explícita ao termo “serviços ecossistémicos” a surgir no início da década de 1980. No entanto, só depois do estudo de Robert Costanza e colegas3, publicado em 1997, é que os serviços ecossistémicos começaram a ser seriamente identificados, quantificados e valorados do ponto de vista económico. Nesse estudo, a equipa estimou o valor económico anual de 17 serviços ecossistémicos fornecidos por 16 biomas a nível global e concluiu que este valor era, em média, cerca de duas vezes superior ao produto nacional bruto global à data (1994); ainda assim, o valor obtido era claramente uma subestimativa uma vez que não foram considerados todos os serviços ecossistémicos nem todos os biomas. Sendo o primeiro a quantificar o valor económico dos serviços ecossistémicos à escala global, o estudo de Robert Costanza e colegas3 contribuiu para (i) promover o reconhecimento do valor dos serviços ecossistémicos e mostrar que os ecossistemas têm um valor económico relevante, além de serem importantes para a sobrevivência e o bem-estar humano, (ii) destacar os impactes negativos da degradação e da perda dos ecossistemas e sensibilizar a sociedade para a degradação dos ecossistemas e para a importância da sua conservação e gestão sustentável, e (iii) influenciar a tomada de decisões ao ajudar a justificar investimentos em conservação, restauro e uso sustentável dos ecossistemas, além de incentivar a integração dos serviços ecossistémicos nas avaliações de impacte e nas políticas de desenvolvimento. Com os seus contributos, o estudo de Robert Costanza e colegas3 mostrou que a abordagem dos serviços ecossistémicos é relevante porque ajuda a reconhecer e a valorizar os benefícios que os ecossistemas proporcionam às pessoas, promovendo uma maior conscientização sobre a importância da conservação e do uso sustentável dos ecossistemas.
Na esteira do estudo de Robert Costanza e colegas, e do crescente reconhecimento da importância dos serviços ecossistémicos para o bem-estar humano, a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu, entre 2001 e 2005, um estudo para avaliar a nível global o estado dos ecossistemas, os serviços ecossistémicos que eles fornecem e as consequências da sua degradação, a fim de aumentar a conscientização, influenciar a tomada de decisões e impulsionar ações para a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas1, 2. O relatório Avaliação Ecossistémica do Milénio (no original: Millennium Ecosystem Assessment, MEA2), publicado pela ONU em 2005, identifica 33 serviços ecossistémicos que agrupa em quatro categorias: serviços de suporte, serviços de regulação, serviços de aprovisionamento e serviços culturais1, 2 (TABELA 1). Em geral, os serviços de suporte e de regulação são serviços indiretos enquanto os serviços de aprovisionamento e culturais são serviços diretos, sendo os serviços de aprovisionamento do tipo consumptivo e os serviços culturais do tipo não-consumptivo. Notar que um determinado ecossistema pode fornecer apenas alguns serviços ecossistémicos e que diferentes ecossistemas podem diferir no grau com que fornecem um determinado serviço ecossistémico.
Como definidos, os serviços ecossistémicos são necessariamente vistos de uma perspetiva antropocêntrica e utilitarista. No entanto, a abordagem dos serviços ecossistémicos reflete a dependência da humanidade em relação à natureza e pode contribuir para aumentar a consciência ecológica da sociedade. A abordagem dos serviços ecossistémicos é também versátil na medida em que pode considerar os serviços efetivamente fornecidos por ecossistemas4, 5, mas também os serviços fornecidos por grupos taxonómicos (por exemplo, peixes) ou funcionais (por exemplo, microrganismos decompositores)6, 7.
Depois da publicação do relatório MEA2 surgiram abordagens alternativas que introduziram algumas (pequenas) variações à abordagem de serviços ecossistémicos proposta pelo MEA e que não vão ser destacadas aqui. Em 2012, a União Europeia adotou a Classificação Internacional Comum dos Serviços Ecossistémicos (no original: Common International Classification of Ecosystem Services, CICES8), cuja última atualização é de 2018, sendo atualmente o sistema de classificação de serviços ecossistémicos mais utilizado por cientistas e decisores porque apresenta uma abordagem mais integradora e global que permite reunir informação capaz de integrar os sistemas de contabilidade nacionais (por exemplo, para cálculo do produto interno bruto). A CICES considera uma gama mais alargada de serviços ecossistémicos em relação aos identificados pelo MEA (TABELA 1), que agrupa em três categorias: serviços de regulação e de manutenção, serviços de aprovisionamento e serviços culturais. Os serviços de suporte definidos no MEA são aqui considerados parte integrante das estruturas, processos e funções característicos dos ecossistemas. Na CICES, a classificação dos serviços ecossistémicos é baseada numa abordagem hierárquica com cinco níveis. No primeiro nível (secção) há três categorias amplas que correspondem às três categorias de serviços ecossistémicos. Cada uma destas categorias é subdividida em categorias mais específicas (divisões), totalizando 18 divisões. Cada divisão é subdividida em grupos específicos de serviços totalizando 44 grupos. Os grupos são subdivididos em classes e as classes em tipos (FIGURA 1).
Serviços ecossistémicos fornecidos pelos rios.
A dependência das pessoas em relação aos rios é antiga como comprova o estabelecimento das primeiras grandes civilizações nas margens dos rios: a Suméria entre os rios Tigre e Eufrates, o Antigo Egipto no Vale do rio Nilo e a Civilização do Vale do Indo. Os rios fornecem potencialmente uma vasta lista de serviços ecossistémicos (FIGURA 2, TABELA 2 e TABELA 3).
No entanto, as caraterísticas dos rios (por exemplo, a sua posição na rede hidrográfica, dimensão, regime hidrológico, estado de conservação) vão condicionar o número, tipo e magnitude dos serviços ecossistémicos fornecidos4, 5, 9.
Condicionantes ao fornecimento de serviços ecossistémicos.
Os vários serviços ecossistémicos não podem ser vistos de forma independente já que o fornecimento de um dado serviço pode depender ou ser afetado pelo fornecimento de outro serviço. Há também variações temporais e espaciais no fornecimento dos serviços ecossistémicos. Assim, são várias as condicionantes ao fornecimento dos serviços ecossistémicos4, como por exemplo:
(i) Muitos serviços ecossistémicos são fornecidos à custa de outros. Por exemplo, o fornecimento de energia hidroelétrica ou de água para rega e/ou consumo (serviços de aprovisionamento), com o represamento da água por açudes ou barragens e a consequente alteração do regime hidrológico e da área de leito submersa a montante e a jusante da barreira, é feito à custa da redução no fornecimento de serviços de suporte como a provisão e manutenção de habitat e a manutenção da biodiversidade. Também o fornecimento de serviços de suporte como os ciclos dos nutrientes, a provisão e manutenção de habitat e a manutenção da biodiversidade, que beneficiam da acumulação de detritos vegetais no leito, é feito à custa de valores estéticos que podem ter preferência por rios “limpos” (serviço cultural);
(ii) O fornecimento de um serviço ecossistémico num local pode afetar o fornecimento de serviços ecossistémicos noutro local da rede hidrográfica. Por exemplo, o estabelecimento de açudes e barragens para o fornecimento de energia hidroelétrica ou de água para rega e/ou consumo (serviços de aprovisionamento), com a consequente retenção de sedimentos, diminui o fornecimento de sedimentos às zonas costeiras o que afeta a deposição de areias (serviço de suporte), a extração de areias (serviço de aprovisionamento) e as atividades de lazer e recreação (serviço cultural). Os açudes e as barragens também impedem a circulação de peixes migradores, que ficam impossibilitados de colonizar áreas a montante dessas estruturas, o que limita o fornecimento de peixe (serviço de aprovisionamento) às populações humanas dessas áreas;
(iii) O fornecimento de um serviço ecossistémico pode promover o fornecimento de outros serviços ecossistémicos. Por exemplo, o estabelecimento de açudes e barragens para o fornecimento de energia hidroelétrica ou de água para rega e/ou consumo (serviços de aprovisionamento) leva à criação de um espelho de água que pode ser usado para atividades de recreação (serviço cultural);
(iv) Os serviços ecossistémicos não têm a mesma importância ao longo do ano. Por exemplo, o controlo de cheias e o controlo da erosão (serviços de regulação) são mais importantes durante o período das chuvas enquanto a regulação do microclima (serviço de regulação) e as atividades de recreação (serviço cultural) são mais significativas no verão. Também, a importância de um determinado serviço ecossistémico pode alterar-se ao longo do tempo. Por exemplo, é expectável que o controlo de cheias e da erosão e a regulação do microclima (serviços de regulação) se tornem mais relevantes num contexto de alterações climáticas em que haverá um aumento na intensidade e na frequência de eventos extremos (cheias e ondas de calor);
(v) A importância dos diferentes serviços ecossistémicos varia ao longo da rede hidrográfica, com os pequenos ribeiros a fornecerem principalmente serviços de suporte e de regulação enquanto os rios fornecem mais serviços de aprovisionamento. De notar que os serviços de aprovisionamento fornecidos pelos rios (e até mesmo pelas zonas costeiras) estão grandemente dependentes dos serviços de suporte e de regulação fornecidos pelos ribeiros. Por exemplo, os ciclos dos nutrientes (serviço de suporte) e a purificação da água (serviço de regulação) fornecidos pelos ribeiros garantem o transporte de nutrientes e de água de boa qualidade para jusante onde vão sustentar, por exemplo, a extração de água e alimento (serviços de aprovisionamento) e atividades de recreação (serviço cultural)4.
Valoração dos serviços ecossistémicos.
Para além da identificação dos serviços ecossistémicos fornecidos por determinado ecossistema, pode ser também importante fazer a sua valoração, i.e., atribuir-lhes um “preço”. Esta valoração pode ajudar a justificar a implementação de medidas de proteção ou restauro, permitir estimar valores de indemnização por degradação ambiental ou permitir estimar valores a pagar por serviços ecossistémicos10. A valoração dos serviços ecossistémicos é um processo complexo que envolve atribuir um valor económico aos benefícios que os ecossistemas fornecem aos seres humanos. Existem vários métodos para a valoração dos serviços ecossistémicos11, como por exemplo:
(i) Preços de mercado, em que a determinação do valor dos serviços ecossistémicos é feita com base em transações de mercado existentes, como por exemplo a valoração do peixe proveniente da pesca comercial (serviço de aprovisionamento) com base no seu valor de venda ao público;
(ii) Custos de reposição, em que o valor dos serviços ecossistémicos é estimado com base nos custos necessários para substituir ou replicar esses serviços por meio de tecnologias ou infraestruturas artificiais, como por exemplo calcular o valor da capacidade de purificação da água de um rio (serviço de regulação) com base no custo de construção e manutenção de uma estação de tratamento;
(iii) Custo de oportunidade, em que o valor dos serviços ecossistémicos é estimado com base no custo de oportunidade associado à perda ou degradação desses serviços, como por exemplo estimar o valor do turismo e atividades de recreação (serviços culturais) numa área com base no valor que se perderia devido a quebras nestas atividades caso a área fosse degradada;
(iv) Preferências declaradas, que envolve a realização de inquéritos para avaliar as preferências e disposição das pessoas para pagar por determinados serviços ecossistémicos, como por exemplo inquirir as pessoas sobre quanto estariam dispostas a pagar para conservar um determinado ecossistema.
É importante realçar que a valoração económica dos serviços ecossistémicos é apenas um aspeto da sua importância. A valoração quantitativa dos serviços ecossistémicos pode variar ao longo do tempo e depende de fatores como a sociedade, a região geográfica, as características do ecossistema e os métodos utilizados para estimar os valores. Nem todos os serviços ecossistémicos podem ser facilmente quantificados em termos monetários (como é o caso de muitos serviços de suporte, de regulação e culturais), e muitos têm valores não monetários, como valor cultural, espiritual e promotores do bem-estar humano. Há também serviços ecossistémicos que são fornecidos apenas pontualmente (por exemplo, proteção contra eventos extremos) e cuja identificação e valoração num determinado momento pode ser difícil. Notar também que os ecossistemas e a biodiversidade têm um valor intrínseco inestimável. Portanto, a valoração dos serviços ecossistémicos deve ser complementada com abordagens multidisciplinares que considerem diferentes perspetivas e valores.
A título de exemplo, o valor do serviço de purificação da água (serviço de regulação) por rios e lagos nos países membros da União Europeia foi avaliado em 3134 milhões de euros em 201212. Também, a implementação de medidas para a proteção das montanhas Catskill, onde tem origem parte da água fornecida à cidade de Nova Iorque (Estados Unidos da América), economizou entre 6 e 8 mil milhões de dólares em custos de construção e 300 milhões de dólares em custos anuais de manutenção de uma estação de tratamento de água, que teria que ser construída caso a água não fosse de boa qualidade e necessitasse de tratamento prévio13.
Pagamento por serviços ecossistémicos.
O pagamento por serviços ecossistémicos (PSE) é uma abordagem que visa incentivar a conservação e o uso sustentável dos ecossistemas, reconhecendo e recompensando os proprietários de terra ou as comunidades que administram os ecossistemas (provedores de serviços) pelos serviços que estes fornecem à sociedade. Isto será principalmente relevante no que respeita aos serviços de suporte, de regulação e culturais que não são valorizados pelos mercados, ou são-no de forma insuficiente para promover o seu fornecimento. O objetivo do PSE é estabelecer mecanismos pelos quais quem beneficia dos serviços ecossistémicos contribua financeiramente para a sua preservação e gestão adequada. O PSE funciona através da criação de incentivos económicos para que os provedores de serviços adotem práticas de conservação ou restaurem áreas degradadas. Estes incentivos podem ser pagos pelo governo, empresas, organizações não-governamentais ou pessoas particulares que reconhecem o valor dos serviços ecossistémicos e desejam apoiar a sua continuidade. Existem diferentes tipos de PSE, incluindo:
(i) Pagamentos por serviços ambientais, em que os provedores de serviços ecossistémicos são pagos por medidas que ajudam a proteger ou melhorar a qualidade dos ecossistemas, como a conservação da biodiversidade, a preservação de áreas florestais ou o restauro de habitats;
(ii) Compensação por impactes ambientais, em que os pagamentos são feitos por entidades que causam impactes negativos nos ecossistemas, como empresas que emitem poluentes ou realizam atividades que degradam o ambiente, visando compensar os danos causados e financiar ações de restauro ou mitigação;
(iii) Mercados de serviços ecossistémicos, em que há a criação de mercados nos quais os provedores de serviços ecossistémicos podem vender créditos ou unidades de serviços ecossistémicos, como sequestro de carbono ou fornecimento de água limpa, para compradores interessados, criando um sistema de comércio em que os serviços são valorados e negociados.
Portugal tem adotado medidas e políticas para promover o PSE como parte dos seus esforços para proteger os ecossistemas e promover o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, em 2019, o Conselho de Ministros aprovou a primeira fase do Programa de Remuneração dos Serviços dos Ecossistemas em Espaços Rurais, que será implementado em duas áreas protegidas, o Parque Natural do Tejo Internacional e a Paisagem Protegida da Serra do Açor. Este programa visa desenvolver, entre 2019 e 2038, um modelo de remuneração aos proprietários de terra pelos serviços fornecidos pelos ecossistemas, mediante a adoção de medidas que permitam restaurar, valorizar e proteger a biodiversidade, para o que conta com uma verba de cerca de 3,7 milhões de euros14, 15.
Desserviços ecossistémicos.
Por oposição aos serviços ecossistémicos, os desserviços ecossistémicos referem-se aos efeitos indesejáveis ou prejudiciais que os ecossistemas podem ter sobre os seres humanos e a sociedade16. Os desserviços podem ocorrer de várias formas, dependendo do contexto local. Alguns exemplos de desserviços ecossistémicos que podem ser fornecidos pelos rios incluem as inundações e a proliferação de pragas. Por exemplo, em certas condições, especialmente se houver deterioração da qualidade da água, os rios podem fornecer condições favoráveis para a reprodução e propagação de pragas e doenças com impactes negativos na saúde humana. É importante identificar os desserviços ecossistémicos para que seja possível mitigá-los ou evitá- los. Isso implica uma gestão adequada dos ecossistemas, considerando os impactes que as atividades humanas têm sobre eles, com a implementação de práticas sustentáveis que equilibrem os benefícios e os riscos associados aos serviços ecossistémicos.
Ameaças aos serviços ecossistémicos fornecidos pelos rios.
Existem seis grandes ameaças aos rios a nível global17 (TABELA 4) que, individualmente e em combinação, induzem alterações nas características dos rios (por exemplo, aumento da temperatura da água, aumento da concentração de nutrientes, diminuição da quantidade de água disponível), ameaçando a biodiversidade ribeirinha e, consequentemente, o fornecimento de serviços ecossistémicos. Localmente, os rios podem ser afetados por outras ameaças, dependendo das suas características e das necessidades humanas. Por exemplo, os ribeiros estão entre os ecossistemas mais vulneráveis às atividades humanas devido ao seu reduzido tamanho, reduzido volume de água, forte ligação ao ambiente terrestre, forte dependência da vegetação ribeirinha e isolamento. Estas características tornam-nos sensíveis a uma série de ameaças adicionais como por exemplo enterramento, canalização, obstrução, e alterações da floresta que levem a alterações no ensombramento, na entrada de detritos vegetais e na disponibilidade de água4. Uma vez que o fornecimento de serviços ecossistémicos depende das características dos ecossistemas e da sua biodiversidade, manter a saúde dos ecossistemas é fundamental para garantir o fornecimento contínuo dos serviços ecossistémicos.
A abordagem dos serviços ecossistémicos motiva e sustenta legislação e acordos ao nível internacional e nacional com vista a reverter a degradação dos ecossistemas e a perda da biodiversidade, e consequentemente assegurar o contínuo fornecimento dos serviços ecossistémicos. Alguns exemplos destes acordos são a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos18, a Década das Nações Unidas para a Recuperação dos Ecossistemas19 e a Lei do Restauro da Natureza da Comissão Europeia. Individualmente, cada pessoa pode refletir sobre os benefícios diretos (consumptivos ou não-consumptivos) e indiretos que obtém dos ecossistemas de modo a adquirir consciência da sua dependência em relação aos ecossistemas e a motivar-se para adotar comportamentos que visem a sua proteção ou restauro, sem obviamente esquecer o valor intrínseco da biodiversidade.
Agradecimentos.
A autora beneficiou de apoio financeiro (CEEIND/02484/2018) e logístico (MARE: UIDB/04292/2020, UIDP/04292/2020; ARNET: LA/P/0069/2020) concedidos pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Referências
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- 13 Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo.
- 14 Resolução do Conselho de Ministros n.º 121/2019, de 30 de julho, Diário da República n.º 144/2019, Série I de 2019-07-30, p 45–47. 2019.
- 15 SANTOS, R. et al., Nova Política para a Provisão e Remuneração de Serviços dos Ecossistemas em Espaços Rurais – o Problema, a Política e a Implementação. CENSE – Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade, FCT Universidade NOVA de Lisboa e Faculdade de Direito da, Ministério do Ambiente e Transição Energética. Lisboa, p 45. 2019.
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- 18 Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos.
- 19 Década das Nações Unidas para a Recuperação dos Ecossistemas.
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