A geologia está ao “virar da esquina”. Nas regiões desérticas, está em todo o lado, nos 360˚ que o círculo da visão nos proporciona. Por aqui, é só escolher o motivo, pois o azimute é simples de seguir para quem tenha o olho preparado e educado. Por uma questão de hierarquia, tem de se começar pelo suprassumo deste território: os lagos salgados, de génese constante de alguns minerais de precipitação química, que são referência dos melhores compêndios de sedimentologia e de ambientes sedimentares atuais. Novamente, vem à memória o sempre Princípio do Uniformitarismo, que nos permite averiguar nos exemplos recentes a explicação mais adequada e convincente de muitos dos registos de sucessões evaporíticas (salíferas, gipsíferas, etc…), conhecidas de diversas idades e repartidas por todo o globo. A começar pela Formação de Dagorda (com a sua localidade tipo para os lados de Óbidos), da base do Jurássico português, “carregada” de gesso, que tem nos modelos de sedimentação atual dos lagos salgados norte africanos uma das suas possíveis origens. Os clássicos ambientes de sabkha! Onde a pluviosidade é baixa. Mas chove! Havendo sais e alguma água na superfície, a evaporação faz grande parte do seu trabalho: a génese de minerais como a halite, gesso ou a carnalite. Os tais minerais evaporíticos.

Entre os vários lagos salgados que abundam na região sobressai, desde logo pela sua dimensão, o Chott El Djerid. Um dos maiores do mundo! Uma imensidão de sais a perder de vista, qual bela miragem, pois é mesmo de água que falamos. Com importante recarga de água dos maciços rochosos circundantes, algumas áreas da superfície do lago são recobertas por crostas de sais, formando largas estruturas poligonais que resultam de fenómenos de dessecação e que se desenvolvem em períodos de maior estiagem (Figura 1)2. É neste tipo de contexto sedimentar que ocorrem as famosas e genuínas rosas do deserto, cristais de gesso combinados com areia em forma de pétala de flor, com as suas cores tipicamente “terrosas”. A imaginação dos nativos, à semelhança do que acontece com outras espécies minerais do Atlas marroquino, dá-lhes o colorido garrido, completamente artificial, que falta à paisagem (Figura 2). É a originalidade do povo norte africano no seu melhor.

Figura 1. O imenso Chott El Djerid: crostas hexagonais de sais que resultam de períodos de dessecação.
Figura 2. Rosas do deserto, contituídas por gesso (sulfato de cálcio hidratado) e areia, com “cores” para todos os gostos! Ótima imaginação.

Atravessando o Chott El Djerid em direção a Oeste, chega-se a Tamerza, conhecida pela sua antiga aldeia, quase fantasma, a testemunhar que, quando chove de verdade, os efeitos podem ser catastróficos. É nas imediações desta povoação que é conhecido o “grande” canyon da Tunísia, mas incomparavelmente menor do que o americano. Aqui, nas gorges de Tamerza, onde se contam algumas pequenas cascatas (Figura 3), as semelhanças são imensas com algumas das passagens do Paciente Inglês. A geologia é materializada por rochas sedimentares muito variadas, em camadas sub-horizontais, com forte continuidade lateral, cuja idade mais antiga remonta ao Cretácico Superior3. Entre elas, destacam-se umas rochas mais esbranquiçadas, os fosfatos, que dão nome a algumas minas da região. Mas, nesta ambiência árida, que já foi mar – o conhecido Tétis –, não falta novamente a paleta de cores, não só através das já expectáveis rosas do deserto pintadas como dos turbantes que se alinham no horizonte numa das zonas mais comerciais deste recanto geomorfológico da Tunísia.

Figura 3. As “paredes” da Grande Cascata de Tamerza. Rochas sedimentares estratificadas sub-horizontais datadas do Paleogénico.

No conjunto de geossítios de Tozeur selecionados, fica a faltar Chebika, que combina um pouco de tudo o que atrás foi narrado. A pouco menos de meia-dúzia de quilómetros de Tamerza, Chebika parece testemunhar melhor o confronto dos relevos do Sul do Atlas com a plataforma saariana. Na paisagem sobressaem estratos de rochas do Terciário (Paleogénico)4, não muito diferentes dos de Tamerza, mas aqui em posição vertical, denunciando que as forças tectónicas, orogénicas, não foram nada, mesmo nada leves (Figura 4). Afinal, o Atlas é exemplo e produto das forças compressivas mais marcantes do globo. A cortar estas estruturas, desenha-se um estreito riacho, inclinado e particularmente encaixado, com as sedutoras quedas de água, fatalmente refrescantes, pois o clima, por aqui, é bem ardente. Devido à constante humidade do solo, desenvolve-se um oásis luxuriante, igualmente estreito porque a morfologia não dá para mais. Mas o curso de água não vai longe. Morre, precisamente, na sua parte mais aplanada, quando atinge o lago salgado mais próximo.

Figura 4. Rochas sedimentares estratificadas sub-verticais (Paleogénico) a montante do oásis de Chebika.

Muita e generosa geologia! Acompanhada, aqui e ali, pelos sons de batuque, por encantadores de serpentes ou por vendedores de qualquer coisa. À hora da refeição, o indispensável cuscuz. Que é garantido. Ao fim da tarde, um thé à la menthe. Para nos fazer recordar o Chá do Deserto de Bertolucci, rodado em Ouarzazate, no lado mais oriental do Atlas e do Saara. Um ótimo motivo para uma das próximas incursões por outros lugares deste lado único do planeta Terra.