Situando-nos no tão recente Holocénico, nunca a concentração de CO2 na atmosfera teve uma subida anual tão veloz como a observada no último ano de 2016. Onde, para além do incremento de mais de 3 ppm no seu reservatório atmosférico, se transpôs a barreira mágica dos 0,04%1. Um valor frequentemente arredondado à segunda casa decimal, a que nos habituámos há décadas, quando se questionava sobre a concentração do CO2 na atmosfera terrestre. Uma resposta algo inconsciente, como se, a esta velocidade de crescimento, não fizesse qualquer diferença mais uma unidade de parte por milhão.

Figura 1. O atol de Malé do Norte na sua porção mais oriental. As ilhas carbonatadas e habitadas de Dhiffushi e Meeru.

Tudo isto, e muito mais, recorda-nos uma série de documentários sobre o impacto das alterações climáticas. Desde Uma Verdade Inconveniente de 2006, do ex vice- Presidente dos EUA, Al Gore, ao recentíssimo e mais atual Before the Flood, que tem Leonardo DiCaprio como narrador, já que os grandes protagonistas deste documentário são, inevitavelmente, o homem e a Terra! E, num impulso, até poderíamos recordar o malfadado Titanic, e do provável maior número de icebergues que aquele encontraria nos dias de hoje nos mares do Atlântico Norte. Mas é o menos conhecido The Island President, de Mohamed Nasheed, o então presidente das Maldivas, que nos conduz a um dos lugares que representa maior risco no planeta, quanto à iminente subida do nível do mar, resultante do aumento vertiginoso dos gases de efeito de estufa: as Maldivas. Situado no maravilhoso Oceano Índico, este país é só, morfologicamente falando, o mais raso do Mundo! E um dos mais atrativos pelas suas centenas de ilhas de cor branca, num contraste com os múltiplos tons de azul e verde da água do mar, imagem capaz de instigar a ambição de quem anseia encontrar o paraíso (FIGURAS 1 e 2).

Figura 2. Contraste entre o branco da areia (carbonatada) da praia e o azul turquesa da laguna. Ao fundo, o limite do atol. Uma imagem de marca das Maldivas.

Muito próximas do antigo Ceilão – terra de chá de eleição, de safiras e de outras pedras preciosas – e da província do Decão, na Índia – é ali que na atualidade se localizam as massas de rocha vulcânica (Deccan Traps) que, na sua origem, terão contribuído para a extinção dos dinossáurios –, as ilhas das Maldivas distendem-se em mais de uma vintena de atóis. A fazer-nos lembrar a célebre teoria de Charles Darwin sobre a génese deste tipo de morfologias marinhas, quando ele e o Beagle navegavam por águas do Pacífico. No caso das Maldivas, sem qualquer vestígio de rochas vulcânicas à superfície da água do mar. Uma paisagem que seria a esperada em pleno oceano, onde se forma basalto e rocha afim, como é o caso, por exemplo, de uma sua grande “concorrente” turística, a Bora-Bora, na Polinésia Francesa. Uma comparação que nos permite percecionar toda a teoria de Darwin quanto à génese de um atol.

Figura 3. Corais hermatípicos na ilha de Meeru. Uma prova de que o nível do mar esteve mais alto em épocas pretéritas recentes.

As ilhas Maldivas são de exclusiva composição carbonatada envolvendo, internamente, grandes lagunas de água límpida de tom esmeralda. Em relação ao mar profundo, de azul mais carregado, as diversas ilhas são ladeadas externamente pela barreira recifal coralífera (FIGURA 3) que, conjuntamente com fragmentos de conchas de moluscos e de outros invertebrados, alimenta de sedimento e mantém as próprias ilhas (FIGURA 4). Debaixo do mar, é o figurino conhecido de qualquer amante de mergulho autónomo em águas equatoriais, com colónias de corais a perder de vista, envolvidos por organismos unicelulares fotossintéticos, de diversas cores, e com a habitual diversidade ictiológica e fauna de invertebrados. Tubarões e mantas são uma presença assídua deste ambiente marinho, estas últimas brindando a coluna de água com as mais belas coreografias, deixando à imaginação de cada um a melodia musical ideal.

Figura 4. Acumulação recente de praia de fragmentos bioclásticos, resultantes do desmantelamento do recife de coral em épocas de tempestade.

No que concerne à morfologia destas ilhas, é fácil perceber que a sua história geológica é muito recente, remontando já à parte superior do Holocénico. Segundo estudos dos últimos anos2, estas ilhas terão sido formadas há pouco mais de 4,5 mil anos, através dum empilhamento de sedimentos calciclásticos, normalmente de origem bioclástica, que se sobrepõem a sedimentos finos de origem lagunar ou de antigos aparelhos recifais (coralíferos). De tal forma que, se os nossos antepassados portugueses do século XVI, dados à conquista de novos territórios — e que terão governado momentaneamente as Maurícias —, tivessem navegado por estas paragens 5 mil anos antes da verdadeira descoberta, não teriam vislumbrado nenhum sinal de “terra à vista”. No máximo, podiam era ter encalhado, dada a forte proliferação de recifes de coral então existentes a pouquíssima profundidade. Basta olhar para a configuração e movimentação das placas litosféricas oceânicas do Índico, para entender que nesta área do globo terá decorrido uma deposição carbonatada marinha ao longo de algumas dezenas de milhões de anos3, que se terá sobreposto às rochas vulcânicas, que tanto caracterizam o fundo marinho, assim como o substrato e a morfologia de algumas das restantes ilhas do Índico, como são os casos da Reunião, Rodrigues e Maurícia.

Com uma história geológica tão curta, tanto quanto a pequena morfologia que ostenta, as Maldivas são hoje um laboratório natural quanto ao entendimento dos processos de sedimentação carbonatada marinha de baixa profundidade, e à consequente influência de toda a dinâmica recifal. Tanto no plano científico como puramente lúdico, este arquipélago ombreia com outros lugares de exceção do planeta, como é o arquipélago das Bahamas ou a Grande Barreira Recifal na costa oriental da Austrália. A ver se a anunciada subida do nível do mar, consequência do aumento dos gases de efeito de estufa, não faz submergir este lugar singular da Terra. Seria a perda do paraíso!