De regresso à geologia de Angola: II. O Meso-Cenozoico da Bacia de Benguela
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- MARE — Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra
Referência Duarte, L.V., (2020) De regresso à geologia de Angola: II. O Meso-Cenozoico da Bacia de Benguela, Rev. Ciência Elem., V8(2):028
DOI http://doi.org/10.24927/rce2020.028
Palavras-chave estratigrafia, Angola, Cretácico Inferior
Resumo
Transpusemos a belíssima praia do Tapado1 e encontramo-nos em plena Província de Benguela, na chamada Bacia de Benguela. Uma espécie de Sub-bacia do Cuanza, que se distingue por critérios estruturais, mas cuja definição dá bastante jeito ao geólogo e especialmente ao estratígrafo2,3. Este último, o especialista que tem por missão ler a geometria dos sedimentos e interpretar a evolução dos acontecimentos geológicos ocorridos. É que, ultrapassados o Bengo e grande parte do Cuanza Sul, o enchimento sedimentar onshore da grande Bacia do Cuanza resume-se a uma estreita banda de poucos quilómetros de largura. Mas, de forma inversa, para além de uma menor afetação tectónica comparativamente à região do Sumbe, o que normalmente dificulta a observação e muito mais a interpretação sedimentológica, definem-se nesta área alguns dos melhores afloramentos do Cretácico Inferior de toda a margem angolana3,4,5. Onde se incluem as formações do Cuvo, Catumbela e Quissonde. As várias missões aqui realizadas, sempre num ritmo mais acelerado do que o desejável, permitiram regalar o olho e partilhar um cheirinho dos aspetos geomorfológicos, estratigráficos e sedimentares mais relevantes6. Poderiam ser muitos outros, mas a presente viagem passará apenas pelos lugares de Egito-Praia, Praia da Hanha, Lobito, Catumbela, Caotinha e Dombe Grande.
O primeiro dos locais é o Egito-Praia, já que a expedição continua de norte para sul. Para quem visita o local pela primeira vez, é possível que a chegada à foz do rio Balombo, que aqui desagua, não seja assim tão diferente da sensação dos primeiros exploradores que aqui chegaram e a que atribuíram uma designação tão sugestiva. Independentemente das possíveis semelhanças com o país dos faraós, o Egito-Praia é um nome incontornável da geologia da região de Benguela. Não tanto pelos fantásticos afloramentos cretácicos que aqui se observam, e que mereciam uma maior aposta ao nível do seu conhecimento, mas pelo facto de dar nome a uma das poucas cartas geológicas publicadas à escala 1/100.000 no período anterior à independência de Angola4. À semelhança do Tapado, é mais uma vez o contraste entre as formações albianas de Catumbela e de Quissonde, que aqui ganham maior relevância, através de sucessões sedimentares com dimensões simplesmente impressionantes, como a do Egito-Praia (FIGURA 1). As características sedimentológicas e o conteúdo paleontológico, essencialmente à custa de invertebrados marinhos, não diferem muito dos referenciados na vizinha Cuanza Sul. No entanto, daqui até ao Dombe Grande, ou seja, até ao limite sul do onshore da Bacia de Benguela, a Formação de Quissonde brinda-nos com umas estruturas fantásticas de deformação sin-sedimentar. Comprovando que o próprio processo de sedimentação terá sido afetado por uma intensa atividade tectónica7, algo nem sempre fácil de ver e de reconhecer no registo sedimentar. Isto, independentemente da tectónica pós- -deposicional e de todo o processo de deformação que afetou normalmente as sucessões estratigráficas, tal como é possível observar nas arribas da Praia da Hanha (FIGURA 2), estas não muito longe da cidade do Lobito. Mais um conjunto de afloramentos de top, com vista ao conhecimento do enchimento da bacia, envolvidos por uma bela paisagem estuarina, a foz do rio Cubal (FIGURA 3). Um olhar mais atento nestas arribas, que nem precisa de ser assim tão minucioso, permite encontrar os argumentos, os fósseis de amonites, necessários à datação da sucessão (FIGURA 4)8, o que facilitará também o exercício de correlação. E não faltam outros bons exemplos paleontológicos, entre fósseis de outros grupos de invertebrados, bem como evidências nos sedimentos da sua atividade, a designada bioturbação.
Entretanto, chegamos ao Lobito, uma cidade portuária, cuja identidade se deve muito à sua restinga. Um cordão de areia totalmente antropizado e, previsivelmente, com a mesma orientação das morfologias costeiras, citadas na região de Luanda1, atendendo a que os efeitos da deriva litoral são exatamente os mesmos. As arribas costeiras, essas, continuam calcárias através da unidade que parece ser interminável: a Formação de Quissonde. Estamos numa região com imensas pedreiras que aproveitam o enorme potencial de recurso das formações carbonatadas albianas (incluindo a Formação de Catumbela), desde cimenteiras (considerando o domínio dos margo-calcários), até explorações artesanais em plena malha urbana do Lobito (FIGURA 5)9.
Mas a geologia sedimentar da região é muito mais do que o Albiano carbonatado. Aproveitando as ligações rodoviárias que dão acesso à cidade do Lobito, a estrada nacional 100 (que vem de oriente) atravessa um dos melhores empilhamentos da Formação de Tuenza3,10. Uma das poucas unidades siliciclásticas do Cretácico da Bacia de Benguela e que ainda não tínhamos tido a oportunidade de analisar (FIGURA 6A). Esta unidade, de cor vermelha a esbranquiçada e composta por conglomerados e arenitos, mostra umas interessantes intercalações carbonatadas que incluem níveis oncolíticos (FIGURA 6B). Evidências claras da sua complexidade paleoambiental, intimamente relacionada com ambientes de transição10.
Por cima da Formação de Tuenza vislumbra-se a passagem à Formação de Catumbela, com rocha muito mais competente, que está na origem da serrania que se alonga sobranceiramente à cidade do Lobito e se estende paralelamente à costa atlântica. Porém, a melhor perceção geomorfológica e também sedimentológica desta última unidade pode ser captada uns quilómetros mais a sul, nas grandiosas margens do rio Catumbela, de onde provém o nome da formação (FIGURA 7). O bordo norte do rio, antes deste se espraiar em terrenos quaternários e chegar à sua foz, mostra mais umas sucessões das formações albianas onde, mais uma vez, não faltam imagens de imensa magnitude (FIGURA 8).
Deixamos o eixo Lobito – Catumbela, que nos prendeu algum tempo (mas bastante longe do que seria necessário com vista a observações mais exaustivas), e damos um salto até à extremidade sul da Bacia de Benguela, para lá da cidade capital da província. E mudamos de registo estratigráfico e sedimentológico. O pequeno alargamento da mancha da bacia, que se verifica entre Benguela e o Dombe Grande, ganha no registo de sedimentos mais recentes, nomeadamente de unidades do Cenozoico3. Na zona costeira são vários os locais de interesse, embora mais na perspetiva lúdica, tendo em conta as belas praias aqui existentes e onde sobressaem a Baía Azul e a Caotinha. Em termos iconográficos escolhemos esta última, pois é aquela que tem melhores vistas e melhor geologia. Um mar de aparência verdadeiramente tropical, com arribas muito bem desenvolvidas e despidas de vegetação (FIGURA 9). As rochas são dominantemente arenosas, sendo datadas do Paleogénico ao Quaternário3. Mais a sul, atravessamos o Dombe Grande, povoação conhecida pela devoção macumbeira, um lugar igualmente cantado em Caboledo pelo músico Paulo Flores. Tal como a Caotinha!
Poderíamos ir até ao Cuio e passar por mais uns quantos lugares geológicos de exceção, nesta espetacular bacia meso-cenozoica. Que também mostra uma boa sucessão de sedimentos evaporíticos (Formação “Sal Massivo”) (FIGURA 10), que se sobrepõem à Formação do Cuvo2. Observações que são fundamentais para o conhecimento evolutivo do Atlântico Sul, ainda mais, considerando a falta de registo onshore de grande parte das bacias conjugadas brasileiras. Mas, está na hora de chegar ao limite meridional da Bacia do Cuanza (o mesmo é dizer, da Sub-bacia de Benguela) e ter o privilégio de observar as unidades siliciclásticas, bem grosseiras (conglomeráticas), da base de todo o enchimento sedimentar. Mais uma vez, e agora com direito a imagem, a Formação do Cuvo, no seu membro mais basal (FIGURA 11), de idade incerta, batizada de pré-Aptiano. Não é preciso muito para as rochas ígneas e metamórficas (do intitulado Complexo de Base) chegarem à zona costeira, formando na cartografia uma pequena franja de rochas do Pré-Câmbrico que delimita a porção norte de uma outra bacia meso-cenozoica: a do Namibe. Apesar de algumas semelhanças genéricas em termos dos enchimentos sedimentares das bacias angolanas, a evolução geológica da Bacia do Namibe é, naturalmente, outra história11.
NOTA:
O autor agradece aos companheiros de viagem e de observações geológicas, Januário Segundo, João Cavita, Elizabeth Carvalho, Efraim Soma e Paulo Quessongo.
Referências
- 1 DUARTE, L. V. De regresso à geologia de Angola: I. A zona costeira de Luanda ao Cuanza Sul, Rev. Ciência Elem., V7(04): 078.
- 2 BROGNON, G.P. Oil and geology in Cuanza basin of Angola, American Association of Petroleum Geologists Bulletin. 50 (1), 108–158. 1966.
- 3 GUIRAUD, M. et al. Segmentation and differential post-rift uplift at the Angola margin as recorded by the transform rifted Benguela and oblique-to-orthogonal-rifted Kwanza basins, Marine Petroleum Geology. 27 (5), 1040–1068. 2010.
- 4 LAPÃO, L.P. & PEREIRA, E.S. Do Proterozoico da Serra da Leba (Planalto da Humpata) ao Cretácico da Bacia de Benguela (Angola). A geologia de lugares com elevado valor paisagístico From the Proterozoic of Leba Hill (Humpata Plateau) to the Cretaceous of the Benguela Basin, Angola. Th, Notícia explicativa da Folha 206 – Egito-Praia da Carta Geológica de Angola, à escala 1:100.000. Direcção Provincial dos Serviços de Geologia e Minas, Luanda, 42 p.. 1971.
- 5 GALVÃO, C. & SILVA, Z. Notícia Explicativa da folha 228 – Lobito da Carta Geológica de Angola, à escala 1:100000, Direcção Provincial dos Serviços de Geologia e Minas, Luanda, 40 p.. 1972.
- 6 DUARTE, L. V. et al. Do Proterozoico da Serra da Leba (Planalto da Humpata) ao Cretácico da Bacia de Benguela (Angola). A geologia de lugares com elevado valor paisagístico, Comunicações Geológicas 101, Especial III, 1255-1259. 2014.
- 7 SEGUNDO, J. et al. Litostratigrafia da sucessão margo-calcária da Formação Quissonde (Albiano) do setor Ponta da Jomba - Praia do Binge (Bacia de Benguela, Angola), Comunicações Geológicas 101, Especial I, 567-571. 2014.
- 8 TAVARES, T. et al. Albian ammonites of the Benguela Basin (Angola): a biostratigraphic framework, South African Journal of Geosciences. 110, 137–156. 2007.
- 9 CAVITA, J. R. R. As unidades carbonatadas cretácicas da região do Lobito (Angola). Caracterização e importância no ordenamento do território, Dissertação do Mestrado em Geociências (ramo em Ambiente e Ordenamento), Universidade de Coimbra, 80 p. (não publicada). 2011.
- 10 QUESNE, D. et al. Distribution of Albian clastic deposits in the Benguela Basin (Angola): evidence of a Benguela palaeocurrent?, Bulletin Societé geólogique de France 180 (2), 117-129.
- 11 SCHRÖDER, S. et al. Algal–microbial carbonates of the Namibe Basin (Albian, Angola): implications for microbial carbonate mound development in the South Atlantic, Petroleum Geoscience. 22, 71-90. 2016.
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