Eletrostática
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- Universidade do Porto
Referência Lage, E., (2021) Eletrostática, Rev. Ciência Elem., V9(1):015
DOI http://doi.org/10.24927/rce2021.015
Palavras-chave campo elétrico, cargas em repouso, carga, potencial elétrico, momentos dipolar, momento quadrupolar, equação de Maxwell-Coulomb, superfície gaussiana
Resumo
A eletrostática é dedicada ao estudo do campo elétrico originado por cargas em repouso. Começa-se por considerar o campo gerado por uma única carga, generalizando-se, depois a um número arbitrário de cargas, distribuídas continuamente ou uma colecção discreta. A grandes distâncias de uma tal distribuição, a expansão multipolar fornece um desenvolvimento do potencial elétrico em termos de momentos dipolares, quadrupolares, etc., conceitos importantes no estudo de núcleos atómicos, moléculas, cristais líquidos… A análise da energia eletrostática do campo permite, por um lado, definir a energia de interação entre distribuições de carga bem separadas e, por outro lado, obter as forças e momentos que se exercem sobre essas distribuições. De fora deste trabalho ficam os fenómenos de influência elétrica que serão considerados noutro artigo.
O campo gerado por uma carga pontual
Considere-se uma carga pontual (\(q_{1}\)), imóvel, e escolha-se um referencial cartesiano fazendo coincidir a sua origem com a posição da carga. O potencial elétrico1 gerado pela carga só depende, por simetria, da distância (\(r\)) desta ao ponto de observação, i.e., \(\varphi \left ( r \right )\). Assim, o campo elétrico \(\vec{E}=-\bigtriangledown \varphi \) é puramente radial2: \(E_{r}\left ( r \right )=-\frac{d\varphi }{dr}\). Considere- -se, agora, uma esfera centrada na carga e raio \(r\). Aplicando a forma integral da equação de Maxwell-Coulomb, tem-se:
\(E_{r}4\pi r^{2}=\frac{q_{1}}{\varepsilon _{0}}\) (1)
Donde:
\(\frac{d\varphi }{dr}=-\frac{q_{1}}{4\pi\varepsilon _{0}r^{2}}\; \; \; \; \; \varphi \left ( r \right )=\frac{q_{1}}{4\pi\varepsilon _{0}r}\) (2)
Aqui, a constante arbitrária que se poderia adicionar ao potencial, é nula porque se convenciona ser \(\varphi \xrightarrow[r\rightarrow \infty ]{}0\).
Mantendo o referencial fixo, pode agora obter-se a expressão do campo para uma posição arbitrária \(\left ( \vec{r}_{1} \right )\) da carga. Designando por \(\vec{r}\) a posição do mesmo ponto de observação, então a distância deste ponto à carga é \(\left | \vec{r}-\vec{r}_{1} \right |\), pelo que se escreve:
\(\varphi \left ( \vec{r} \right )=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{q_{1}}{\left | \vec{r}-\vec{r}_{1} \right |}\) (3)
\(\vec{E}\left ( \vec{r} \right )=-\bigtriangledown \varphi =\frac{q_{1}}{4\pi \varepsilon _{0}}\frac{\vec{r}-\vec{r}_{1}}{\left | \vec{r}-\vec{r}_{1} \right |^{3}}\) (4)
O campo para uma distribuição arbitrária de cargas
Partindo da eq. (3), é imediato obter o potencial para um conjunto arbitrário de \(N\) cargas por simples sobreposição dos potenciais gerados por cada uma:
\(\varphi \left ( \vec{r} \right )=\sum_{i=1}^{N}\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{q_{i}}{\left | \vec{r}-\vec{r}_{i} \right |}\) (5)
Esta expressão adapta-se facilmente a distribuições contínuas substituindo a soma pelo integral adequado. Para uma distribuição em volume, tem-se:
\(\varphi \left ( \vec{r} \right )=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\int_{}^{}dV'\frac{\rho \left ( \vec{r}' \right )}{\left | \vec{r}-\vec{r} \right |}\) (6)
onde \(\rho \left ( \vec{r} \right )\) é a densidade volúmica de carga. Este potencial é, pois, a solução particular da equação de Poisson:
\(\Delta\varphi =-\frac{\rho }{\varepsilon _{0}}\) (7)
[No Apêndice, é discutida a forma analítica da densidade de carga para uma carga pontual cujo potencial é dado pela eq. (3)].
A eq. (6) adapta-se facilmente a distribuições em superfícies ou linhas, bastando lembrar que o integral é uma soma dos potenciais gerados pelas cargas \(\delta Q\left ( \vec{r} \right )=\rho \left ( \vec{r} \right )dV\). Os exemplos seguintes ilustram estas observações; neles faz-se uso, apenas, da forma integral da equação de Maxwell-Coulomb1.
a) Distribuição uniforme numa esfera (raio \(a\), carga \(Q\))
Por simetria, o campo elétrico tem a direcção radial e só depende da distância ao centro da esfera (FIGURA 1). Tem-se:
\(r>a\; \; \; E_{r}4\pi r^{2}=\frac{Q}{\varepsilon _{0}}\; \; \; \rightarrow \; \; \;E_{r}=\frac{Q}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{1}{r^{2}}\)
\(r<\textit{a} \; \; \; E_{r}4\pi r^{2}=\frac{1}{\varepsilon _{0}}\frac{Q}{\frac{4}{3}\pi a^{3}}\frac{4}{3}\pi r^{2\; \; \; \rightarrow }\; \; \; E_{r}=\frac{Q}{4\pi \varepsilon _{0}}\frac{r}{a^{3}}\) (8)
O correspondente potencial elétrico deduz-se por integração de \(E_{r}\left ( r \right )=-\frac{d\varphi }{dr}\), sendo contínuo na superfície da esfera:
\(r>a\; \; \; \varphi \left ( r \right )=\frac{Q}{4\pi \varepsilon _{0}}\frac{1}{r}\)
\(r<\textit{a} \; \; \; \varphi \left ( r \right )=\frac{Q}{8\pi \varepsilon _{0}a}\left ( 3-\frac{r^{2}}{a^{2}} \right )\) (9)
Se a carga se distribuir apenas na superfície da esfera, o campo elétrico é nulo no seu interior e, no exterior, é definido pela primeira equação em (8); quanto ao potencial elétrico, tem a forma da primeira equação em (9), sendo constante no interior com o valor \(\varphi =\frac{Q}{4\pi \varepsilon _{0}}\frac{1}{a}\).
b) Distribuição uniforme numa superfície plana (densidade superficial de carga \(\rho s\))
O campo elétrico reduz-se, por simetria, à sua componente \(E_{z}\) perpendicular ao plano; não havendo cargas acima ou abaixo do plano, então \(\frac{\partial E_{z}}{\partial z}=0\), i.e., \(E_{z}\) é uniforme naquelas regiões. A simetria de reflexão no plano determina que esta componente tem sinais opostos acima e abaixo do plano. Considere-se, então, um pequeno cilindro reto, com área das bases \(\delta A\), cortado a meio pelo plano (cilindro gaussiano). Aplicando a forma integral de Maxwell-Coulomb, obtém-se:
\(E_{z}\delta A-\left ( -E_{z} \right )\delta A=\frac{\rho_{S} \delta A}{\varepsilon _{0}}\rightarrow E_{z}=\frac{\rho_{S}}{2\varepsilon _{0}}\) (10)
Este resultado é mais geral do que a sua dedução fará parecer. Com efeito, para cargas distribuídas, não necessariamente de modo uniforme, sobre uma qualquer superfície, a eq. (10) é válida na imediata vizinhança dos pontos da superfície (sendo, agora, \(E_{z}\) a componente normal à superfície nesses pontos). Com efeito, se se considerar um pequeno elemento da superfície de área \(\delta A\), esse elemento aparecerá plano quanto mais próximo dele se estiver. Deste modo, se \(\vec{E}\) for o campo total, gerado quer pelas cargas na superfície quer por outras cargas fora dela), a descontinuidade da componente normal deste campo é devida unicamente às cargas na superfície, podendo ser obtida pela eq. (10); por outro lado, a componente contínua do campo é devida às outras cargas e pode ser obtida efectuando a semi-soma dos seus valores de um e outro lado da superfície. Este comentário é importante para o cálculo das forças que o campo exerce sobre cargas distribuídas superficialmente.
c) O condensador plano
Considerem-se dois planos paralelos (distantes \(a\)), tendo o plano da esquerda (FIGURA 3) densidade de carga \(\rho _{S}\) e o da direita \(- \rho _{S}\); o eixo \(z\) é perpendicular aos planos. Por sobreposição dos campos originados por cada plano, obtém-se:
\(E_{z}=0\) no exterior dos planos
\(E_{z}=\frac{\rho _{S}}{\varepsilon _{0}}\) entre os planos
Há, assim, uma diferença de potencial elétrico \(V\) entre os dois planos; arbitrando \(\varphi =0\) para o plano da direita, tem-se:
\(V=E_{z}a=\frac{\rho _{s}a}{\varepsilon _{0}}\)
Este exemplo fornece um modelo aproximado para um condensador plano, onde as placas, agora finitas, têm área \(A\). Designa-se por carga do condensador a carga na placa positiva.
Assim, numa boa aproximação, é \(Q=\rho _{S}A\) e, portanto, \(V=\frac{\varepsilon _{0}A}{a}Q\). A capacidade do condensador é a sua carga para uma diferença de potencial de \(1V\), i.e.,
\(C=\frac{Q}{V}=\frac{\varepsilon _{0}A}{a}\) (11)
A unidade da capacidade no S.I. é o farad (\(F\)).
Note-se, porém, que para um real condensador plano, não só há uma acumulação de carga junto aos bordos das placas como o campo deixa de ser uniforme nas proximidades destes bordos e existem linhas de força no exterior das placas (FIGURA 4). Na verdade, um condensador plano, observado de longe, é um dipólo elétrico.
Considerem-se dois cilindros coaxiais, comprimento \(l\), secção recta circular, de raios a e \(b > a\). Uma bateria estabelece uma diferença de potencial \(V\) entre os cilindros, ficando o exterior ao potencial 0. A bateria faz passar carga \(Q\) do cilindro exterior para o cilindro interior - é essa a carga do condensador. Ignorando o efeito dos bordos, o campo está confinado ao espaço entre cilindros e tem a direcção radial. Imaginando um cilindro gaussiano, coaxial com os dados, de raio \(r\) com a \(a < r < b\), o fluxo do campo através deste cilindro é \(E_{r}2 \pi rl\) que, pela lei de Maxwell-Coulomb deve ser igual a \(\frac{Q}{\varepsilon _{0}}\). Então:
\(E_{r}=\frac{Q}{2\pi \varepsilon_{0}}\frac{1}{lr}\). Deste modo, a diferença de potencial entre os cilindros é:
\(V=\int_{a}^{b}drE_{r}=\frac{Q}{2\pi \varepsilon _{0}l}log\left ( \frac{b}{a} \right )\)
A capacidade do condensador cilíndrico é:
\(C=\frac{Q}{V}=2\pi\varepsilon _{0}\frac{l}{log\left ( \frac{b}{a} \right )}\) (12)
A expansão multipolar do potencial
Considere-se uma distribuição de carga localizada numa região limitada do espaço, de extensão típica \(a\) - por exemplo, um núcleo atómico ou uma molécula. Como se comporta o potencial elétrico em pontos distantes dessa região \(\left ( r\gg a \right )\)? A resposta é a expansão multipolar, i.e., o desenvolvimento do potencial em potências de \(\frac{a}{r}\). Para isso, escolhe-se um ponto qualquer no interior da distribuição para origem do sistema de coordenadas. Deste modo, a densidade de carga distribui-se em torno da origem até à distância típica \(a\). Então, na eq. (6), o termo dominante no denominador é \(r=\left | \vec{r} \right |\) e obtém-se a expansão fazendo o desenvolvimento de \(\left | \vec{r}-\vec{r}' \right |^{-1}\) em potências de \(\frac{r'}{r}\sim \frac{a}{r}\). Até à 2ª ordem (nesta quantidade), tem-se:
\(\frac{1}{\left | \vec{r}-\vec{r} \right |}=\left ( r^{2}-2\vec{r}\cdot \vec{r}'+r^{'2} \right )^{-\frac{1}{2}}=\frac{1}{r}\left ( 1-\frac{2\vec{r}\cdot \vec{r}}{r^{2}}+\frac{r^{'2}}{r^{2}} \right )^{-\frac{1}{2}}=\)
\(=\frac{1}{r}\left [ 1+\frac{\vec{r}\cdot\vec{r}'}{r^{2}}+\frac{3}{2}\left ( \frac{\vec{r}\cdot\vec{r}'}{r^{2}} \right )^{2}-\frac{1}{2}\frac{r^{'2}}{r^{2}}+... \right ]\)
Inserindo na eq. (6), obtém-se:
\(4\pi \varepsilon _{0}\varphi \left ( \vec{r} \right )=\frac{1}{r}\int dV'\rho \left ( \vec{r'} \right )\left [ 1+\frac{\vec{r}\cdot\vec{r'}}{r^{2}}+\frac{3}{2}\left ( \frac{\vec{r}\cdot \vec{r}}{r^{2}} \right )^{2}-\frac{r'^{2}}{2r^{2}}+... \right ]\)
No segundo membro, o primeiro termo faz intervir a carga total da distribuição:
\(Q=\int dV'\rho \left ( \vec{r'} \right )\)
O segundo termo faz intervir o momento dipolar elétrico da distribuição, o vetor:
\(\vec{p}=\int dV'\rho \left ( \vec{r}' \right )\vec{r}'\) (13)
Os últimos dois termos fazem intervir o momento quadrupolar da distribuição, um tensor simétrico de 2ª ordem3:
\(D_{ij}=\frac{1}{2}\int dV'\rho \left ( \vec{r}' \right )\left [ 3x'_{i}x'_{j}-r'^{2}\delta _{ij} \right ]\) (14)
Note-se que o traço deste tensor é nulo:
\(D_{ij}=0\) (15)
Assim, a expansão do potencial escreve-se (soma sobre índices repetidos):
\(4\pi \varepsilon _{0}\varphi \left ( \vec{r} \right )=\frac{Q}{r}+\frac{\vec{p}\cdot \vec{r}}{r^{3}}+\frac{1}{3}D_{ij}\frac{3x_{i}x_{j}-r^{2}\delta _{ij}}{r^{5}}+...\) (16)
Aqui, no último termo, adicionou-se um fator que é, na verdade, nulo pela eq. (15).
Alguns comentários:
a) Para grandes distâncias da distribuição de carga, o termo dominante é o primeiro, o potencial de Coulomb como se toda a carga estivesse localizada na origem do referencial escolhido. É, muitas vezes, este termo que é apenas utilizado como potencial experimentado por eletrões movendo-se em torno de núcleos atómicos ou para interações entre iões.
b) Se a carga total da distribuição for nula (átomos ou moléculas neutras), o termo dominante é o segundo, i.e., a contribuição dipolar. Tal termo decai como \(\frac{1}{r^{2}}\) e exibe anisotropia porque depende da posição do ponto de observação (i.e., \(\vec{r}\)) em relação ao momento dipolar. O campo elétrico associado a tal termo mostra claramente esta anisotropia:
\(\vec{E}\left ( \vec{r} \right )=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{3\vec{r}\left ( \vec{p}\cdot\vec{r} \right )-r^{2}\vec{p}}{r^{5}}\) (17)
Para duas cargas pontuais de sinais opostos, a definição elementar do momento dipolar coincide com o resultado expresso na eq. (13) - basta substituir o integral por soma sobre as cargas e \(pdV\rightarrow q\) para cada carga. Assim, se \(\vec{l}\) for o vetor de posição da carga positiva (\(+q\)) em relação à negativa (\(−q\)), obtém-se:
\(\vec{p}=q\vec{l}\) (18)
A FIGURA 6 exibe as linhas de força do campo elétrico gerado por um tal dipólo ideal.
Por exemplo, na molécula da água (H2O), o oxigénio ocupa o centro de um tetraedro e possui carga \(-2q_{e}\) (\(q_{e}\) é o valor absoluto da carga do eletrão), enquanto que cada hidrogénio (carga (\(q_{e}\)) ocupa um dos vértices do tetraedro; a molécula é neutra, mas apresenta um momento dipolar (FIGURA 7) de grande importância para as propriedades químicas e biológicas da água. Mais adiante mostra-se como se pode verificar a existência deste dipólo com uma experiência simples.
c) O termo quadrupolar na eq. (16) será dominante se a distribuição de carga apresentar carga total e momento dipolar nulos., como acontece nas moléculas de cristais líquidos, ou como correcção ao potencial coulombiano se apenas o momento dipolar for nulo, como acontece com o potencial gerado por núcleos atómicos no estado fundamental. Neste último caso, o momento quadrupolar do núcleo é sentido pelos electrões que o orbitam, originando o levantamento de degenerescências nos níveis atómicos, assim fornecendo, também, informação sobre a distribuição de carga no núcleo.
A FIGURA 8 representa, esquematicamente, a distribuição de carga no átomo de oxigénio - o núcleo (azul) é tomado como origem e os dois eletrões (vermelho) situam-se simetricamente em relação àquele, à distância \(a\). Tomando o eixo \(x\) na linha das cargas, é fácil obter:
\(D_{11}=-2q_{e}a^{2}\; \; \; \; \; D_{22}=D_{33}=q_{e}a^{2}\)
sendo nulos todos os outros termos.
Energia eletrostática
Qualquer configuração de cargas tem associada uma energia \(U_{e}\)1: a sua diferença entre uma configuração inicial e outra final é o simétrico do trabalho realizado pelas forças do campo para levar as cargas da primeira à segunda configurações:
\(-dU_{e}=\delta W\) (19)
Esta energia tem a expressão:
\(U_{e}=\int dV\frac{\varepsilon _{0}\vec{E}^{2}}{2}\) (20)
Observe-se que a energia eletrostática está localizada em todo o espaço e não, apenas, na região onde existam cargas. Uma outra expressão equivalente revela-se útil para o cálculo da energia eletrostática em diversas situações. Com efeito:
\(U_{e}=\int dV\frac{\varepsilon _{0}}{2}\vec{E}^{2}=-\int dV\frac{\varepsilon _{0}}{2}\vec{E}\bigtriangledown \varphi =-\int dV\frac{\varepsilon _{0}}{2}\bigtriangledown \cdot \left ( \vec{E}\varphi \right )+\int dV\frac{\varepsilon _{0}}{2}\varphi \bigtriangledown \cdot \vec{E}\)
O penúltimo termo é nulo porque, pelo teorema de Gauss pode ser convertido num fluxo através de uma superfície esférica de raio \(R\) arbitrariamente grande: \(\int_{\Sigma }^{}dS\varphi \vec{E}\cdot \vec{n}\). Ora, muito longe das cargas é \(\varphi \sim \frac{1}{R}\) e \(\vec{E} \sim \frac{1}{R^{2}}\), pelo que tal integral decai como \(\frac{1}{R}\). Quanto ao último termo da expressão anterior, a equação de Maxwell-Coulomb conduz à forma pretendida:
\(U_{e}=\frac{1}{2}\int dV\rho \varphi \) (21)
Exemplos.
a) Distribuição uniforme de carga numa esfera
Usando a eq. (9), com a densidade \(\rho =Q/\left ( \frac{4\pi}{3}R^{3} \right )\), facilmente se obtém:
\(U_{e}=\frac{3}{5}\frac{Q^{2}}{4\pi \varepsilon _{0}R}\) (22)
Note-se que esta energia diverge para uma carga pontual.
Se a carga estiver, apenas, distribuída uniformemente na superfície da esfera, o resultado é, ainda, mais simples de obter:
\(U_{e}=\frac{Q^{2}}{8\pi \varepsilon _{0}R}\) (23)
O raio clássico do eletrão \(\left ( r_{e} \right )\) é o raio de uma tal esfera com a carga do eletrão \(\left ( -q_{e} \right )\) de modo que a energia eletrostática iguala metade da energia em repouso do eletrão:
\(\frac{q_{e}^{2}}{4\pi \varepsilon _{0}r_{c}}=m_{e}c^{2}\; \; \; \; \; \rightarrow \; \; \; \; \; r_{c}=8,82...fm\) (24)
Nota: um fermi \(\left ( fm \right )=10^{-5} A^{\circ} =10^{-13}\)cm
Este raio clássico é uma quantidade útil porque intervém em muitas expressões de Física Atómica, mas não deve levar a pensar que o eletrão tenha qualquer geometria esférica.
A eq. (21) é facilmente adaptada a cargas pontuais, bastando substituir \(dV\rho \rightarrow q_{i}\) e o integral pela soma sobre as cargas:
\(U_{e}=\frac{1}{2}\sum_{i}^{}q_{i}\varphi \left ( \vec{r}i \right )=\frac{1}{2}\sum_{i\neq j}^{}\frac{q_{i}q_{j}}{4\pi \varepsilon _{0}\left | \vec{r}_{i}-\vec{r}_{j} \right |}\) (25)
Aqui, eliminaram-se os termos de auto-energia \(\left ( i=j \right )\) que são divergentes. Note-se que apenas diferenças de energia eletrostática determinam o trabalho das forças (eq. (19)), pelo que tais termos são eliminados automaticamente.
Como exemplo, considere-se a energia eletrostática de um núcleo atómico com \(Z\) prótões e \(A − Z\) neutrões (\(A\) é o número de massa, i.e., o número de nucleões). Os prótões são todos equivalentes, pelo que se pode reescrever a eq. (25) sob a forma:
\(U_{e}=\frac{Z}{2}\sum_{i\neq 1}^{}q_{1}\varphi _{1}\left ( \vec{r}_{1} \right )\simeq \frac{Z}{2}\int dV\rho _{1}\varphi _{Z-1}\)
Aqui, \(\varphi _{1}\left ( \vec{r}_{1} \right )\) é o potencial originado pelos prótões \(i\neq 1\) sobre o prótão selecionado. A última expressão traduz a média sobre a posição de todos os prótões face às suas grandes velocidades que os levam a, praticamente, ocupar uniformemente o volume do núcleo. Assim, \(\rho _{1}\approx \frac{q_{e}}{\frac{4\pi}{3}R^{3}}\) e \(\varphi _{Z-1}\) é o potencial de uma esfera (raio \(R\)) com uma carga \(\left ( Z-1 \right )q_{e}\) uniformemente distribuída, o que permite utilizar-se o resultado da eq. (9). Deste modo, obtém-se:
\(U_{e}=\frac{3}{5}\frac{Z\left ( Z-1 \right )q_{e}^{2}}{4\pi \varepsilon _{0}R}\)
O raio de um núcleo é essencialmente determinado pelo seu número de massa \(R\approx A^{\frac{1}{3}}\) (expresso em \(fm\)) - tal significa uma densidade nuclear \(\frac{A}{R^{3}}\) praticamente constante, tal como uma gota de liquido. Esta energia eletrostática é enorme: na tabela abaixo estimam- -se os seus valores para os núcleos de oxigénio (\(O\)) e urânio (\(U\)):
Os núcleos são mantidos estáveis porque, sobrepostas às forças repulsivas entre os prótões, existem forças atrativas ainda de maior grandeza entre todos os nucleões – são as forças nucleares e, ao contrário das eletrostáticas, atuam apenas a curtas distâncias (da ordem de \(1fm\)), entre os vizinhos mais próximos (tornam-se repulsivas a mais curtas distâncias, tal como as forças de van der Waals entre moléculas). A contribuição desta energia nuclear é, então, proporcional ao número de nucleões e pode estimar-se o seu valor porque o urânio encontra-se no limite de estabilidade (é radioativo, mas com uma vida média muito longa!), i.e., a contribuição atrativa das forças nucleares é da ordem da contribuição repulsiva eletrostática - na verdade, compensa não só esta, mas também a energia cinética dos nucleões que tenderia a dispersa-los e que é da ordem da energia eletrostática. Designando por \(\varepsilon\) a energia nuclear por nucleão, será, então, para o urânio, \(A\varepsilon \sim \)2,2GeV , donde \(\varepsilon \approx \)9,2MeV.
Vê-se, agora, por que o núcleo de oxigénio é bastante estável: as forças nucleares contribuem com 16\(\varepsilon \sim \)148MeV , bem acima dos 18,1MeV da energia eletrostática. E vê- -se, também, por que o U235 se desintegra: tem a mesma carga do U238, mas menos 3 neutrões e, portanto, a energia de coesão das forças nucleares não vence a repulsão eletrostática.
b) O condensador plano
Usando a eq. (21), facilmente se encontra a energia eletrostática para um condensador plano:
\(U_{e}=\frac{1}{2}QV=\frac{Q^{2}}{2C}=\frac{CV^{2}}{2}\) (26)
onde \(C\) é a capacidade do condensador, eq. (11).
Qual a força que atua na placa negativa? Esta força tem, evidentemente, a direção do eixo \(z\) (FIGURA 3) e poder-se-ia pensar que seria \(F_{z}=-QE_{z}\). Porém, esta conclusão está errada. Com efeito, o campo \(E_{z}\) é a sobreposição dos campos originados pelas cargas nas duas placas. É óbvio que a força na placa negativa se deve, apenas, às cargas na placa positiva; ora estas criam um campo \(\frac{1}{2}E_{z}\), a parte contínua do campo quando se atravessa a placa negativa. Assim, é \(F_{z}=-\frac{1}{2}QE_{z}=-\frac{1}{2}Q\frac{V}{a}=-\frac{1}{2}\frac{Q^{2}}{aC}\), onde \(a\) é a distância entre as placas. Este resultado pode ser confirmado usando a energia eletrostática. Para isso, imagine-se um deslocamento da placa negativa de modo que \(a\rightarrow a+\delta a\), mantendo as mesmas cargas nas placas. O trabalho realizado pelo campo é \(\delta W=F_{z}\delta a\); usando a eq. (19), tem-se:
\(F_{z}\delta a=-dU_{e}=-d\left ( \frac{Q^{2}}{2C} \right )=\frac{Q^{2}}{2C^{2}}\delta C\)
Ora, pela eq. (11), é \(\delta C=-\frac{\varepsilon _{0}A}{a^{2}}\delta a=-\frac{C}{a}\delta a\), obtendo-se, assim, \(F_{z}=-\frac{Q^{2}}{2Ca}\).
Este assunto merece algumas considerações adicionais.
O circuito da FIGURA 9 mostra o condensador e a bateria que serviu para o carregar. É óbvio que a força que se exerce na placa negativa é a que atrás se obteve. A energia eletrostática escreve-se, em função dos dados, \(U_{e}=\frac{1}{2}CV^{2}\). Suponha-se que se procede ao mesmo deslocamento \(\delta a\) da placa negativa, mas mantendo, agora, a mesma diferença de potencial, i.e., bateria ligada. Um uso descuidado da eq. (19) leva a uma conclusão errada. Com efeito, parece que:
\(\delta W=F_{z}\delta a=-dU_{e}=-\frac{1}{2}V^{2}\frac{dC}{da}\delta a\; \; \; \; \; \rightarrow \; \; \; \; \; F_{z}=\frac{CV^{2}}{2a}\)
Resultado que coincide com o anterior em valor absoluto, mas com o sinal errado! Onde está o erro? O trabalho \(\delta W\) realizado pelo campo não é apenas \(F_{z}\delta a\). Com efeito, como é mantida a diferença de potencial entre as placas durante o deslocamento, a carga do condensador variou: \(\delta Q=V\delta C\). Tal carga foi transportada da placa positiva para a negativa – teve, pois, que passar do cátodo para o ânodo na bateria. O trabalho realizado pelo campo no interior da bateria (igual e oposto ao realizado pela força-eletromotriz da bateria) foi \(-V\delta Q=-V^{2}\delta C\). Assim, \(\delta W=F_{z}\delta a-V^{2}\delta C\). Com esta correção, tem-se:
\(\delta W=F_{z}\delta a-V^{2}\delta C=-dU_{e}=\frac{1}{2}V^{2}\delta C\rightarrow F_{z}=\frac{1}{2}V^{2}\frac{dC}{da}=-\frac{CV^{2}}{2a}\)
em completo acordo com o resultado obtido quando as cargas permaneciam constantes. Estas considerações aplicam-se a qualquer tipo de condensador, seja qual for a sua geometria.
Expansão multipolar da energia eletrostática
Imaginem-se duas distribuições de carga bem definidas e distintas (o núcleo e a nuvem eletrónica, duas moléculas, etc.) que serão designadas por \(\rho _{1}\) e \(\rho _{2}\) e que geram os respetivos potenciais \(\varphi _{1}\) e \(\varphi _{2}\). A energia eletrostática para o conjunto das duas distribuições obtém-se da eq. (21):
\(U_{e}=\frac{1}{2}\int dV\left ( \rho _{1}+\rho _{2} \right )\left ( \varphi _{1}+\varphi _{2} \right )=\frac{1}{2}\int dV\left ( \rho _{1}\varphi _{1}+\rho _{2}\varphi _{2}+\rho _{1}\varphi _{2}+\rho _{2}\varphi _{1} \right )\)
Os dois primeiros termos são as energias eletrostáticas de cada configuração tomadas isoladamente. Os últimos dois termos são, de facto iguais e a sua soma é a energia de interação \(U_{12}\) entre as duas configurações:
\(\int dV\rho _{1}\left ( \vec{r} \right )\varphi _{2}\left ( \vec{r} \right )=\int dV\rho _{1}\frac{1}{4\pi \varepsilon _{0}}\int dV'\frac{\rho _{2}\left ( \vec{r}' \right )}{\left | \vec{r}-\vec{r}' \right |}=\)
\(=\int dV'\rho _{2}\left ( \vec{r}' \right )\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\int dV\frac{\rho _{1}\left ( \vec{r} \right )}{\left | \vec{r}-\vec{r}' \right |}=\int dV'\rho _{1}\left ( \vec{r}' \right )\varphi _{2}\left ( \vec{r}' \right )\)
Seja, então:
\(U_{12}=\int dV\rho _{1}\left ( \vec{r} \right )\varphi _{2}\left ( \vec{r} \right )=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\int dV_{1}\rho _{1}\left ( \vec{r}_{1} \right )\int dV_{2}\frac{\rho _{2}\left ( \vec{r}_{2} \right )}{\left | \vec{r}_{1}-\vec{r}_{2} \right |}\) (27)
Esta expressão é geral. Interessa agora imaginar que as duas configurações estão muito afastadas de modo a poder utilizar-se a expansão multipolar para o potencial. Para isso, escolhe-se um ponto \(\left ( P_{1} \right )\) no interior da primeira distribuição e um segundo ponto \(\left ( P_{2} \right )\) no interior da segunda distribuição. Seja \(\vec{R}=\overrightarrow{P_{1}P_{2}}\) o vector com origem no primeiro ponto e extremidade no segundo ponto. Tome-se a origem do referencial cartesiano coincidente com P1. Se se designar por \(\vec{r}_{2}\) a posição da carga elementar \(dV_{2}\rho _{2}\left ( \vec{r}_{2} \right )\) em relação ao segundo ponto, então a distância entre as cargas elementares na eq. (27) é \(\left | \vec{R}+\vec{r}_{2}-\vec{r}_{1} \right |\), com \(\left | \vec{r}_{1} \right |,\left | \vec{r}_{2} \right |\ll \left | \vec{R} \right |\equiv R\). Então, até à primeira ordem, tem-se:
\(\frac{1}{\left | \vec{R}+\vec{r}_{2}-\vec{r}_{1} \right |}=\frac{1}{R}\left [ 1+\frac{\left ( \vec{r}_{1}-\vec{r}_{2} \right )\cdot \vec{R}}{R^{2}}+\frac{3}{2}\left ( \frac{\vec{r}_{1}-\vec{r}_{2}\cdot \vec{R}}{R^{2}} \right )^{2} -\frac{1}{2}\frac{\left ( \vec{r}_{1}-\vec{r}_{2} \right )^{2}}{R^{2}}+... \right ]=\)
\(=\frac{1}{R}\left [ 1+\frac{\left ( \vec{r}_{1}-\vec{r}_{2} \right )\cdot \vec{R}}{R^{2}}+\frac{\vec{r}_{1}\cdot\vec{r}_{2}}{R^{2}}-3\frac{\left ( \vec{r}_{1}\cdot \vec{R} \right )\left ( \vec{r}_{2}\cdot \vec{R} \right )}{R^{4}}+... \right ]\)
Substituindo na eq. (27) e integrando sobre as cargas, obtem-se (ver eq. (13) para a definição do momento dipolar):
\(U_{12}=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\left [ \frac{Q_{1}Q_{2}}{R}+\frac{Q_{2}\vec{R}\cdot \vec{p}_{1}-Q_{1}\vec{R}\cdot \vec{p}_{2}}{R^{3}}+\frac{\vec{p}_{1}\cdot \vec{p}_{2}}{R^{3}}-3\frac{\left ( \vec{p}_{1}\cdot \vec{R} \right )\left ( \vec{p}_{2}\cdot \vec{R} \right )}{R^{5}}+... \right ]\)
Note-se que \(U_{12}=\frac{1}{4\pi \varepsilon _{0}}\frac{Q_{1}\vec{R}}{R^{3}}\equiv \vec{E}_{1}\) é o campo elétrico gerado pela primeira distribuição no ponto \(P_{2}\); do mesmo modo, \(\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{Q_{1}\left ( -\vec{R} \right )}{R^{3}}\equiv \vec{E}_{2}\) é o campo elétrico gerado pela segunda distribuição no ponto \(P_{1}\). Em ambos os casos, a grandes distâncias das respetivas fontes. Deste modo, reescreve-se a equação anterior sob a forma:
\(U_{12}=\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\frac{Q_{1}Q_{2}}{R}-\vec{E}_{1}\cdot \vec{p}_{2}-\vec{E}_{2}\cdot \vec{p}_{1}+\frac{1}{4\pi\varepsilon _{0}}\left [ \frac{\vec{p}_{1}\cdot \vec{p}_{2}}{R^{3}}-3\frac{\left ( \vec{p}_{1}\cdot \vec{R} \right )\left ( \vec{p}_{2}\cdot \vec{R} \right )}{R^{5}} \right ]\) (28)
No segundo membro, o primeiro termo é a interação Coulombiana pura como se as distribuições se reduzissem às suas cargas totais localizadas nos pontos escolhidos; os segundo e terceiro termos representam a interação do momento dipolar de uma distribuição com o campo gerado pela outra distribuição; e os últimos dois termos exibem a interação entre os momentos dipolares:
\(U_{pp}\equiv \frac{1}{4\pi \varepsilon _{0}}\left [ \frac{\vec{p}_{1}\cdot \vec{p}_{2}}{R^{3}} -3\frac{\left ( \vec{p}_{1}\cdot \vec{R} \right )\left ( \vec{p}_{2}\cdot\vec{R} \right )}{R^{5}}\right ]\) (29)
Este será o termo dominante na interação entre as duas distribuições de carga se cada uma apresentar carga total nula. Note-se que a interação dipolar é fortemente anisotrópica. Ela é mínima (mais negativa) se os dipólos se alinharem paralelamente entre si e com o eixo que as une; é máxima (mais positiva) quando se alinharem antiparalelamente entre si, tendo a mesma direção daquele eixo; e é nula quando os dipólos forem perpendiculares entre si, estando um deles alinhado com o eixo.
Força e momento sobre um dipólo
Considere-se um dipólo num ponto \(\vec{r}\) submetido à ação de um campo elétrico \(\vec{E}\left ( \vec{r} \right )\) gerado por outra distribuição de carga – muitas vezes designado por campo aplicado. A energia de interação do dipólo com o campo é, como se viu atrás:
\(U_{int}=-\vec{p}\cdot \vec{E}\left ( \vec{r} \right )\) (30)
Este resultado já havia sido obtido noutro artigo4. Invocando a eq. (19), é possível agora deduzir a força e o momento que atuam sobre um dipólo. Para isso, aplicam-se os resultados deduzidos para deslocamentos ou rotações virtuais5. Imagine-se que o dipólo é transportado paralelamente a si próprio da posição inicial \(\vec{r}\) para a posição final em \(\vec{r}+\delta \vec{r}\). Tem-se:
\(\delta W=\vec{F}\cdot\delta \vec{r}=-dU_{int}=\vec{p}\cdot\left [ \vec{E}\left ( \vec{r}+\delta \vec{r} \right )-\vec{E}\left ( \vec{r} \right ) \right ]=\vec{p}\cdot \left ( \delta \vec{r}\cdot \bigtriangledown \right )\vec{E}\left ( \vec{r} \right )\)
Por exemplo, \(F_{x}=\vec{p}\cdot \frac{\partial \vec{E}}{\partial x}\). Quer dizer, a força é nula para um campo uniforme e, no caso de ser não uniforme, a força tem a direção do crescimento do campo. Uma experiência simples exibe este resultado. Abra-se uma torneira de água até escorrer um pequeno fio de água (FIGURA 9). Esfregando em um pano de flanela um pente de plástico e aproximando- a, sem tocar, do fio de água, ver-se-á este a encurvar em direção ao pente. Porquê? O pente ficou eletrizado pela flanela, originando um campo não uniforme que atua sobre as moléculas da água (dipólos como se viu), puxando-as para as regiões onde o campo é mais intenso.
O cálculo do momento que se exerce sobre o dipólo efetua-se começando por imaginar uma rotação infinitesimal do dipólo: \(\vec{p}\rightarrow \vec{p}+\delta \vec{\Omega }\wedge \vec{p}\). Aqui, \(\delta \vec{\Omega }\) define a rotação: a sua direção é o eixo de rotação, o seu sentido determina o sentido da rotação (regra do saca-rolhas) e o ângulo de rotação é \(\left | \delta \vec{\Omega } \right |\). Designando por \(\vec{M}\) o momento devido ao campo, tem-se:
\(\delta W=\vec{M}\cdot \delta \vec{\Omega }=-dU_{int}=\delta \vec{p}\cdot \vec{E}=\delta \vec{\Omega }\wedge \vec{p}\cdot \vec{E}=\delta \vec{\Omega }\cdot \vec{p}\wedge \vec{E}\)
Então, o momento que atua sobre o dipólo é:
\(\vec{M}=\vec{p}\wedge \vec{E}\) (31)
Voltando à experiência do fio de água, percebe-se ainda melhor o seu resultado: as moléculas da água rodam alinhando os seus dipólos com o campo local e assim maximizam a força que o campo não uniforme sobre elas atua.
Apêndice
O potencial para uma carga pontual, eq. (3), deve ser solução da equação de Poisson, eq. (8), colocando-se a questão de qual a correspondente densidade de carga. Designe-se esta densidade por:
\(\rho \left ( \vec{r} \right )=q_{1}\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )\) (32)
Aqui, \(\vec{r}_{1}\) é a posição da carga e a “função” \(\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )\) deve satisfazer a seguinte condição óbvia que decorre da definição de densidade de carga:
\(\int_{D}^{}dV\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )=\left\{\begin{matrix} 1\; \; \; \leftrightarrow \; \; \; \vec{r}_{1}\; \textrm{no interior de D}\\ 0\; \; \; \leftrightarrow \; \; \; \vec{r}_{1}\; \textrm{no exterior de D} \end{matrix}\right.\) (33)
Assim, inserindo a eq. (3) na equação de Poisson, obtém-se uma muito útil solução particular, que se reescreve sob a forma:
\(\Delta\left ( \frac{1}{\left | \vec{r}-\vec{r}_{1} \right |} \right )=-4\pi\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )\) (34)
Note-se que o laplaciano actua sobre as coordenadas de \(\vec{r}\).
A “função” \(\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )\) é, na verdade, o produto de três distribuições de Dirac:
\(\delta \left ( \vec{r}-\vec{r}_{1} \right )=\delta \left ( x-x_{1} \right )\delta \left ( y-y_{1} \right )\delta \left ( z-z_{1} \right )\)
Para cada uma delas, é verdadeira a seguinte propriedade:
\(\int_{a}^{b}dx\delta \left ( x-x_{1} \right )=1\; \; \; \leftrightarrow \; \; \; x_{1}\in \left ] a,b \right [\)
O integral é nulo se \(x_{1}\) se situar fora do intervalo de integração. A distribuição de Dirac é a generalização, para funções contínuas, do símbolo de Kronecker3.
Referências
- 1 LAGE, E., Escalares, vetores e tensores cartesianos, Rev. Ciência Elem., V6(4):086. (2018). DOI: 10.24927/rce2018.086.
- 2 LAGE, E., Trabalho do campo eletromagnético em dielétricos e magnetes, Rev. Ciência Elem., V7(4):077. (2019). DOI: 10.24927/rce2019.077.
- 3 LAGE, E. O sólido rígido, Rev. Ciência Elem., V8(3):044. (2020). DOI: 10.24927/rce2020.044.
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