As atividades experimentais em Geologia, geralmente simulam processos fora da escala humana, quer espacial quer temporal, como por exemplo, quando decorrem em escalas micro ao nível molecular, ou macro ao nível das centenas ou milhares de quilómetros, ou por serem muito lentos ou muito rápidos, ou ainda não presenciáveis por simplesmente não conseguirmos estar no local quando acontecem. É, por isso, necessário encená-los como quando a partir de um livro se constrói um guião que depois é transformado em filme. Os pioneiros da modelação análoga em Geologia utilizaram profusamente a fotografia, para fixarem os diversos momentos da experimentação e compreenderem as causas das estruturas produzidas e que observavam no campo1. Como evidenciam trabalhos do século XIX, e que são relatados em diversas sínteses, a Geologia é uma ciência experimental desde a sua individualização como ciência autónoma, mesmo que, por vezes, seja desvalorizada essa sua vertente2.

A Geologia combina uma série de técnicas lógicas para a resolução de problemas3 entre as quais a simulação de processos naturais para melhor entendê-los, colocando hipóteses e controlando e manipulando variáveis4.

Uma variável é um fator que pode ser alterado por quem controla a experiência, e manipula as suas quantidades, e cuja grandeza pode variar em função do fator (variável) que é manipulado. Ao primeiro atribui-se o nome de variável independente enquanto o segundo toma a designação de variável dependente. Na natureza, os fatores atuam em simultâneo, mas no laboratório é possível estudar a influência de cada um deles em separado ou de alguns em conjunto. Nunca é demais lembrar que a natureza é muito mais complexa do que a simulação experimental realizada, seja no laboratório, no campo ou simplesmente na sala de aula. “Simplesmente na sala de aula”, porque mesmo numa sala normal, que não tenha as características do laboratório, é possível com materiais vulgares do dia-a-dia realizar atividades experimentais sem negligenciar o rigor científico. Até as receitas de cozinha para serem replicáveis têm que utilizar os ingredientes em quantidades aferidas. Seja para fins de investigação ou didáticos, é fundamental a realização de um ou mais ensaios cujos resultados são comparados com os resultados do(s) ensaio(s) principal(ais), tomando a designação de “controlo(s)”.

Antes da realização da atividade, é essencial saber exatamente o que pode ou não vir a acontecer para que não seja apenas uma experiência, mas uma atividade com um específico enquadramento teórico e com sentido lógico.

Muitas das experiências que se realizam em Geologia para compreender processos geológicos recorrem a métodos comuns à Química, à Física e mesmo à Matemática pelo que podem e devem ser realizadas num enquadramento interdisciplinar ou transdisciplinar5.

Para além de haver uma preocupação de realizar atividades transdisciplinares porque, entre outros argumentos, na vida real é preciso saber resolver problemas que mobilizam saberes de várias áreas, há também atualmente orientações nacionais e internacionais para que ensino, aprendizagem e avaliação se realizem em simultâneo e façam parte de um mesmo desenho didático. Dentro da avaliação, a avaliação formativa deve ser sistemática e contínua, tendo por fim a melhoria das aprendizagens. No entanto, os alunos também são sujeitos a avaliações sumativas que avaliam as aprendizagens e que podem ter ou não fins classificatórios. Neste sentido quer a avaliação interna quer a avaliação externa que se efetiva no ensino secundário nos cursos científico-humanísticos através dos exames nacionais, devem conter tarefas e questões que sejam familiares aos alunos. Para além disso, é preconizado que devam abranger as aprendizagens essenciais dos dois anos, no caso de disciplinas bienais como Biologia e Geologia e distribuídas equitativamente pelas duas componentes da disciplina6.

Nos exames nacionais da disciplina Biologia e Geologia, sendo a matéria alvo de avaliação distribuída equitativamente pelas duas componentes, também as atividades experimentais que apresenta deveriam abranger não só a Biologia, como se tem verificado, mas igualmente a Geologia7.

Com este trabalho revisitamos uma atividade de Geologia que envolve processos externos e que é realizável em ambientes de aprendizagem formal ou não formal consoante o local, os intervenientes e o tempo disponível8. O enquadramento experimental que sugerimos segue os pressupostos dos exames nacionais dos últimos anos7.

A atividade experimental simula algumas das condições naturais (ambiente estuarino ou deltaico) em que pode ocorrer a deposição das argilas. Dois fatores muito importantes para a ocorrência deste processo são: a salinidade9 das águas e o seu hidrodinamismo.

A granulometria ( < 2 μm) das argilas permite que sejam os últimos produtos de alteração (= meteorização) das rochas a sedimentar. Isso acontece, geralmente, em zonas onde a energia da massa de água diminui, como são as margens de rios ou os fundos oceânicos (FIGURA 1).


FIGURA 1. Margem do Tejo (zona de estuário, “Mar da Palha”) onde se observam, na maré baixa, depósitos de sedimentos finos e matéria orgânica.

Transportadas por uma água pouco salina (a salinidade da água dita “doce” é menor que 0,05%), a maioria das partículas argilosas ficam em suspensão. A presença de sedimentos transportados em suspensão é notada nos rios pela cor acastanhada das águas o que é muito raro no oceano. Mas a que se atribui esta particularidade?

As argilas em contacto com a água destilada ficam em suspensão, formando assim uma mistura heterogénea10. No entanto, quando a água contém uma quantidade apreciável de sais em solução11, as argilas floculam, formando pequenos agregados que, sendo mais densos do que a água, acabam por depositar. Isto acontece devido à existência de cargas negativas superficiais nas argilas que, ao estabelecerem ligações com os catiões do NaCl (Na+), formam agregados.

A percentagem em que alguns iões se encontram em média nos oceanos tem-se mantido de forma equilibrada ao longo da História da Terra, apesar das ligeiras oscilações devido a alterações na evaporação ou na entrada de água doce. Assim, considera-se como salinidade média atual dos oceanos cerca de 3,5%, ressalvando que se trata de um valor médio pois a salinidade varia consoante o local do globo e ao longo do ano, para o mesmo local12, 13. Temos o exemplo do território português em cujas zonas costeiras (W e S) é possível medir salinidades diferentes das águas marinhas. A experiência diz-nos que um banho no Algarve nos deixa a pele mais seca do que em qualquer praia da costa ocidental.

Os iões cloreto (Cl-) e sódio (Na+) são os mais representativos da salinidade dos oceanos, constituindo, em conjunto, cerca de 86% da mesma13.

A água para consumo doméstico, vulgo “água da torneira” também contém vários sais em solução, entre os quais, o NaCl. Em análises da EPAL para verificar a qualidade da água da rede de distribuição da cidade de Lisboa na torneira do consumidor14, verificam-se, no 1.º trimestre de 2022, valores máximos e mínimos de concentração em cloretos e sódio em mg/l, respetivamente, de 33,3 e 21,9 e de 33,0 e 18,2, respetivamente, logo, como seria de esperar, muito abaixo dos que apresenta a água do mar e dentro dos valores paramétricos que são exigidos para consumo humano.

Uma atividade experimental com vista ao estudo das condições de floculação e deposição das argilas pode utilizar o cloreto de sódio (NaCl) industrial ou o sal marinho, dado este sal ser o mais abundante nos oceanos. O objetivo da atividade é com efeito a mimetização dos fatores naturais.

Sendo o grau de salinidade e o hidrodinamismo os fatores principais de que depende a deposição das argilas, sugere-se o seguinte protocolo (TABELA 1). As quantidades de argila devem ser iguais em todos os ensaios, assim como as quantidades de água destilada, de água da torneira e de solução de NaCl. Para simular a salinidade dos oceanos, sugere-se a preparação de uma solução de NaCl a 4%.


TABELA 1.

Os ensaios podem ser realizados sequencialmente ou em simultâneo e os seus resultados comparados. Pode ser contado o tempo que demora a deposição da argila quando tal se verifique.

Ao comparar o conteúdo dos recipientes no final de todo o processo é possível averiguar a ocorrência de deposição das argilas e a velocidade comparativa de deposição nos casos em que esta ocorre.

Os recipientes 1, 2, 4 e 5 servem apenas de controlo, ou seja, para comparar os resultados respetivamente com os recipientes 3 e 6, visto que em ambiente natural a água tem sempre sais em solução. Constituem-se como variáveis independentes: a salinidade do conteúdo (pode fazer-se a preparação de mais misturas com diferentes concentrações de NaCl) e a agitação do conteúdo dos recipientes, e como variável dependente a quantidade de argila depositada no fundo dos recipientes.

Extrapolando para a realidade, poder-se-ia concluir que, em ambientes aquáticos com uma concentração salina considerável e com pouco hidrodinamismo, há condições para uma maior deposição de argilas (como nas margens continentais) embora, em ambientes salinos com algum hidrodinamismo como deltas e estuários (ditos ambientes de transição) se verifique uma maior deposição de argilas. Daí a pouca ou ausente coloração acastanhada das águas oceânicas.

Seguem-se os resultados de uma atividade experimental em que se misturou argila vermelha (ilite) em 3 boiões de vidro, respetivamente, com água salina (a 4%), com água da rede pública (região de Lisboa) e com água destilada. Agitou-se os boiões apenas para misturar a argila com o líquido. Deixou-se passar 5 minutos e observou-se. Agitaram-se novamente os boiões, mas agora vigorosamente durante 1 minuto. As diferenças entre as três misturas são claras inicialmente, mas intensificam-se após agitação, principalmente entre a mistura de argila e água destilada e as outras misturas, provando que para além da salinidade da água, o hidrodinamismo acelera a deposição das argilas. É o resultado final de uma das experiências realizadas que se pode observar na FIGURA 2.


Da esquerda para a direita, mistura de argila com: d- água destilada, r - água da rede pública (Lisboa), s- água salina (4% de NaCl) após agitação.

Com o passar do tempo, a água dos copos r e s vai clareando, tornando-se a última a mais transparente.