O primeiro dos locais é o Egito-Praia, já que a expedição continua de norte para sul. Para quem visita o local pela primeira vez, é possível que a chegada à foz do rio Balombo, que aqui desagua, não seja assim tão diferente da sensação dos primeiros exploradores que aqui chegaram e a que atribuíram uma designação tão sugestiva. Independentemente das possíveis semelhanças com o país dos faraós, o Egito-Praia é um nome incontornável da geologia da região de Benguela. Não tanto pelos fantásticos afloramentos cretácicos que aqui se observam, e que mereciam uma maior aposta ao nível do seu conhecimento, mas pelo facto de dar nome a uma das poucas cartas geológicas publicadas à escala 1/100.000 no período anterior à independência de Angola4. À semelhança do Tapado, é mais uma vez o contraste entre as formações albianas de Catumbela e de Quissonde, que aqui ganham maior relevância, através de sucessões sedimentares com dimensões simplesmente impressionantes, como a do Egito-Praia (FIGURA 1). As características sedimentológicas e o conteúdo paleontológico, essencialmente à custa de invertebrados marinhos, não diferem muito dos referenciados na vizinha Cuanza Sul. No entanto, daqui até ao Dombe Grande, ou seja, até ao limite sul do onshore da Bacia de Benguela, a Formação de Quissonde brinda-nos com umas estruturas fantásticas de deformação sin-sedimentar. Comprovando que o próprio processo de sedimentação terá sido afetado por uma intensa atividade tectónica7, algo nem sempre fácil de ver e de reconhecer no registo sedimentar. Isto, independentemente da tectónica pós- -deposicional e de todo o processo de deformação que afetou normalmente as sucessões estratigráficas, tal como é possível observar nas arribas da Praia da Hanha (FIGURA 2), estas não muito longe da cidade do Lobito. Mais um conjunto de afloramentos de top, com vista ao conhecimento do enchimento da bacia, envolvidos por uma bela paisagem estuarina, a foz do rio Cubal (FIGURA 3). Um olhar mais atento nestas arribas, que nem precisa de ser assim tão minucioso, permite encontrar os argumentos, os fósseis de amonites, necessários à datação da sucessão (FIGURA 4)8, o que facilitará também o exercício de correlação. E não faltam outros bons exemplos paleontológicos, entre fósseis de outros grupos de invertebrados, bem como evidências nos sedimentos da sua atividade, a designada bioturbação.


FIGURA 1. Magnitude das arribas margo-calcárias do Albiano (essencialmente da Formação de Quissonde), aflorantes a norte da foz do rio Balombo (Egito Praia).


FIGURA 2. Aspeto dos dobramentos, pós-deposicionais, observados a sul da Praia da Hanha.


FIGURA 3. O rio Cubal junto à sua foz, correndo paralelamente ao mar. Ao fundo, as arribas cretácicas margo-calcárias.


FIGURA 4. Nível de acumulação de fósseis de amonites que permitem datar os sedimentos do Albiano (Formação de Quissonde, Praia da Hanha).

Entretanto, chegamos ao Lobito, uma cidade portuária, cuja identidade se deve muito à sua restinga. Um cordão de areia totalmente antropizado e, previsivelmente, com a mesma orientação das morfologias costeiras, citadas na região de Luanda1, atendendo a que os efeitos da deriva litoral são exatamente os mesmos. As arribas costeiras, essas, continuam calcárias através da unidade que parece ser interminável: a Formação de Quissonde. Estamos numa região com imensas pedreiras que aproveitam o enorme potencial de recurso das formações carbonatadas albianas (incluindo a Formação de Catumbela), desde cimenteiras (considerando o domínio dos margo-calcários), até explorações artesanais em plena malha urbana do Lobito (FIGURA 5)9.

Mas a geologia sedimentar da região é muito mais do que o Albiano carbonatado. Aproveitando as ligações rodoviárias que dão acesso à cidade do Lobito, a estrada nacional 100 (que vem de oriente) atravessa um dos melhores empilhamentos da Formação de Tuenza3,10. Uma das poucas unidades siliciclásticas do Cretácico da Bacia de Benguela e que ainda não tínhamos tido a oportunidade de analisar (FIGURA 6A). Esta unidade, de cor vermelha a esbranquiçada e composta por conglomerados e arenitos, mostra umas interessantes intercalações carbonatadas que incluem níveis oncolíticos (FIGURA 6B). Evidências claras da sua complexidade paleoambiental, intimamente relacionada com ambientes de transição10.


FIGURA 5. Vista parcial da restinga do Lobito, a partir de uma das pedreiras de uma cimenteira.


FIGURA 6. A Formação de Tuenza (igualmente do Albiano), junto à Estrada nacional 100, nas proximidades da cidade do Lobito. A) Contraste de cor das unidades predominantemente siliciclásticas; B) Ocorrência de nível oncolítico.

Por cima da Formação de Tuenza vislumbra-se a passagem à Formação de Catumbela, com rocha muito mais competente, que está na origem da serrania que se alonga sobranceiramente à cidade do Lobito e se estende paralelamente à costa atlântica. Porém, a melhor perceção geomorfológica e também sedimentológica desta última unidade pode ser captada uns quilómetros mais a sul, nas grandiosas margens do rio Catumbela, de onde provém o nome da formação (FIGURA 7). O bordo norte do rio, antes deste se espraiar em terrenos quaternários e chegar à sua foz, mostra mais umas sucessões das formações albianas onde, mais uma vez, não faltam imagens de imensa magnitude (FIGURA 8).


FIGURA 7. As rochas carbonatadas da Formação de Catumbela aflorante ao longo do rio Catumbela. A) Aspeto da morfologia das falésias junto ao açude situado a poucos quilómetros a montante da cidade de Catumbela; B) Flanco de estrutura em sinclinal particularmente coberta de vegetação (após a estação das chuvas), mas onde se realçam as superfícies de estratificação.


FIGURA 8. Bela paisagem do rio Catumbela junto à cidade do mesmo nome. Ao fundo, as serranias com as unidades carbonatadas de idade cretácica.

Deixamos o eixo Lobito – Catumbela, que nos prendeu algum tempo (mas bastante longe do que seria necessário com vista a observações mais exaustivas), e damos um salto até à extremidade sul da Bacia de Benguela, para lá da cidade capital da província. E mudamos de registo estratigráfico e sedimentológico. O pequeno alargamento da mancha da bacia, que se verifica entre Benguela e o Dombe Grande, ganha no registo de sedimentos mais recentes, nomeadamente de unidades do Cenozoico3. Na zona costeira são vários os locais de interesse, embora mais na perspetiva lúdica, tendo em conta as belas praias aqui existentes e onde sobressaem a Baía Azul e a Caotinha. Em termos iconográficos escolhemos esta última, pois é aquela que tem melhores vistas e melhor geologia. Um mar de aparência verdadeiramente tropical, com arribas muito bem desenvolvidas e despidas de vegetação (FIGURA 9). As rochas são dominantemente arenosas, sendo datadas do Paleogénico ao Quaternário3. Mais a sul, atravessamos o Dombe Grande, povoação conhecida pela devoção macumbeira, um lugar igualmente cantado em Caboledo pelo músico Paulo Flores. Tal como a Caotinha!


FIGURA 9. A praia da Caotinha com as suas arribas compostas de sedimentos de idade neogénica. Ao fundo, o conhecido e bem icónico morro do Sombreiro.

Poderíamos ir até ao Cuio e passar por mais uns quantos lugares geológicos de exceção, nesta espetacular bacia meso-cenozoica. Que também mostra uma boa sucessão de sedimentos evaporíticos (Formação “Sal Massivo”) (FIGURA 10), que se sobrepõem à Formação do Cuvo2. Observações que são fundamentais para o conhecimento evolutivo do Atlântico Sul, ainda mais, considerando a falta de registo onshore de grande parte das bacias conjugadas brasileiras. Mas, está na hora de chegar ao limite meridional da Bacia do Cuanza (o mesmo é dizer, da Sub-bacia de Benguela) e ter o privilégio de observar as unidades siliciclásticas, bem grosseiras (conglomeráticas), da base de todo o enchimento sedimentar. Mais uma vez, e agora com direito a imagem, a Formação do Cuvo, no seu membro mais basal (FIGURA 11), de idade incerta, batizada de pré-Aptiano. Não é preciso muito para as rochas ígneas e metamórficas (do intitulado Complexo de Base) chegarem à zona costeira, formando na cartografia uma pequena franja de rochas do Pré-Câmbrico que delimita a porção norte de uma outra bacia meso-cenozoica: a do Namibe. Apesar de algumas semelhanças genéricas em termos dos enchimentos sedimentares das bacias angolanas, a evolução geológica da Bacia do Namibe é, naturalmente, outra história11.


FIGURA 10. Detalhe dos depósitos evaporíticos da Formação Sal Maciço. Salienta-se a ocorrência de níveis centimétricos de gesso fibroso (região do Dombe Grande).


FIGURA 11. A Formação do Cuvo na extremidade sul da Bacia de Benguela. A) Depósito conglomerático em primeiro plano, com crista do Complexo de Base (metamórfico e do Pré-Câmbrico) em segundo plano; B) Detalhe dos conglomerados com impregnações (cor verde) de malaquite (carbonato de cobre).

NOTA:

O autor agradece aos companheiros de viagem e de observações geológicas, Januário Segundo, João Cavita, Elizabeth Carvalho, Efraim Soma e Paulo Quessongo.