Tal como é sugerido pelo próprio nome da Chapada, a região é conhecida por terra de muito garimpo, associada exatamente à exploração diamantífera do século XIX, depois de um primeiro período dedicado ao ouro. Ou a sua geologia, que não tem obviamente fronteiras, não estivesse na continuidade do vizinho Estado de Minas Gerais, lugar máximo na vasta história da exploração mineira no Brasil. Uma geologia de idade muito antiga, que remonta ao Pré-Câmbrico, desde o Arcaico ao Proterozoico terminal, incluído no cratão de São Francisco1, 2, 3. Uma contextualização muito semelhante pela sucessão litológica, idade e até, de certa forma, pelo tipo de morfologias atuais, à da Serra da Leba e Planalto da Humpata (Angola), do então vizinho cratão do Congo. É que os continentes e as placas litosféricas sobre as quais estes assentam, com o fenómeno de deriva (continental) do alemão Alfred Wegener – mais tarde confirmado pela revolucionária teoria da tectónica de placas –, deram demasiadas “voltas” sobre a astenosfera. Muitas centenas de milhões de anos para além da tão conhecida união de todos os continentes, na Pangeia, a Chapada Diamantina e o Planalto da Humpata estiveram bem juntinhos, estando hoje separados pelo imenso Atlântico Sul.

São múltiplos os recantos geomorfológicos da Chapada Diamantina. Alguns deles com paisagens ofuscantes e avassaladoras, selecionados pelo impacto criado à mais fina sensibilidade. Sensações que, pela distância, podem ser confirmadas no Google, através das centenas de registos fotográficos que por aí se multiplicam. No topo da lista, o Morro do Pai Inácio, que sobressai entre todas as morfologias do Planalto, edificado em rochas sedimentares siliciclásticas da Formação Tombador. Um lugar preenchido com a sua própria lenda, que inclui um Inácio, desgraçado e, encontrando-nos por estas zonas do interior do Brasil, um inevitável coronel e seus jagunços. No cimo do Morro, onde alguém poderá contar toda esta história, proporcionam-se os mais espetaculares flashes da imensa Chapada (Figura 1).

Figura 1. Um dos grandes ícones da Chapada Diamantina, vista do Morro do Pai Inácio. Empilhamento sub-horizontal de rochas sedimentares do Proterozoico Médio, moldadas pela conjugação da tectónica e dos agentes de meteorização.

Mantendo-nos nas alturas, curiosamente na mesma sucessão estratigráfica (Proterozoico Médio) do Morro do Pai Inácio, destaca-se também a gigantesca e vertiginosa Cachoeira da Fumaça, com desnível de mais de três centenas de metros. Que obriga a uma longa caminhada, de alguns pares de quilómetros, particularmente acidentada no seu percurso inicial. Um esforço, decerto, a repetir pela terceira vez... Fechando o pódio, um grupo de grutas carbonatadas, da Formação Salitre (a última unidade do Proterozoico Superior da Chapada Diamantina), cada uma com a sua marca e com os predicados mais particulares entre os diversos fenómenos de carsificação, com ou sem água. Entre elas, evidenciam-se a Lapa Doce, Pratinha, Torrinha (Figura 2), Poço Azul e Poço Encantado. Esta última, revelando-nos uma espécie de conjugação astronómica Sol-Terra, que resulta na projeção dos raios solares sobre a mancha de água, no máximo da sua possível transparência, que circula no seu interior. Um encantamento, bem real, que tem horas do dia e estação do ano para a luz solar atravessar a mesma fenda nas rochas, a fazer concorrência ao melhor filme da saga Indiana Jones! Verdadeiras preciosidades da natureza geológica, que suscitam a maior das curiosidades e a visita obrigatória a quem se desloque a estas paragens.

Figura 2. Entrada da Caverna da Torrinha, implantada na unidade carbonatada da Formação Salitre (Proterozoico terminal). Aspeto da carsificação superficial.

Todavia, a importância da geologia desta região está muito longe de se esgotar nas suas belezas megascópicas. As rochas sedimentares que se acumularam ao longo de centenas de milhões de anos durante o Proterozoico mostram evidências únicas e contrastantes de paisagens passadas. Algo impossível de cogitar a partir do registo geológico português daquela mesma idade. Tudo consequência das várias orogenias que assolaram as nossas rochas (do território português), que as deformaram e metamorfizaram, não deixando ao olhar mais minucioso do sedimentológo a mínima possibilidade de interpretar os paleoambientes. Mas não é isso que acontece na longa história geológica da Chapada Diamantina onde, através de uma sedimentação dominantemente terrígena, se acumularam centenas de metros de sedimentos numa bacia dita intracratónica. Com aspetos faciológicos e estruturas sedimentares que são do melhor que podem alguma vez ser observados em afloramento, e que testemunham alterações contrastantes nos ambientes e nos climas que vigoraram no processo deposicional. Desde logo, e independentemente do posicionamento estratigráfico e da assinatura temporal, destacam-se rochas de origem eólica, que contabilizam mais de 1500 milhões de anos (Formação Mangabeira; Figura 3)2, cujo baixo grau de litificação nos faria lembrar sedimentos com pouco mais do que 10 milhões de anos! A poucos quilómetros, fácies com clastos de origem glaciomarinha (dropstones; Figura 4), da Formação Bebedouro, a sugerirem clima particularmente frio, que caracterizou uma fatia temporalmente significativa do final do Proterozoico em grande parte do planeta Terra: o Snowball Earth3, 4. Ou as constantes marcas de ondulação e de maré, de elevadíssimo estado de preservação, observáveis em várias unidades de origem fluvio-eustarina que afloram na região. No topo da série proterozoica fossilizam os carbonatos da Formação Salitre, os tais que deram origem, muito mais tarde, às numerosas grutas conhecidas. Rochas que mostram belíssimas construções estromatolíticas5, que nos movem, em todos os sentidos, para a Formação da Leba, no topo do Planalto da Humpata.

Figura 3. Aspeto da estratificação entrecruzada patente na Formação Mangabeira, rochas com mais de 1500 milhões de anos, resultantes da acumulação sob ambiente eólico.

No final, a acumulação de uma bela coleção de cromos de geologia para mais tarde recordar e nos ajudar a compreender uma parte longínqua da história da Terra! Tudo a rivalizar com os verdadeiros diamantes da Chapada!

Figura 4. Dropstone (“seixo pingado”) em camada de arenito estratificado. Uma evidência clara de ambiente periglacial, uma das características do Proterozoico Superior (Formação Bebedouro).