Medronheiro e os serviços dos ecossistemas
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- * CEF/ LAT/ DCV/ U. Coimbra
- ɫ CEF/ LAT/ DCV/ U. Coimbra
- ‡ CEF/ LAT/ DCV/ U. Coimbra
Referência Martins, J., Canhoto, J., Canhoto, C., (2025) Medronheiro e os serviços dos ecossistemas, Rev. Ciência Elem., V13(3):025
DOI http://doi.org/10.24927/rce2025.025
Palavras-chave
Resumo
O medronheiro (Arbutus unedo L.), é uma pequena árvore perene ou um arbusto nativo do Mediterrâneo, tolerante à seca e valorizado pelo seu potencial económico, particularmente os frutos, que são usados na produção de produtos tradicionais, tais como a aguardente de medronho. A valorização deste recurso promoveu a transição da colheita de frutos em populações selvagens para sistemas de produção organizados, o que permitiu o aumento da produção. Além do impacto económico nas comunidades rurais, o medronheiro é uma espécie-chave na zona mediterrânica para a qual contribui com vários serviços dos ecossistemas: suporta a biodiversidade, previne a erosão dos solos e promove a sua regeneração, armazena carbono, etc. Oferece ainda uma fonte de alimento (pólen, néctar e frutos) para insetos, aves e mamíferos no outono e inverno. A sua resistência e capacidade de regeneração após o fogo fazem do medronheiro uma espécie essencial na gestão florestal, assim como a sua capacidade de crescer em solos marginais, onde previne a erosão e promove a retenção de água e enriquecimento do solo em matéria orgânica.
Arbutus unedo L., de nome comum medronheiro, é uma pequena árvore de folha perene da família Ericaceae. É bastante tolerante a stresses abióticos, como a seca e amplitudes térmicas elevadas, e cresce de forma espontânea no sul da Europa, desde Portugal até à Turquia, e algumas regiões do Norte da África1, 2. O medronheiro apresenta um grande potencial económico, particularmente na região do Mediterrâneo, graças às suas diversas aplicações. Os seus frutos podem ser consumidos em fresco, mas são geralmente usados na produção de produtos tradicionais, tais como compotas, geleias, bolachas, pão, etc3. No entanto, o produto mais valorizado é um destilado com alto teor alcoólico conhecido como “aguardente de medronho”, ou simplesmente “medronho”3. A vasta gama de compostos fenólicos produzidos em vários órgãos da planta, encerram um potencial biotecnológico interessante, com aplicações na indústria farmacêutica, cosmética e alimentar4. O potencial económico do medronheiro é particularmente relevante em áreas rurais remotas, onde as oportunidades económicas são geralmente limitadas, e os sistemas de agricultura tradicional enfrentam desafios crescentes. Nestas zonas, a espécie pode representar uma fonte estratégica de recursos para o desenvolvimento local, graças à sua adaptabilidade e valor acrescentado dos seus produtos. Assim, várias iniciativas têm surgido para promover e proteger a importância cultural e económica desta espécie. Um exemplo proeminente é a “Rota do Medronho”, iniciativa promovida pela Comunidade Intermunicipal de Coimbra e que junta 9 municípios, pretende dar a conhecer a região, posicionando o medronheiro como elemento-chave da identidade local e desenvolvimento económico, promovendo o turismo e o envolvimento das comunidades locais5.
A crescente procura pelo medronho e produtos relacionados, e a transição de colheita em populações espontâneas para plantações ordenadas representa uma verdadeira mudança de paradigma na gestão e aproveitamento deste recurso autóctone. Esta transição permitiu aumentar a produção, garantir a qualidade, e reduzir a pressão em populações naturais, proporcionando aos produtores uma alternativa sustentável em terrenos marginais e suscetíveis ao fogo. Além da sua relevância económica, o medronhal fornece outros serviços igualmente importantes (serviços dos ecossistemas6). Como espécie nativa mediterrânica, suporta a biodiversidade providenciando alimento e habitat para polinizadores, aves e outros animais. Previne a erosão do solo e promove a retenção de água, sequestração de carbono e purificação do ar, etc7 (FIGURA 1).
Fonte de alimento para a fauna.
O fruto do medronheiro (medronho), é uma pequena baga rica em nutrientes, com cerca de 20-30 mm de diâmetro, que oferece uma importante fonte de alimento para pequenos mamíferos, aves e insetos. Devido ao ciclo fenológico característico do medronheiro, é possível encontrar na planta flores e frutos maduros em simultâneo, no período de outono e/ou início de inverno8. Assim, numa época do ano em que o alimento escasseia, as flores e os frutos do medronheiro representam uma fonte importante de alimento para a vida selvagem local contribuindo para a resiliência dos ecossistemas. As flores do medronheiro produzem pólen e néctar, atraindo abelhas (e.g., Apis melifera), abelhões (Bombus terrestris) e outros polinizadores9, num momento em que os recursos florais são limitados, uma vez que poucas espécies estão em floração, ajudando a sustentar as populações de insetos polinizadores durante a estação fria. Além disso, a borboleta do medronheiro (Charaxes jasius) alimenta-se exclusivamente de folhas desta espécie na fase de lagarta10.
Resistência ao fogo e regeneração.
Pela sua reduzida dimensão e resistência ao fogo, esta espécie pode ser chave no controlo de incêndios florestais, podendo ser usada na criação de zonas tampão de forma a diminuir a intensidade e a velocidade de propagação dos incêndios. Por exemplo, a REN (Rede Elétrica Nacional) tem promovido a sua plantação em linhas de alta tensão, porque ao contrário de espécies de grande porte como o eucalipto e o pinheiro, representam um risco reduzido para estas estruturas em caso de incêndio11. Além disso, pelo fato de possuir um tubérculo lenhoso (lignotúber ou lignotubérculo, FIGURA 2) entre o caule e a raiz, o medronheiro tem a capacidade de regenerar mesmo quando a parte aérea da planta é destruída pelo fogo12 (FIGURA 1 A)). Assim, as florestas com medronheiros recuperam mais rapidamente após incêndios. Da mesma forma, um medronhal de produção que seja afetado pelo fogo, tem a capacidade de auto regenerar e retomar a produção, o que constitui uma vantagem estratégica para os produtores.
Estabilização de solos e retenção de água.
Devido à sua rusticidade, o medronheiro consegue desenvolver-se em solos rochosos, muito pobres em matéria orgânica, e onde a água é um recurso escasso (FIGURA 1 B)). Além disso, apresenta um sistema radicular bem desenvolvido e profundo, o que contribuiu para a estabilização de terrenos instáveis3, particularmente em zonas ingremes e com solos rochosos, como é o caso dos solos xistosos do interior centro, do barrocal algarvio, ou das montanhas de Trás-os-Montes. Além da estabilização dos solos, a presença de medronheiros nestes locais promove também a retenção de água. A sua tolerância a metais pesados, permite também a utilização do medronheiro como fitoestabilizador13, ou seja, a plantação em solos contaminados, contribuindo para evitar a mobilização de metais tóxicos, reduzir a erosão e promover a recuperação ecológica de áreas degradadas. Assim, o medronheiro, surge como uma solução viável e sustentável para a reabilitação de ecossistemas afetados por atividades mineiras ou industriais.
Hospedeiro de microbiota.
O medronheiro serve de hospedeiro de uma grande diversidade de microrganismos, tais como bactérias e fungos (incluindo espécies micorrízicas), que colonizam os seus tecidos (raízes, folhas, etc.)14, 15, 16. Estas associações microbianas desempenham um papel fundamental na saúde e funcionamento da planta, porque contribuem para a captação de nutrientes, resistência a doenças, e promovem a resistência a stresses abióticos como a seca. A presença de microrganismos tem também implicações ecológicas mais vastas, uma vez que a presença de micorrizas não só beneficia o medronheiro, mas cria uma rede subterrânea de comunicação entre comunidades de plantas. Por isso, ao suportar esta diversidade microbiana, o medronheiro promove a saúde dos solos e contribui para a estabilidade e resiliência dos ecossistemas.
Fonte de matéria orgânica no solo e sistemas de água doce.
A sua folhada, assim como as flores, são uma fonte importante de carbono para o solo, contribuindo para a diversidade de microrganismos e invertebrados do solo, que promovem a degradação das folhas e flores (FIGURA 1 C)). A senescência rápida de algumas folhas, uma espécie de folhas suicidas que senescem antes de atingirem a completa maturação (FIGURA 3), pode ser também importante para um rápido crescimento, pois os seus nutrientes podem ser canalizados para zonas do caule em crescimento ativo (dados não publicados). Apesar de o medronheiro não ser tipicamente associado a zonas ripícolas, a sua plantação em encostas com grandes declives próximos de ribeiros, como acontece na região centro do país, faz com que a sua folhagem chegue aos cursos de água (via lateral). Ao contrário das caducifólias típicas dos sistemas ripícolas (e.g., amieiro, freixo, choupo e salgueiro17) que perdem as suas folhas maioritariamente no outono, no medronheiro este processo ocorre durante todo o ano, mas com maior incidência na primavera e verão. As características das suas folhas maduras, incluindo uma cutícula espessa, a presença de ceras, dureza elevada e altas concentrações de compostos fenólicos influenciam a decomposição, tornando as folhas mais resistentes à decomposição rápida, providenciando um recurso diferente das caducifólias, que de uma forma geral são facilmente degradáveis18, o que pode contribuir para uma maior diversidade das comunidades de decompositores (microrganismos e invertebrados), quer em meio terrestre quer nos sistemas aquáticos.
Comparando os sistemas de produção de medronheiro em monoculturas com outras espécies, como o eucalipto, que fornece uma folhada ao longo do ano com algumas características semelhantes (elevada dureza, compostos fenólicos), a folhada do medronheiro pode ter características ecologicamente mais relevantes, porque ao contrário do eucalipto a sua folha é muito pobre em óleos essenciais, o que facilita a colonização da folha por microrganismos e a torna mais palatável para invertebrados.
Referências
- 1 TORRES, J. A. et al., Arbutus unedo L. communities in southern Iberian Peninsula mountains, Plant Ecol, 160:207–223. 2002.
- 2 CAUDULLO, G. et al., Chorological maps for the main European woody species, Data Brief, 12:662–666. 2017.
- 3 MARTINS, J. et al., Biotechnology of the multipurpose tree species Arbutus unedo: a review, Journal of Forestry Research, 33:377-390. 2022.
- 4 MIGAS, P. & KRAUZE-BARANOWSKA, M., The significance of arbutin and its derivatives in therapy and cosmetics, Phytochem Lett, 13:35–40. 2015.
- 5 Região de Coimbra apresenta Rota do Medronho com experiências únicas do campo à mesa, Câmara Municipal da Pampilhosa da Serra.
- 6 FERREIRA, V., Serviços ecossistémicos, Rev Ciência Elem., 12(1):005. 2024.
- 7 Importancia ecologica.
- 8 MARTINS, J. et al., Hybridization assays in strawberry tree toward the identification of plants displaying increased drought tolerance, Forests, 12:148. 2021.
- 9 MARTINS, J. & CANHOTO, J., Medronheiro, Rev Ciência Elem., 12(1):004. 2024.
- 10 VENÂNCIO, E., Charaxes jasius, Museu Virtual da Biodiversidade.
- 11 REN planta mais de 3 mil árvores em Penacova, Rede Elétrica Nacional.
- 12 COELHO, I. et al., Medronheiro, Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária. 2017.
- 13 GODINHO, B. et al., Biogeochemistry evaluation of soils and Arbutus trees in the Panasqueira mine area, Revista de Ciências Agrárias, 33:226–235. 2010.
- 14 MARTINS, J. et al., Isolation and identification of Arbutus unedo L. fungi endophytes and biological control of Phytophthora cinnamomi in vitro, Protoplasma, 259:659-677. 2021.
- 15 MARTINS, J. et al., A baseline of Arbutus unedo L. microbiome for future research: In vitro versus ex vitro, Scientia Horticulturae, 292:110657. 2022.
- 16 GOMES, F., Mycorrhizal synthesis between Lactarius deliciosus and Arbutus unedo L., Mycorrhiza, 26:177-188. 2016.
- 17 FERREIRA, V., A floresta ripária, Rev Ciência Elem., 10(2):023. 2022.
- 18 FERREIRA, V. et al., Rios de Portugal. Comunidades, Processos e Alterações, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, p 281–312. 2019.
- 19 MARTINS, C., Effects of essential oils from Eucalyptus globulus leaves on soil organisms involved in leaf degradation, PLOS One, 8(4):e61233. 2013.
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