Minas de Carvão em Portugal

A atividade mineira relacionada com a exploração de carvão em Portugal ocorreu num total de 143 minas. Destas, destacam-se pela sua importância, as minas da Bacia Carbonífera do Douro, da Bacia de Lignites de Rio Maior, da Bacia de Santa Susana e da Bacia do Cabo Mondego1. A primeira concessão está registada em 1850, embora se saiba que a exploração de carvão em São Pedro da Cova teve início em 1795. A exploração de carvão em Portugal terminou em 1994, com o encerramento da mina do Pejão-Germunde.

Na inventariação de áreas mineiras abandonadas de Portugal2, realizada pela EDM - Empresa de Desenvolvimento Mineiro, constam as minas de carvão do Moinho da Ordem (Bacia de Santa Susana, em Alcácer do Sal), de Pejão-Germunde (Bacia Carbonífera do Douro, em Castelo de Paiva) e de São Pedro da Cova (Bacia Carbonífera do Douro, em Gondomar).

A Bacia Carbonífera do Douro, com enchimento sedimentar datado do Carbónico Superior (período geológico compreendido entre 300 a 360 Ma), é a maior ocorrência de carvão em Portugal, localizando-se entre S. Pedro de Fins (Maia) e Janarde (S. Pedro do Sul), numa faixa com cerca de 53 km de comprimento e 30 a 250 m de espessura (FIGURA 1). Durante quase dois séculos, entre 1795 e 1994, o carvão da Bacia Carbonífera do Douro, do tipo antracite A, foi explorado em dezenas de minas de pequenas dimensões, destacando-se pela sua dimensão e importância socioeconómica, os Coutos Mineiros de São Pedro da Cova e do Pejão. O carvão explorado foi principalmente utilizado como combustível para produção de energia na Central Termoelétrica da Tapada do Outeiro (desativada desde 2004).


FIGURA 1. Enquadramento geográfico e geológico da Bacia Carbonífera do Douro.

O Passivo Ambiental

As minas abandonadas são a maior causa de degradação ambiental relacionada com as atividades da indústria extrativa. Em Portugal, reconhece-se que a atividade mineira do passado originou um passivo ambiental significativo2. Muitos dos problemas ambientais associados a estes passivos refletem valores, conhecimentos e exigências distintos dos de hoje, principalmente nas questões relacionados com a gestão e recuperação ambiental de áreas mineiras.

A exploração mineira de carvão na Bacia Carbonífera do Douro, para além dos benefícios socioeconómicos, foi responsável pela geração de impactes negativos no ambiente. Destes impactes destacam-se os relacionados com as escombreiras de materiais estéreis e rejeitados da exploração e beneficiação do carvão. Na proximidade das minas exploradas na Bacia Carbonífera do Douro foram identificadas trinta escombreiras, das quais, seis foram afetadas por processos de autocombustão cuja ignição teve origem em fogos florestais4.

A combustão em escombreiras de estéreis e rejeitados da exploração de carvão pode ocorrer devido à quantidade de material combustível que existe nestas escombreiras, isto é, o carvão disseminado na matéria mineral. A presença de oxigénio atmosférico facilita a ignição causada por incêndios florestais. Menos frequente é a ignição causada pelo aquecimento do material devido à oxidação de sulfuretos, principalmente pirite, que é uma reação exotérmica.

As escombreiras em autocombustão representam um impacte ambiental ainda mais significativo que pode afetar o ambiente, ecossistemas, a biodiversidade e a saúde humana, uma vez que a combustão do material que constitui as escombreiras é responsável pela emissão atmosférica de partículas, gases que contribuem para o efeito de estufa, compostos orgânicos voláteis e poluentes, assim como pela mobilização, principalmente através da percolação de águas, de compostos químicos para os solos e águas das áreas envolventes às escombreiras3, 4, 5.

As Escombreiras em Autocombustão

A autocombustão das escombreiras de São Pedro da Cova, Lomba e Midões, em Gondomar, teve início em 2005, após incêndios florestais que afetaram a região. Nas escombreiras da Lomba (área de cerca de 7300 m2) e de Midões (área de cerca de 200 m2), o processo de autocombustão aparenta ter terminado entre 2010 e 2011. Contudo, a escombreira de São Pedro da Cova está ainda em autocombustão nos dias de hoje (FIGURAS 2 e 3). A escombreira de São Pedro da Cova localiza-se junto ao Poço de São Vicente, que era o principal acesso à mina de São Pedro da Cova, ocupa uma área de cerca de 28 000 m2 e posiciona-se muito perto de um centro populacional e infraestruturas sociais.


FIGURA 2. Visão geral da vertente exposta a SW da escombreira de São Pedro da Cova após autocombustão; note-se a vegetação queimada, a instabilidade do talude e a coloração avermelhada do material da escombreira devido à formação de óxidos de ferro durante a combustão.


FIGURA 3. Aspeto de pormenor de material da escombreira após autocombustão em São Pedro da Cova.

Mais recentemente, em outubro de 2017, o processo de autocombustão teve início em três escombreiras localizadas perto da mina de Pejão-Germunde, tendo sido a ignição também causada por incêndios florestais que ocorreram na região. Uma vez que estas escombreiras se situam perto de zonas habitadas muito afetadas pelas emissões gasosas, a EDM - Empresa de Desenvolvimento Mineiro iniciou o processo de extinção da combustão através da remobilização do material e da adição de um agente acelerador do arrefecimento do material, evitando o possível reacendimento.

O processo de autocombustão nas escombreiras de São Pedro da Cova, Lomba, Midões e nas escombreiras de Pejão-Germunde têm sido alvo de investigação, nomeadamente para a identificação das alterações causadas no material da escombreira, assim como para a identificação, quantificação e monitorização dos impactes ambientais causadas nas áreas envolventes e na previsão de cenários evolutivos que possam suportar tomadas de decisão para a gestão e mitigação dos impactes ambientais.

A caracterização dos materiais que constituem as escombreiras em autocombustão, incluindo a análise dos materiais afetado pela combustão (material queimado) e dos materiais não afetados pela combustão (material não queimado) são fundamentais para o reconhecimento dos impactes ambientais associados. A identificação dos produtos resultantes do processo de combustão, isto é, das emissões gasosas e dos minerais neoformados são também fundamentais.


FIGURA 4. Visão geral de uma das escombreiras localizada perto da mina de Pejão-Germunde, na margem do Rio Douro, após autocombustão; note-se a instabilidade do terreno e a coloração avermelhada do material da escombreira devido à formação de óxidos de ferro durante a combustão.


FIGURA 5. Aspeto de pormenor de material da escombreira após autocombustão no Pejão-Germunde.

As metodologias de análise destes tipos de materiais geológicos podem incluir: microscopia ótica de reflexão, microscopia eletrónica de varrimento e microanálise por raios-X, difração de raios-X e determinação de parâmetros magnéticos para a caracterização petrográfica e mineralógica; análise imediata, análise elementar, espetrometria de massas acoplada a plasma indutivo e cromatografia gasosa acoplada a espetrometria de massa para a caracterização geoquímica orgânica e inorgânica.

O estudo petrográfico dos materiais das escombreiras mostrou que a matéria orgânica e inorgânica evidencia alterações muito intensas3 (FIGURA 6). As fases minerais identificadas nos materiais sujeitos à autocombustão sugerem que a temperatura de combustão atingiu, pelo menos, 1000 °C. Os parâmetros magnéticos evidenciaram um aumento das propriedades magnéticas atribuído à formação de óxidos de ferro durante o processo de combustão6. A maior concentração de elementos químicos nos lixiviados dos materiais de escombreiras sujeitos à combustão, a diminuição da concentração dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos com baixa massa molecular e o aumento dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos de elevada massa molecular são atribuídos às alterações provocadas pelo processo da combustão, e consequente modificação do modo de ocorrência e disponibilidade de alguns elementos químicos4,7.


FIGURA 6. Imagens petrográficas que mostram as alterações causadas pelo processo de autocombustão, nomeadamente bordos de reação com refletância menor nas partículas de matéria orgânica A), B) e formação de óxidos de ferro C) (escala igual em todas as microfotografias).

A caracterização dos materiais que constituem as escombreiras em autocombustão e respetivos produtos permite concluir que os potenciais impactes ambientais associados a estas escombreiras compreendem: contaminação atmosférica causada pela emissão de gases e dispersão de partículas sólidas; contaminação dos solos e das águas superficiais e subterrâneas devido à mobilização de partículas sólidas, lixiviação de elementos perigosos e dissolução dos minerais neoformados; instabilidade de terrenos, potenciada pelos agentes de meteorização; e, deterioração da vegetação associada à drenagem ácida e ao processo de autocombustão. Os potenciais efeitos sobre a saúde humana estão associados às emissões gasosas consequentes do processo de autocombustão e dispersão atmosférica de partículas sólidas. A contaminação de solos e águas podem afetar a biodiversidade local, assim como a saúde humana, através do consumo de água e uso dos solos para a agricultura.

Além dos estudos de caracterização dos materiais das escombreiras e produtos da combustão, a escombreira de São Pedro da Cova tem sido alvo de investigação no âmbito de dois projetos de investigação científica, nomeadamente os projetos ECOAL e COALMINE. O projeto de investigação científica ECOAL - Gestão ecológica de pilhas de resíduos de carvão (2013-2015) teve como principais objetivos a monitorização remota, de forma distribuída e contínua da temperatura de combustão e emissão de gases na escombreira de São Pedro da Cova, com base em sensores de fibra ótica8,9. O projeto de investigação COALMINE - Resíduos de exploração de carvão: avaliação, monitorização e recuperação de impactes ambientais através de deteção remota e análise geoestatística (2018-2021) tem como principais objetivos o estudo de solos e águas da área envolvente à escombreira de São Pedro da Cova, que permitirá a caracterização e quantificação dos impactes ambientais causados pela autocombustão10. A análise geoestatística da distribuição espacial e da extensão da contaminação, assim como a exploração de dados geoespaciais possibilitarão a caracterização dos riscos ambientais e de saúde humana.